Os dias se passaram e trouxeram de volta suas alegrias. Finalmente as princesas do seu pequeno reino são trazidas por Ana, ambas sobre o carrinho de café da manhã. Maria vê os braços abertos delas só aguardando por seus abraços. Com os olhos inundados de lágrimas, sentada na lateral da cama, abre um longo sorriso na medida em que se aproximavam.
Com um movimento firme, movido pela ansiedade, ela se levanta rapidamente, enquanto olha na direção delas, mas logo volta a sentar desequilibrada. Ana apenas olha seus movimentos, para intervir caso algo vir a acontecer.
– Quanto tempo meus amores, quantas saudades eu senti de vocês. – Fala enquanto afaga a cabeça de Daiana e abraça Catherine. – Vocês estão tão lindas, tão cheirosas. Sua mãe cuida muito bem de vocês. – Parabéns Ana, você é ótima mãe.
Ana olha para ela, com um pequeno sorriso amarelado de meia boca. – Bem... Já que a senhora está confortável e feliz, vou trabalhar um pouco mais, não se esqueça de tomar seu café da manhã. – Ana se vira friamente, mas antes de se retirar por completo, dá meia volta para agradecer aos elogios que Maria fazia sobre sua aparência.
– Vejo que hoje você caprichou no visual. Está alinhada, calça e camisa de linho, só não entendi porque esconder tudo isso embaixo dessa lona branca, que você teima em usar. – o que Catherine?... Olha só! É mesmo, nem tinha percebido. – Diz ela olhando fixamente para os pés de Ana. – Por isso te achei mais alta que o normal. Muito bonito esse salto vermelho. Só uma pessoa de classe como você, para ter a delicadeza para escolher tão acertadamente minha nora.
Ana deixa a vaidade invadi-la um pouco, puxa sutilmente a perna direita de sua calça e vira um pouco o pé, para que ela veja melhor, enquanto agradece, timidamente pelos elogios destinados a ela.
– Já sei! Você e meu filho vão almoçar fora. – Exclama ela na esperança de ver o filho que há muito não via.
– A senhora lembra-se de quando te disse que em breve arrumaria outro trabalho?... Então, hoje terei uma entrevista, para ver se começo a trabalhar. Essa é a segunda etapa de três, se Deus quiser vou passar em todas.
– Mas que surpresa mais que agradável. – Diz ela com um sorriso forçado e continua. – Uma pena que você vai deixar de cuidar dessa velha decrépita que vos fala, mas é para um bem maior? – Pergunta ela com o tom de ironia a olhando nos olhos.
– Sim dona Maria. Mas...
– Seu crescimento profissional minha filha, está acima de qualquer velhice. Eu já vivi tudo que tinha que viver. Você ainda é jovem, forte e ainda tem muito que conhecer, não tenho como competir com isso. Não é mesmo? – Fala ela com um tom manhoso e delicado.
– Mas dona Maria. Existem pessoas tão competentes quan...
– Por favor, deixe-nos a sós. – Corta friamente.
Ana observa que sua feição muda drasticamente, então não pensa duas vezes antes de sair, fechar a porta atrás de si e seguir seu caminho.
– Shii! Eu sei Diana, mas não fale isso tão alto. Deixe que eu cuido dela depois. – Diz ela.
Após a saída da Ana, Maria se acomoda na cama, deixando Diana e Catherine sobre suas pernas. Pega a escova de cabelo e começa primeiro pela cabeça de Catherine. Penteia lentamente, enquanto sente o leve e agradável aroma de café que parece emanar da roupa dela. Primeiro pensou que Ana relaxadamente, teria deixado cair café na roupa das meninas. Procura discretamente, por todo vestido de Catherine até perceber que aquele cheiro, vinha do perfume que Ana adora usar em momentos importantes e que se impregnou a roupa de suas netas. – e hoje é um desses dias. Murmurou ela.
– Oi! Não é nada demais Diana, só conversando com os meus botões... Conversar com botões é comentar e falar coisa pra mim mesma... Isso! Como se fosse um segredo.
– Não precisa ficar chateada por não entender Catherine. Você e sua irmã irão compreender quando forem um pouco maiores.
– Não entendeu nada Diana, está dizendo isso só para provocar sua irmã. Isso é feio! Tá parecendo até minha tia... Ah! Vocês não a conheceram, pois faz muito tempo que ela se foi.
– Falar sobre ela? Tá bom! Então a história que eu vou contar é sobre ela. Mas já vou avisando que ela foi uma princesa boa, mas deixou de ser com o tempo...
– Desde pequena, quando tinha mais ou menos da idade de vocês, até quase adolescente, ouvia histórias dela e de minha mãe. A primeira que me contou foi quando eram mais moças, minha mãe morava em uma casa que ficava sobre a casa dela, numa pequena favela, na época, as margens da baía de Guanabara. Viviam em pé de guerra uma com a outra, não podiam se encontrar que, em qualquer lugar que fosse, sempre havia uma discussão acalorada, muitas vezes chegando a empurrões e puxões de cabelo. Débora sempre dizia, justificando o porquê da briga. “Brigo mesmo, meu santo não bate com o dela”. – Não meninas, santos não fazem os outros brigarem. Essa era só uma forma de dizer que uma pessoa não gostava da outra. Mas o destino, implacável como é, logo se incumbiu de reverter este quadro.
Apesar de arrumar bastante encrenca na rua, não só com a minha mãe, em casa e na escola, dentro de sala de aula, sendo mais específica, era uma menina comportada, que se dedicava muito aos estudos e a criação do seu irmão João Victor. Com quatorze anos, era de sua responsabilidade a criação e segurança, desde os doze anos de idade. Pois sua mãe precisava trabalhar, para sustentar a família, para tentar não deixar faltar nada. Seu pai, assim que soube da segunda gravidez da mãe, saiu de casa dizendo que buscaria um segundo emprego e nunca mais voltou ou deu notícias. – Homens de antigamente... conheci um parecido.
Débora seguia fielmente os conselhos da mãe, estudava muito, para que um dia não precisasse depender de homem nenhum e se mudasse para um lugar melhor que aquele que moravam.
Minha mãe também ficava sozinha pelo mesmo motivo, meus avós trabalhavam duro para que ela tivesse melhores oportunidades. E foi numa dessas ocasiões, que o destino fez o seu milagre.
Era um começo de semana à tarde, Débora subia a ladeira de mãos dadas com o irmão, voltando da escola, ao ver que minha mãe subia mais a frente, acelerou o passo, puxando João Víctor pelo braço e quando passou por ela, trombou com os ombros, enquanto pedia licença com o ar de deboche.
O fato de minha mãe ter ignorado por completo aquela atitude, dando os ombros, foi motivo suficiente para ela soltar a mão do irmão, tirar a mochila das costas, jogando no canto da calçada e começar a discussão.
– Débora. Não estou com cabeça pra isso, estou há dez metros de casa, só quero chegar lá e estudar.
– Vai me dizer que a CDF agora vai ficar com medinho? – Provoca ela, a empurrando para trás. Minha mãe perdeu a paciência por ter sido empurrada e acabou caindo no jogo dela. Não demorou muito, e a briga esquentou, começaram a gritar e empurrar uma a outra. As pessoas da rua, vizinhos, já conheciam as duas a tanto tempo, que quando viam elas duas brigando, simplesmente ignoravam.
Nesse meio tempo, o irmão de Débora, se afastava cada vez mais da briga. Começava a perseguir uma linda e grande borboleta amarela e branca, que se chocou contra sua bochecha direita. Pulava sem alcançar, devido ao peso da mochila, que parecia ter duas vezes o seu peso e quase alcançava seu calcanhar. – Bobleta! – dizia ele no auge da fofura de uma criança de quase quatro anos.
A divertida perseguição terminou, assim que um puxão muito forte o lançou para trás, tirando seus pés do chão por completo. Até cair de costas na calçada e uma moça cair por cima dele, enquanto do seu lado via sua irmã chegar assustada e com os olhos cheios de lágrimas. Começando a chorar, com o grande susto que tomou, logo em seguida.
Uma grande caminhonete de cores branca e azul, cheio de homens, vestindo a mesma roupa, dentro dela, subiu a ladeira a toda velocidade, não se importando com quem estava na rua naquele momento. Os mais atentos pularam para as calçadas, mas João estava tão distraído, que não teria tempo de reagir. Se não fosse minha mãe perceber sua chegada e abandonar aquela discussão boba, o pobre menino teria sido atropelado.
– Minha neta, se eles são maus eu não sei, mas sei que eles não têm respeito nenhum por quem mora nesses lugares.
Depois desse episódio, seus santos, começaram a se combinar. Viraram amigas inseparáveis, faziam tudo juntas. Estudavam, saíam e até arrumaram namorados juntas.
– É verdade sim! Catherine, mas só depois que terminaram os estudos.
Quase completando dezessete anos, mesmo com a mãe dizendo que não precisava, Débora decidiu trabalhar, arrumar um emprego para jovens, de meio período, para ajudar a custear os estudos na faculdade que estava começando.
As duas mal conseguiam se encontrar durante a semana. Minha mãe, um ano mais velha, resolveu fazer um curso técnico de administração, porque era mais curto o tempo de formação e ela havia arrumado um emprego em uma loja de departamento, enquanto Débora trabalhava um período de seis horas, num Banco no centro de seu bairro e depois corria para faculdade, onde escolheu cursar psicologia, como formação.
– Psicólogo, minha neta?... Pelo que eu sei, ele ajuda a organizar a cabeça bagunçada das pessoas... Mais ou menos isso.
Com ambas tendo seus tempos tomados pelas responsabilidades que vinham, conseguiam, quando Débora não tinha que estudar, se ver e sair somente nos finais de semana.
E foi em um desses finais de semana, que minha mãe e minha tia, conheceram meu pai e meu tio Altair. Minha mãe contava que por pouco o encontro dos quatro não acontecia, mas parecia que os destinos de todos eles já estavam traçados. Logo, foi inevitável.
Nesse dia, sábado de manhã, as duas tinham combinado de irem à praia bem cedo e aproveitar, segundo elas, o melhor sol do verão. A praia com todos os seus atributos, ajudava a remover toda tensão acumulada de uma semana repleta de trabalhos e estudos, com uma leve ajuda de algumas cervejas, que levavam dentro de uma sacola térmica, com o intuito de reduzir os gastos. Aproveitavam para ficar com um bronzeado bonito e chegar à noite na roda de samba arrasando.
Forraram suas cangas na fina areia da praia, depois apoiaram suas bolsas sobre elas, retiraram os shorts, os colocando sobre a bolsa e se não fosse à espreguiçada da minha tia enquanto olhava o mar, teria saído um movimento sincronizado perfeito. – observou minha mãe quando me contava... – Ah! Canga é um pedaço de pano, que as pessoas forram na areia, para não deitarem nela direto e ficar com corpo todo coçando.
– Onde eu estava?... Ah! Sim... A praia não durou mais que três horas, foi só o tempo da cerveja se esgotar, mas nessas poucas horas de permanência ali, elas desinibidas, depois da primeira lata de cerveja, flertavam com homens aleatoriamente só por diversão. Quando algum se aproximava, logo disfarçavam ou dispensavam alegando que “tinham visto demais”. Minha mãe dizia que a praia com ela era diversão garantida. Depois de alguns mergulhos e chuveiradas, arrumaram suas coisas, fizeram uma parada rápida, num quiosque bonito que ficava no calçadão, comeram algo rápido e foram em direção ao ponto de ônibus.
No meio da viagem de volta, que levava entorno de uma hora e meia, minha mãe começou a enjoar, pelo fato do ônibus estar balançando, trânsito parado, um calor insuportável e um lanche engolido as pressas. – algumas dessas coisas, ou todas elas me fizeram mal. – Falava minha mãe rindo sempre que lembrava.
Débora deu a ideia de saltarem do ônibus, depois que avistou um posto de gasolina, alguns metros adiante. Suando frio, minha mãe não pensou duas vezes, por saber que não conseguiria segurar aquele mal estar até o fim da viagem. Pediram para o motorista abrir a porta no meio da pista engarrafada, porém o mesmo só abriu, sob a ameaça de que se ele não o fizesse, teria ele que lavar o ônibus depois. Após alguns minutos no mais fétido banheiro do posto de gasolina, minha mãe surgia, como uma nova pessoa, enquanto Débora, depois que viu o tom rosado voltar ao seu rosto, tapava as narinas. Suas gargalhadas eram tão altas que chamavam até a atenção dos frentistas. Minha mãe, na porta daquele banheiro, envergonhada, tentava sem sorte, tapar a boca da minha tia.
Na noite daquele sábado, Débora, deitada em sua cama de pijama, debruçada sobre um grosso livro de psicologia, antecipava seus estudos, como era comum de sua parte, quando minha mãe sem bater na porta e sem ela perceber, entrou no quarto gritando, querendo saber o porquê ela ainda estava de pijama.
– Olha ela, toda produzida. – Admirava, enquanto justificava suas condições. – Amiga como você passou mal mais cedo, imaginei que tiraria o dia pra descansar.
– Aí você resolveu meter a cara no livro? É uma nerd mesmo... Anda, se veste que hoje é dia de se divertir, não de estudar.
Em quarenta minutos ela se vestiu e ambas de vestidos colados ao corpo e saltos bem altos, e pequenas bolsas. Estavam impecáveis, com tudo combinando e prontas para curtir a noite.
Chegaram à festa, que ficava no bairro vizinho bem rápido, porém já estava cheia de pessoas bebendo e comendo. Comemorando o aniversário de um agora amigo, que elas conheceram numa dessas idas a praia e que Débora havia namorado, por um curto período de tempo.
Lá tentaram manter a postura, beliscavam discretamente alguns aperitivos que eram servidos, licores e outras bebidas que serviam em abundância. Comedida por ter passado mal mais cedo, minha mãe dispensava a maioria das coisas, bebendo, segundo ela, duas ou três taças de prosecco. Já Débora, passados trinta minutos de festa, já não deixava passar nada, tudo que passava em sua frente. Bebidas destiladas e fermentadas, com mais tudo de sólido que passava. Comia e bebia como se não houvesse amanhã. Só parou quando um homem, de aproximadamente um metro e oitenta, negro, de sorriso largo, cuja simpatia exalava pelos poros, lhe falou ao pé do ouvido.
– Olá, me chamo Altair.
A combinação daquela voz grave, com sua barba longa, roçando no pescoço dela, trouxe um arrepio, que eriçou todos os pelos do seu corpo. Com um sorriso acanhado, e recuando um pouco, para ver melhor com quem falava, respondeu. – Me chamo Débora. – Disse o nome timidamente.
Notando que ela estava envergonhada, no intuito de quebrar o gelo, perguntou se ela gostaria de dançar um pouco. Minha mãe disse que via e ouvia tudo, por que estava bem ao lado dela a empurrando para os braços do rapaz.
Ela praticamente jogou sua bolsa e sua bebida para minha mãe segurar, enquanto esbravejava alguma coisa, antes de ir para os braços do sorridente rapaz. Dançaram duas músicas e depois foram para o bar, para conversarem longe do barulho, enquanto minha mãe esbarrou com Anthony, o aniversariante, olhando para os dois no bar.
– Não precisa se preocupar, já superei a Débora. – Dizia ele com um sorriso contrariado nos lábios. – E você, esta se divertindo?
– Bastante, sua festa está bem legal. Aliás, meus parabéns!
– Obrigado, sinta- se em casa. Agora me dê licença que vou falar com os outros convidados, sabe como esse povo é ciumento. – Anthony deu uma piscada de olhos e saiu.
Alguns minutos depois da breve conversa com seu amigo Anthony, minha mãe se aproximou da banda, que se organizava para começar a tocar. De lá olhava para o bar movimentado, para saber se Débora ainda estava conversando com o rapaz. Como não conseguiu enxerga-la, se aproximou um pouco mais do bar. Varreu todo o salão daquele novo ângulo e só então conseguiu encontrar os dois anjinhos, que se beijavam apaixonadamente, sentados em um sofá, preto, largo, que ficava bem no canto de uma sala pouco iluminada, bem própria para os namorados.
Do bar, minha mãe após pedir um cálice de licor, ficou apreciando o grupo que começava a tocar. Entre uma dose e outra, dispensava todos os rapazes que se aproximavam para corteja-la. – prefiro a dor de cabeça do licor. – Dizia ela. – Só depois de alguns anos que fui entender o porquê dessa frase. Minha mãe era uma sábia.
Por volta de uma hora depois de ver os colóquios de sua amiga, minha mãe se surpreende com a notícia da partida dela com o seu novo parceiro.
– Amiga não se preocupe, só vou dar uma volta com ele e depois vou pra casa. Tem problema? Se você quiser, o dispenso e fico aqui com você.
– Tá maluca? Vá namorar mulher. Mas tome cuidado e tenha juízo.
Voltando suas atenções para o bar, enquanto esperava a cerveja que havia pedido, minha mãe tentava decidir mentalmente o exato momento em que deveria ir embora. Por que embora o anfitrião fosse bastante próximo, se sentia mais a vontade com sua amiga.
Decidiu tomar aquele ultimo copo de cerveja antes de ir pra casa, o pegou do balcão, onde tinha sido posto pelo barman, com um papel que continha nele escrito um nome e logo abaixo um número de telefone. Pegou o copo, ignorou o papel e se virou mais uma vez, para ver a banda tocar. Quando do nada, toda cerveja que tinha dentro do copo, se espalhou por todo seu vestido, tamanho o esbarrão que o rapaz dera em seu braço.
– Minhas princesas, vovó vai ter que dar uma pausa para... Não acredito que vocês dormiram. – Estão certas, a história dessa mulher, nem merece ser contada.
Maria tira uma de cada vez de seu colo, as colocando cuidadosamente na cama, levanta bem devagar e caminha para o banheiro, se lamentando pelo caminho que sua tia escolheu trilhar.
– Teve o que mereceu. – Disse ela deixando escapar um sorriso maldoso.
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Maria
De TodoQuando a promessa é quebrada e as consequências são extremas, tudo se caótico.