- Nossa! Como tem sido bom conversar com você, nem parece que ficamos esse tempo todo conversando. Posso dizer que é muito prazeroso pra mim. Apesar de não falar ou não querer falar por ser reservado, me sinto lisonjeada por me emprestar seus ouvidos. Bem agora vou te deixar em paz, senão essa daqui não vai me deixar em paz. - Não é Miriam? - Miriam ao seu lado como se fosse um cão de guarda, mostra um leve sorriso e acena que já está na hora dela voltar para o quarto. - Tá bom! Já vou!
- Dona Maria levante-se devagar, para não perder o equilíbrio.
- Não me trate como uma velha inútil. Tenho muito equilíbrio e bastante força. Quer que eu dance para que veja? - Tenho idade para ser sua irmã mais velha, logo pode deixar essa dona para trás.
Miriam arregala os olhos surpresa com que tinha acabado de ouvir, porém apesar de sua reação facial, nada comenta a respeito e caminha ao seu lado até o quarto.
- Bem dona... Quero dizer Maria, vou ministrar seus remédios para que a senhora possa dormir tranquila.
- Notou aquele rapaz calmo, com quem eu conversava agora pouco?... Pobre coitado, com o rosto todo enfaixado, parte do corpo todo queimado, deve ter sofrido muito aquele rapaz. Parei para conversar com ele, porque o achei muito solitário, no canto escuro da sala. Acho que sentia vergonha. Apesar de ter um porte atlético, seu olhar transmitia uma ingenuidade, que me remetia a uma pessoa que foi muito próxima a mim.
Miriam a ignora por completo, estica o braço lhe dando o copo com comprimidos pedindo para que tome seus remédios.
- Não quero dormir agora. Passei um ano quase em silêncio total, conversando somente com meu filho, isso quando ele vinha. Trancada nesse quarto acolchoado, de luto pela perda de minha amiga, que esteve ao meu lado por muito tempo e agora você me nega uma pequena conversa até que essa droga de remédio faça efeito?
Cedendo a chantagem emocional de Maria, Miriam a coloca deitada na cama e senta ao seu lado direito.
- Sobre o que a senh... Você quer conversar?
- Bem, primeiro dizer o quanto eu sofri com a perda da Ana, mas foi à única coisa que ele me contou. Queria saber por que, pelo que me lembro a última notícia que tive dela, era que ela estava se recuperando bem.
Reticente Miriam hesita por um tempo, até que Maria insiste mais uma vez, argumentando.
- Se estiver preocupada com o meu bem estar, pode ficar tranquila, que vou ficar bem.
Já intimamente ligada a Maria, erro na sua profissão. Sabendo que por norma, deveria tentar ao máximo, evitar qualquer conversa que levasse a alguma alteração de comportamento, às ignora por completo e começa a relatar.
Conta que, nas poucas visitas que fez a ela, realmente seu quadro clínico estava ficando bem melhor, apesar de ter caído daquela altura.
- Eu sei essa imagem não me saí da cabeça. - Interrompe Maria.
- Mas não sei se você sabia, a mãe dela também estava muito debilitada. - Maria acena com a cabeça, com um sinal positivo. - Então... Como toda sua família morava em outro estado, só depois de muita procura, conseguimos encontrar o hospital onde a mãe estava internada. Já que ela dificilmente compartilhava assuntos pessoais conosco.
Maria guarda tudo que ouvia, analisando detalhadamente os fatos que não batia, entretanto decide não interromper ou comentar nada até ouvir a história por completo.
- Como não éramos parentes e não tínhamos acesso a ela diretamente, mostramos todos os documentos na administração do hospital, para que tomassem as medidas cabíveis. Foi então que quando estávamos saindo da sala, depois que leu atentamente o nome da paciente, o doutor pedindo que retornássemos, informou que sua mãe havia morrido no dia anterior. Disse que tentaram entrar em contato com Ana, mas ninguém atendeu ao telefone, porém, como não obteve sucesso, ligou para os familiares de fora do estado.
Pedimos um telefone para podermos comunicar aos parentes sobre situação da Ana e quando conseguimos informar, já estavam na estrada a caminho. Demos o endereço e as coordenadas de como chegarem mais facilmente e os aguardamos, caso precisassem de alguma ajuda.
Os encontramos duas horas depois na porta do hospital em que a mãe de Ana havia falecido, demos o tempo necessário para que fizessem ao tramites legais de reconhecimento, retirada e liberação do corpo. Nos encontramos algumas horas depois e levamos seu irmão junto com a esposa ao hospital onde Ana se recuperava.
Miriam vê surgir em Maria uma euforia, enquanto ela narra à história. Um sorriso surge, mas é rapidamente disfarçado por uma tristeza artificial. - Será realmente que ela está gostando dessa tragédia? - se pergunta Miriam descrente, enquanto molha a garganta, com a água de sua garrafa.
- Não tinha visto. Garrafa bonita. É de metal?
- Não é só uma imitação, é plástico pintado para parecer que é inox polido. - diz ela batendo com a garrafa contra a perna... Bem Maria já está dando a hora, depois quando você puder te conto.
- Tudo bem, sei que você tem sua vida, obrigado por te me dado um pouco mais de atenção. Antes de dormir vou rezar para que a alma dela se ilumine.
Miriam faz um sinal de positivo com a cabeça e saca um sorriso forçado antes de fechar a porta em definitivo.
Deitada com o dorso voltado para o teto com os braços atrás da cabeça, estica as pernas numa longa espreguiçada. Um sorriso surgia em seu rosto, enquanto lembra daquele silencioso rapaz no qual contara sua história. - Será que arrumei outro Amadeu? - se pergunta, pensando naqueles olhos ingênuos, no qual passou algumas horas. - Mas é bom ter alguém que ele se identifique, apesar das minhas queimaduras não passarem de manchas de pele, perto das dele. - pensa ela enquanto tenta encontrar uma boa posição para dormir, mas a sua cabeça não para de pensar em hipóteses sobre como Ana tinha morrido. - Tudo indica que foi um ataque fulminante, ela não aguentou a notícia e faleceu. - sussurra ela, no quarto escuro.
- Também tenho quase certeza disso. - Diz a voz ao pé do ouvido.
Com uma rapidez impressionante ela se vira e com os olhos saudosos e apaixonados pergunta por que demorou tanto para chegar. Dizendo que a saudade que sentia já a consumia ferozmente.
- Eu estive aguardando a enfermeira ir embora, enquanto isso ouvia toda conversa entre vocês. Depois tive que presenciar toda sua saudade por você sabe quem...
- Meu príncipe, você sabe que meu coração é só seu, não precisa ficar com ciúmes. Independente dele ter chegado primeiro ou não, como você sempre argumenta, quero que fique claro que você sempre será minha prioridade. Agora venha, tire essa cara emburrada e deita aqui do meu ladinho. Mas me diga de onde vem essa "quase certeza"
- Tudo indica que ela morreu de choque pela notícia que recebeu. Por mais que ela estivesse se recuperando, internamente estava enfraquecida demais. Daí quando viu seus parentes todos de pé, com olhares tristes a sua frente. Inteligente como parecia ser, logo ligou uma coisa com a outra. Claro que é só uma suposição. Só quem vai poder dizer se o ataque foi na hora ou depois vai ser a Miriam, mas não acho que ela está com boa vontade em te contar.
- Também senti isso, ela falando, mas não querendo falar. Tentando sair daqui o mais rápido possível. Será que fiz alguma coisa que ela não gostou?
- Fora teu sorriso de satisfação, enquanto ela contava a perda da amiga dela? Não sei o que você fez.
- Deixa de deboche. Estava assim tão nítido? Às vezes sinto falta da Ana. Se pudesse... Mas já aconteceu.
- Ih! Falando muito assim. Pelo visto mais uma vez não tomou seus remédios. Você sabe que não deve deixa de...
- Lá vem o advogado do diabo. - Diz ela bufando. - Não sei se percebe, mas é graças à falta deles que fico acordada e consigo me encontrar contigo? Se fosse por eles não te veria nunca.
- Não precisa se entristecer. Só desejo o seu bem meu amor.
- Eu sei meu príncipe, venha cá, deite mais pertinho de mim, mais um pouco, quero seu nariz assim colado com o meu, como quando éramos mais novos e brincávamos de quem ficava vesgo primeiro. Senti tanta falta desse sorriso, da sua companhia. - Sabe? Um dia me peguei relembrando nosso primeiro beijo na nossa cachoeira lembra?... Provavelmente não, vocês homens não ligam para datas ou momentos.
- Lembro o que você quiser que eu lembre minha princesa.
- Para de tentar ser romântico para me distrair, já que se lembra de tudo me diga algo que te marcou?
- Pra começar... O vendedor de queijo, que era um senhor muito estranho no início. Depois de te ver só de roupa de banho, nadando naquela água cristalina. O beijo, ah! O beijo foi maravilhoso, te pegando pela cintura, sentindo seu corpo contra o meu, seus doces lábios adoçando os meus. Estava no paraíso.
- E da infinidade de vezes que fizemos amor. - com um sorriso assanhado no rosto, ela pergunta se alguma vez já ouviu às histórias que ela conta sobre eles. - Não fique sem graça, é uma história de amor, não tem por que se envergonhar.
Ao respirar fundo, Maria se encolhe toda, para que a tristeza que a invadia, tomasse o menor espaço possível, às lágrimas caem direto no travesseiro, aumentando gradativamente a mancha molhada. Soluços comprimidos fazem forças para se libertar, mas são contidos, por sua fala repetitiva e chorosa. - Já te perdi uma vez, não sei se aguento te perder de novo.
- Mas você tem que melhorar...
- Não me importo. Se você soubesse o quando eu sofri, não pediria isso pra mim. Depois da perda dos meus pais, você foi minha força. Quando você se foi, desejei com toda minha força ter ido junto.
- Você tem que superar isso meu amor.
Girando para o lado oposto ela responde: - Vou sim meu amor, com sua ajuda. Agora vem cá e me abraça, preciso de você aqui comigo. Estou me sentindo muito só.
Assim que fecha os olhos, Maria sente o calor de um afago encobrindo suas costas, fazendo com que se sinta tão protegida, que em poucos minutos seus soluços cessam e suas lágrimas secam, relaxada, solta seu corpo, permitindo que ele afundasse no colchão, sendo tragada pelo sono. - Eu te amo Felipe. - Foram suas últimas palavras antes de dormir.
A noite passou rapidamente, como num piscar de olhos, pensa ela ao abrir os olhos pela manhã. Sente o abraço quente de Felipe, mas se frustra ao ver que não eram os braços de seu amado que a aquecia, mas sim seu velho lençol branco de sempre. Irritada, se descobre e se põe sentada a beirada da cama, com as mãos apoiadas nos joelhos e com a cabeça voltada para o chão, busca forças para se levantar e ir ao banheiro lavar o rosto.
- Ora, ora! O que houve para acordar tão cedo assim?... Outro pesadelo? ... Ou será que sonhou mais uma vez com certo príncipe? - Diz a voz com um tom debochado.
Com um leve sorriso surgindo em seu rosto, ela apoia as mãos no colchão, ergue a cabeça lentamente perguntando: - Não acha que é muito cedo pra me atormentar?
- Saudade de você. Não posso?
- Você está se saindo uma pessoa muito irônica e abusada.
- Você me fez assim. Vai me dizer que não gosta?
- Não deveria confessar esse tipo de coisa pra você, exatamente pra não ficar achando que está por cima de tudo, mas devo confessar que adoro esse teu jeito canastrão.
Maria se joga na cama, puxa o vestido branco para cima dos joelhos e diz: - Venha aqui meus olhos de mel, que ainda temos alguns minutos ao nosso favor.

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Maria
RandomQuando a promessa é quebrada e as consequências são extremas, tudo se caótico.