Uma alta e forte pigarreada chama a atenção de Maria enquanto passa no corredor, a ponto de cortar seu raciocínio sobre a conversa que tinha com Ana. Sobre do fato dela se sentir alguns anos mais jovem nesses quatro meses de contato direto com o seu filho. Sabia muito bem que a pigarreada tinha sido para chamar a atenção para alguma coisa ou de alguém. Ignora por alguns segundos, porém, outra ressoa insistentemente. Ao olhar, nota que o homem que está sentado num dos assentos de um conjunto de cadeiras de ferro de cor inox, era nada mais, nada menos, que seu maior fã.
Soltando os braços de Ana, ela com passadas ainda curtas, porém mais firmes, se lança em direção de seu admirador.
– Senhor Amadeu ou devo chamá-lo de senhor das pigarreadas? – Diz num tom crítico. – Acho tão deselegante saber meu nome e querer chamar minha atenção com grunhidos. Ainda mais vindo de uma pessoa tão culta e articulada como o senhor.
As mãos imperativas do nobre artista, assim chamado por Maria, transbordam ansiedade, estica e retrai numa constante, até que seu alvo fosse finalmente acertado.
Maria estica sua mão e assim que o cumprimenta, ele comenta:
– Desculpe-me a falta de artifícios minha musa, mas me senti intimidado, pela segurança de cenho franzido que a segue. Foi à única alternativa plausível que minha limitada mente me ofertou.
– Não tenha medo da faceta que ela imposta. Ela é minha nora, me faz companhia quando meu filho não está ou está trabalhando, como agora. A propósito, é você que tem um encontro com ele, nessa hora?
– Sim! – Exclama o homem, que a media com os olhos. – Vim falar com ele sobre as minhas pinturas, como de praxe. Mas porquê a pergunta minha musa?
– Ainda bem que foi pelo senhor que ele cortou a conversa comigo. Pois seus assuntos são sempre muito interessantes.
Pigarreando de volta, da mesma forma que Amadeu, Ana chama a atenção de Maria apontando para o relógio, como se a lembrasse que haviam coisas a serem feitas. Maria gentilmente se despede de Amadeu, que por sua vez insiste em segurar sua mão e num ato de coragem, contrariando sua persona, se aproxima e pergunta ao pé do ouvido, quando que ele terá a oportunidade de vê-la ao natural, como ela havia prometido. Com um arrepio, subindo pelas costas, devido ao suave hálito morno, que acaricia sutilmente sua orelha e parte do pescoço, dá um saltito para trás de susto, pela pergunta tão inesperada. Ana se aproxima rapidamente, o que a impede, dentro da discrição que o homem teve de verbalizar, de dar a resposta, a modo de ele ouvir. Levando sua mão sobre a dele, afaga, com uma piscadela, um sorriso malicioso e um aceno positivo de cabeça, praticamente respondia que o dia de cumprir a promessa estava próximo. Entendendo aquele flerte, ele liberta os dentes, antes cativos nos lábios, mas se retrai ao ver a larga segurança crescer ainda mais ao se aproximar. Senta-se e desvia o olhar até ouvir seu nome ser chamado. Rapidamente entra na sala, para fugir daquela sensação de perigo que sentia.
Maria sorri para a situação que está o amigo, enquanto começa a caminhar ao lado de Ana, pedindo para que a mesma tentasse ser mais simpática da próxima vez que encontrasse o pobre coitado. Ana curiosa, pergunta o que ele tinha dito aos seus ouvidos. Maria por sua vez se esquiva o quanto pode, enquanto busca uma pequena mentira coerente para poder ocultar o que foi lhe dito aos pés do ouvidos. Contudo Ana na sua curiosidade voraz atrapalha seu raciocínio, com tanta insistência.
– Ele vai viajar. – A primeira resposta que lhe veio em sua cabeça pressionada.
Sabendo que Ana não se daria por satisfeita, trata de complementar a mentira, dizendo que a viagem não seria permanente, somente de negócios. E só falou ao pé do ouvido para não gerar certa inveja em relação ao seu trabalho. – diz, tentando complementar aquela mentira tão fraca de embasamento, antevendo o que ela poderia argumentar. Mas, Ana dá os ombros e continua lhe fazendo companhia até a porta de seu quarto. Só quebra o silêncio para parabenizá-la, pela forma um pouco mais firme e dinâmica, com que subira as escadas. Maria agradece pela observação e atribui todo aquele pequeno fortalecimento ao amor de estar perto de seu filho.
Porém dentro de sua cabeça maquina a melhor de lhe dar com seu velho fã.
– Dona Maria. – chama Ana, com a mão esticada, aguardando que ela pegue os remédios. – Presa em seus pensamentos? – Pergunta ela.
– Sim. – Responde docilmente. – Pensando em mim quando era mais jovem.
Com um sorriso duvidoso, saltando de seu rosto, Ana oferece a água, para que os remédios possam descer melhor pela garganta. Ajeita os lençóis aos seus pés, recolhe seu material e se despede, enquanto observa Maria se recostar e cerrar os olhos lentamente.
Assim que a porta bate, seus olhos abrem, e a sala se revela escura, iluminada apenas pela luz do abajur, que cria sombras fantasmagóricas, para qualquer lugar que seus olhos apontem. Com um ar de satisfação, ela se ajeita se recosta na gelada cabeceira, coloca o travesseiro de pena de faisão em seu colo, calmamente pega um copo d'agua, que descansa em seu criado mudo e dá uma lenta, mas generosa golada, deixando o copo com a água em sua metade.
– “Quando vir à beleza de um céu nublado em uma noite sem estrela. Verás que o copo que jazia meio vazio. Agora quase se inunda de paz”. – recita em voz baixa, os versos que lera há tempos, no caderno de um amigo muito próximo. – ou seria de Felipe? – Se pergunta. Dá os ombros, quando percebe que não lembraria, porém a mensagem trouxe a esperança. Amadeu seria o seu copo cheio para o que pretendia. A oportunidade que veio no momento exato.
Maria está certa de que usando sua sedução mais uma vez e aproveitando que ele notadamente tinha uma queda por ela, determina que, mesmo velha e acabada, não seria uma missão difícil de cumprir. Levanta da cama vagarosamente, evitando qualquer possível ranger, que as molas possam trazer e pisando em ovos, segue em direção ao espelho do banheiro. Fecha a porta, que range, estala a cada centímetro vagaroso que se move e a cada pequeno barulho, fazia o temor de ser desmascarada, crescer vertiginosamente. O último estalo, foi da fechadura ao se encaixar no seu receptáculo. Prende a respiração por alguns segundos, pensa em olhar pela fechadura, mas as lembranças de um sonho ruim surge em sua cabeça, escolhe então usar da audição. Encosta o ouvido na porta, buscando um ruído qualquer que a fizesse voltar rápido. Solta o ar ao ver que está fora de perigo e finalmente se pôs a encarar o espelho.
Com frases autoafirmativas, tenta inflar seu ego, enquanto solta seus cabelos em busca do melhor penteado, que enalteça os pontos positivos em seu rosto. Esfrega a bochecha, estica o canto dos olhos na esperança de que algumas rugas, com medo da agressão sumam, porém a insistência delas era maior. Desiste de expulsar as rugas assim que um trunfo lhe cai no colo. Uma grande mecha de cabelos negros brilhantes surgia em meio à vasta e opaca cabeleira branca. – Este será meu trunfo. – Pensa. Enquanto a penteia com todo cuidado e a põe sobre a parte de seu rosto, que não considera tão agradável a outros olhos. Esfrega os lábios, na intenção de deixá-los mais vívidos, aperta os olhos, ensaiando um olhar enigmático. Ajeita os seios dentro do vestido, para deixá-los mais atrativos. – Apesar de anos, não acho que será difícil. Dizem que é como andar de bicicleta, a gente nunca esquece.
Maria, ao acabar seu ensaio, após apagar a luz do banheiro, abre a porta com o mesmo cuidado de antes, pois havia se passado aproximadamente quinze minutos que Ana tinha se retirado e possivelmente ela poderia estar ajustando os últimos detalhes, antes de se recolher. Caminha até a cama, onde se senta lentamente para evitar o ranger excessivo das molas. Passa a mão por debaixo da almofada, pega as pílulas que tinha escondido, enquanto Ana se distraiu ajeitando o lençol e fingiu engolir assim que levou o copo d’água a boca. – Tão ingênua. – sorri, enquanto leva às pílulas a boca. – Preciso estar descansada para amanhã. Com a cabeça cheia de pensamentos, só com a ajuda dos meus amiguinhos vou conseguir dormir.
Engole os remédios de uma só vez, sem precisar da ajuda de um copo d’água para suavizar a descida. Acomoda seu corpo na cama. Rola para um lado e outro, pelo incomodo na garganta que sentia por tomar os remédios a seco. Torna a sentar, para pegar um pouco d’água na garrafa sobre o criado mudo. – Agora sim! – Exclama enquanto torna a deitar.
Com o busto voltado para cima, contempla o balançar hipnótico da cortina, pendurada no alto da parede, provocada pelo vento que entra pela estreita abertura na grande janela redonda. Aquele movimento, iluminado apenas pela luz da lua, começa a empurrá-la para lembranças. – Lembranças ruins de um passado distante. – Diz ela e continua. – Saudade de vocês. – com os olhos marejados.
Lutando contra todas aquelas lembranças ruins que apareciam, busca no meio daquele turbilhão algo feliz para que pudesse se prender. Os olhos começam a pesar, os efeitos dos remédios começam a aparecer e o corpo é engolido pelo colchão a cada segundo que passa. O medo de ter um pesadelo daquele outra vez vem à tona. Porém no último instante, antes do colchão a engolir e a escuridão tomar conta de seus olhos. Ela consegue pinçar em sua mente uma terna lembrança de uma história que sua mãe havia lhe contado há muito tempo. Tempo esse em que ainda acreditava em contos de fadas, mas essa para ela, era como se fosse um, mas real.
– Meus pais se conheceram no mesmo dia que meus tios, mais ou menos, uma hora depois que meu tio Altair saiu da festa com a tia Débora.
Minha mãe contou que já estava se preparando para ir embora, tomando seu último copo de água no bar. Quando olhou para o lado, viu um rapaz bonito, bem arrumado, alto e forte, porém com a cara de poucos amigos. Sentado de frente para o bar a poucos metros dela, focado, olhava poucas vezes ao redor, mas toda vez que cruzava seu olhar com o dela, rapidamente desviava. A curiosidade de saber o que aquele homem fazia numa festa onde todos ao seu redor, riam, bebiam, dançavam e conversavam e ele alheio aquilo tudo, a fez mudar de ideia e decidir ficar um pouco mais.
Toda aquela seriedade caiu por terra quando o anfitrião se aproximou dele. Foram quase cinco minutos de conversa, onde a alegria saltava a vista e as gargalhadas competiam com a música, gestos longos e vivos, brindaram provavelmente ao promotor da festa. Mas assim que se despediu, tornou a se sentar e olhar novamente para as prateleiras do bar.
Minha mãe que iria embora, depois do banho de cerveja que tomou, por causa de um bêbado desastrado e um telefone de um tarado. Pediu mais uma dose de licor de amarula, enquanto tentava chamar sua atenção naquele meio segundo em que ele a olhava. Viu o ciclo se repetindo mais uma vez. Desta vez quem quebrou sua seriedade foi uma mulher, muito bem afeiçoada até onde minha mãe pode ver, pois parou de olhar assim ela sentou ao lado dele e ficou acariciando seu braço direito. – Já deu minha hora. – falou minha mãe, enquanto virava o resto de licor de uma só vez na boca. – Vou ao banheiro, porque a viagem é longa, vou me despedir dos meus amigos e ir pra casa, por que estou doida pra tirar esse salto. – pensava, enquanto ajeitava o cabelo.
Assim que se despediu de todos, olhou o relógio que marcava quatro e quarenta da manhã, olhou para o caminho de saída obrigatório, teria que passar uma pista de dança ainda cheia àquela hora da madrugada. Esbarrando forçadamente em todos, se espremia tentando passar, no meio das pessoas que dançavam ou se acumulavam em rodas no meio do salão. Ao passar por um grupo, levou um esbarrão que fez com que sua bolsa caísse. – Ainda bem que não estava aberta. – Disse ela. – Levantou-se um pouco irritada pelos empurrões que levava enquanto pegava a bolsa e pelas pisadas que sua bolsa levou, deixando suja com marcas de calçados.
Dois passos a frente dela, minha mãe não tinha reparado, que meu pai a olhava na esperança que ela o notasse. Irritada ela não notou sua presença e ainda o empurrou um pouco, para poder passar. Ele a segurou pelo braço, não querendo perder aquela oportunidade ou seu momento de coragem, mas minha mãe, com um puxão forte se livrou das mãos dele e virou com toda raiva que sentia. Ele com os braços levantados pedia calma e gesticulava algo que ela não entendia, devido ao barulho que os cercava. Sua raiva logo cessou ao reparar quem era e deixou que ele se aproximasse. Ao ouvir as palavras ao pé do ouvido, sentiu uma insegurança e um tremor em sua voz, mas aceitou seu convite para dançar. Só ali, notou que tocava uma música lenta. Segundo minha mãe, meu pai era tão suave dançando, que nem o cansaço daquela hora da madrugada a impediu de dançar por vários minutos.
Riscaram o salão por três músicas, sem trocarem umas palavras sequer, apesar de estar gostando do cheiro do seu perfume, que se sobressaía do cheiro de cigarro entranhado na blusa, aquele silêncio a estava deixando muito inquieta. Quando o DJ acabou a sequência e começou a falar, ele cafonamente. – palavras dela. – pegou sua mão e beijou, como forma de agradecimento pela dança. Logo depois se aproximou olhando dentro dos olhos. – graças a deus! Vamos conversar. – pensou ela. – Deu-lhe dois beijos se aproximando da boca, mas o terceiro foi certeiro. Minha mãe já previa isso, pensou até em desviar, mas como ela já estava interessada e o clima estava bom, se permitiu.
O beijo foi como daqueles de cinema. Colado, molhado. O gosto do licor de amarula se misturava com o gosto de menta, trazendo um sabor único e especial para o beijo. Foram os dois minutos mais demorados de nossa vida. – Dizia meu pai. – parecia que todos da festa e o mundo pararam para presenciar aquele momento. – completava. – Quando acabou, meu pai abriu um largo sorriso e se apresentou. – Prazer Jorge.
A voz fina era bem diferente, que aquela sussurrada em seu ouvido, mas era agradável. – Pensava minha mãe ao se apresentar. – Ângela.
Meu pai à pegou pela mão e a acompanhou até a porta, para longe do barulho, para que pudessem conversar melhor. Na porta, meu pai, como minha mãe disse, parecia uma metralhadora, pois não parava de falar um minuto sequer. Fazia as perguntas e as respondiam no mesmo instante. A ansiedade era visível, transpirava muito, enquanto minha mãe usava um leve casaco pra se proteger o vento gelado. Meu pai falava para mim, “que não era pra menos, já que o amor da vida dele havia surgido na sua frente”. Depois de alguns minutos falando sem parar, ele a oferece carona para levá-la para casa. Mas minha mãe, pelo fato dele ser naquele momento, um desconhecido, preferiu recusar, pedindo para deixar para outra ocasião. Meu pai entendeu e deu seu número de telefone, caso ela quisesse entrar em contato.
Enquanto aguardava o taxi da minha mãe, meu pai olhava para ela com tanto afeto, a tratava com tanto carinho e respeito, que minha mãe até estranhou. Pois homens nessas festas, só pensavam em tirar o máximo de proveito possível. Como dizia meu primo Felipe “usar o poder do tato”. Meu pai a segurava pela cintura, enquanto minha mãe laçava seu pescoço, dando beijos curtos enquanto o táxi não vinha.
Perderam alguns táxis propositalmente, mas quando o sol começou a aparecer no horizonte e o resto das pessoas saírem da festa, viram que era realmente a hora de partirem. Um beijo rápido e um pedido de ligação, antes da minha mãe entrar no carro e outro beijo com a promessa que iria ligar, antes do taxi partir.
Meu pai disse que ficou ali parado na beira da rua, vendo o carro sumir no horizonte, na esperança de ter um último aceno. Minha mãe, preocupada em não perder o telefone, acabou esquecendo-se de olhar para trás e quando lembrou já estava bem longe.
Os dias se passaram e meu pai, colado no telefone perdia as esperanças. – Eu e o meu jeito estranho de ser. Acabei assustando... Não era pra ser... Mas ela era tão linda. – Dizia ele entristecido. – Até que uma semana depois, às oito da manhã de sábado, seu telefone tocou. Sonolento e com a voz arrastada, só atendeu o telefone porque ele insistia em tocar. Despertou rapidamente ao ouvir a voz que esperava há tanto tempo, perguntando como ele estava e o convidando para a praia. Apesar de detestar acordar de manhã, nos finais de semana, aceitou o convite sem relutar. Memorizou as referências de onde ela estaria e desligou o telefone, na promessa que não demoraria a chegar. Sua ansiedade foi tão grande, que não deu tempo de ouvir que minha mãe levaria com ela mais duas pessoas.
O dia estava lindo, um céu azul que se perdia no horizonte, sem nenhuma nuvem que ameaçasse o imponente sol, que deixava tudo mais quente, dourando peles e deixando marcas. Uma sútil brisa fria que vinha do mar, refrescava os corpos que ficavam entre as faixas de areia e água. Morna a água do mar fazia a mediação entre os raios quentes e o ar frio, deixando tudo no mais perfeito equilíbrio. – Assim disse meu pai tentando poetizar aquele dia na praia que teve com a minha mãe. Que por sua vez ficou fritando os pés, no lugar marcado, embaixo do toldo de um quiosque, esperando pelo meu pai, por meia hora além do combinado. Até que o avistou vindo em sua direção, com um cooler grande de cor amarela, com alças brancas e uma bolsa térmica, toda lilás, a tiracolo. Se desculpando pelo atraso, justificando sua demora, pelo fato de ter que organizar as coisas às pressas antes de sair.
Minha mãe rindo da situação, ofereceu ajuda para carregar alguma coisa. Depois de muita resistência, meu pai cedeu à bolsa lilás a ela, que apesar do calor que fazia, percebeu que também estava quente.
– Tomei a liberdade de trazer algo pra gente comer e beber, se não se incomoda. – Dizia ele enquanto andavam pela areia.
– Sem problema nenhum. Eu até acho melhor. Mas confiável sabe?
– Bem. Como eu não sabia do que você iria gostar, trouxe um pouco de tudo...
Minha mãe olhou com uma cara tão curiosa e surpresa, que ele ficou meio sem jeito.
– Exagerei né?
– Não! Relaxa, vai ter gente pra comer. Você desligou tão rápido, que não deu tempo de te avisar que traria alguns amigos.
– Trouxe um cardápio bem eclético... Torradas, pastas, salgadinhos, sanduíche natural, sucos, cervejas, refrigerantes e vinho. Claro que tudo em pequenas porções.
– Então tá explicado, o peso dessa bolsa. – Disse minha mãe rindo enquanto ele tentava pegar de volta. – Só estou brincando. E outra coisa, não pense que sou o tipo de mulher que depende do homem pra tudo... Venha, eles estão ali. Apontou ela para um par de cadeiras de praia e um enorme guarda sol azul, inclinado a tal modo que se via parcialmente somente o corpo de Débora. Que logo se levantou ao ser chamada e correu em sua direção.
– Amiga esse é Jorge. Jorge essa é Débora.
Uma gargalhada ecoou por detrás do grande guarda sol, até que seu irmão Altair apareceu.
– Sempre assim, não muda.
– Vocês já se conhecem? – perguntou Débora.
– É claro minha luz. Nós somos irmãos. – respondeu Altair.
Enquanto Débora via maravilha naquela coincidência, minha mãe via a seriedade tomar conta do rosto do meu pai. Perguntou a ele se estava tudo bem. E logo assim que ele voltou à atenção para ela, o sorriso ressurgiu.
Conversaram muito sobre tudo naquele dia, horas entre os dois quando iam à água, hora entre os quatro, ou quando observavam meu tio, se gabando de terem se formado recentemente em engenharia e que abriram uma empresa de assessorias, construções e reformas.
– Estamos apenas começando. – Dizia meu pai. Apontando a dificuldade que era para arrumar clientes, sendo recém-formados.
Apesar do irmão do meu pai. Eles disseram que aquele dia de praia foi um dos melhores da sua vida. A partir dali as coisas foram ficando mais íntimas e sérias na medida em que o tempo passava. Namoraram por um ano. Onde no mesmo dia comemoraram a conquista do primeiro projeto residencial da empresa. Seis meses depois, com a morte da minha avó, que morreu de saudade do caçula, que havia se envolvido com coisas erradas, meu pai adiou seu pedido de noivado, pois minha mãe ficou arrasada com a dupla perda. – Foi difícil. – disse meu pai. – Nesse período, meu pai acabou indo morar com minha mãe para ficar mais próximo e poder ajudá-la da melhor forma possível.
Dois anos depois, assim que chegou do trabalho, sabendo que minha mãe chegaria um pouco mais tarde. Meu pai tirou todas as roupas deles dos armários, colocou nas malas, encaixotou tudo que era miudeza e largou no canto da sala.
Quando minha mãe chegou e acendeu a luz da sala, levou um susto, ao vê-lo de joelhos, mas logo percebeu do que se tratava. Meu pai a frente daquelas caixas, de joelhos, com uma aliança nas mãos, a pediu em casamento. Minha mãe com os olhos cheios de lágrimas, disse sim de imediato enquanto se ajoelhava a sua frente e o beijava.
– Venha, quero te fazer uma surpresa. – Disse o meu pai enquanto a puxava pela mão para fora de casa.
Minha mãe ainda atônita olhava para as malas, caixas empilhadas no canto da sala e se se perguntava o que era aquilo tudo. Mas não teve tempo de perguntar ao meu pai, porque ele não parava de falar um minuto sequer para que ela aguardasse o momento, que tudo se explicaria por si.
Depois de meia hora rodando de carro meu pai finalmente parou na calçada e pediu para que ela saísse. Um restaurante chique e provavelmente muito caro crescia a sua frente. Quando ela com o máximo de delicadeza possível tentava explicar que não estava vestida adequadamente para jantar naquele lugar. Ele a interrompeu, deu um molho chaves e disse: – Nosso novo ninho de amor.
Olhando um pouco mais para a esquerda, minha mãe pode ver um conjunto de quatro edifícios, com cinco andares cada um, com a fachada de mármore, recém-inaugurados.
– Seu maluco! . – exclamou minha mãe. – como? ... Minha nossa! ... É lindo!... Minha mãe beijava e abraçava meu pai de felicidade. Enquanto meu pai a convidava para ver o interior do apartamento. – E se eu tivesse dito não? Perguntou minha mãe.
– Amor. Essa é a única certeza que eu tive na vida... A do seu sim.
– Convencido você! Mas você tá certo. Nunca te diria não.
Ali foi a primeira casa que eles moraram. Uns cinco anos depois, com a explosão dos negócios, minha mãe ficou grávida de mim e só aí que vieram morar aqui nessa casa enorme.
– O restante da história vocês já sabem né, minhas crianças? Agora deixa a vovó se arrumar, que vou descer para almoçar e encontrar com o seu pai. – O quê? Mais histórias? ... Agora não dá minha lindas, tenho compromisso... Olha! Não me irritem senão... Sabe de uma coisa, vou deixar vocês aí e depois a Ana leva vocês. Até mais. – diz Maria batendo a porta do banheiro.
Cinco minutos depois, volta e as coloca de castigo, com os rostos voltados para a parede, dizendo que só sairiam dali quando Ana chegasse. Enquanto saía do quarto em direção ao salão principal.
– Estão ficando muito mal educadas, tenho que falar com a Ana e meu filho sobre isso. Querem tudo na hora.
Ao sair do quarto, Maria se apoia por um momento no parapeito, olha a sua esquerda dando um tímido sorriso e logo depois ao avistar Ana no térreo, acena para que ela venha em sua direção, enquanto desce a escada. Se encontram no meio do caminho e Maria pede para que ela assim que a deixasse na mesa do café da manhã, que levasse suas filhas, pois não as queria mais em seu quarto.

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Maria
RandomQuando a promessa é quebrada e as consequências são extremas, tudo se caótico.