D O Z E

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Como era a sensação que eu sentia ao sair todos os dias da cama com um propósito? Utilidade? Já nem sei mais o significado da palavra.

No início, imaginei que fosse apenas como as coisas eram. Quando se é demitido, fica bem difícil se reinserir no mercado de trabalho. Pelo menos foi isso que li no artigo de uma revista sobre negócios enquanto a folheava em uma banca, decidindo se eu compraria ou teria a cara de pau de devolvê-la depois de ler todo o trabalho de alguém de graça. Mas as coisas não têm sido... naturais.

— Certo. Entraremos em contato com você logo. — o sorriso amarelo me diz tudo que preciso saber.

Depois de um certo tempo, aprendi a ler os entrevistadores com facilidade. Parece que as pessoas não sabem esconder suas insatisfações ou divergências com os candidatos. Isso se dá por um olhar cansado, um sorriso forçado ou um semblante de tédio, mas com o tempo, até mesmo o cruzar de braços te diz o suficiente sobre aquela entrevista.

Volte para casa, não perca seu tempo.

Empurro a porta principal de mais uma editora pequena. Frustrada, suja e cansada. É como se uma urucubaca das brabas tivesse pegado nas minhas costas e simplesmente decidido que eu não conseguiria mais emprego em Portland. Seis malditos meses e nenhuma contratação. Com um currículo que possui experiência e graduação. O que mais essas pessoas querem de mim?

O celular vibra na minha mão e o nome de Ash pisca. Atendo no primeiro toque.

— Já saiu? Temos compromisso. — diz.

— Eu tinha esquecido completamente. Que droga. — esfrego minhas têmporas.

— Pede um Lyft, eu pago aqui. — disse. — Estou na frente da joalheria.

— Ok.— desligo.

Duas semanas atrás Trevor decidiu que proporia a Lena casamento. Sim, casamento. Nove meses de namoro para mim é muito pouco para decidir algo assim, mas quem sou eu para dizer o que eles deveriam ou não decidir? Obviamente, minha amiga não sabe, mas Trevor não tem tempo de pegar a peça que escolheu sem fazer Lena desconfiar, e eu não tenho nada demais para fazer. Agora eu e Ash ficamos encarregados disso, e por mais que eu não concorde cem por cento com a rapidez, fico feliz que me incluíram nisso.

Há três meses estou dividindo apartamento com Lena. Depois de racionar cada centavo e pacote de comida na minha despensa, me vi sem nada e completamente zerada. Foi quando Lena me intimou a ficar em seu apartamento. Ou era sua casa, ou a rua. Não sou idiota para ter dito não, então simplesmente me dei por derrotada e vendi a maioria dos meus móveis, deixando apenas o que eu precisava para ficar no quarto. Fiz grana o suficiente para me manter por mais algum tempo, mas não é como se fosse durar. Não com Rodrick cobrando a dívida do meu pai todos os meses sem parar.

Por mais que eu seja grata por tudo que Lena e os meninos vem fazendo por mim, é frustrante me sentir inútil. Eu tomo conta da minha própria vida desde que meu pai morreu, e sempre me senti orgulhosa disso. Estar na casa de Lena é ótimo, mas é como ser uma peça sobrando em um quebra-cabeças já completo.

E não há no mundo sensação pior do que a de não fazer parte.

— Chegamos, senhorita. — a voz do motorista me desperta. Eu nem sequer notei que havia entrado no carro, o perigo que corro por pensar demais e não prestar atenção nas coisas.

Olho pelo vidro e Ash está encarando a tela do celular, curioso com algo. Imagino que seja algum novo rolo. Ash Sink é uma máquina de beijar bocas, descobri que não só de mulheres há alguns meses.

Abro a porta do carro, avisando ao motorista que quem vai pagar é o loiro. O rapaz buzina, talvez pelo medo de eu apenas sair sem pagar. Ash olha para o carro e sorri ao me avistar em pé, ao lado da porta aberta. Ele guarda o telefone no bolso de seus jeans e olha para os dois lados antes de atravessar.

O Conto de Alicia (Repostagem Revisada)Onde histórias criam vida. Descubra agora