V I N T E E T R Ê S

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Aperto o casaco contra meus braços e encaro o asfalto frio, a névoa toma a rua e a cara do bairro, que pela manhã já não é lá essas coisas, se torna mais tenebrosa do que o normal.

Lágrimas descem sobre minhas bochechas. Não há espaço para nada além de desespero dentro do meu peito, e sei que isso não deveria acontecer com ninguém.

É assim que Alex se certifica de controlar as pessoas à sua volta, talvez seja esse o motivo de Oliver não ter me contado toda a verdade de cara. Mesmo que isso não me faça o odiar menos, faz entender.

O frio me faz lembrar de quando eu era mais nova, talvez nove ou dez anos. Meu pai estava bêbado e eu o irritei por não fazer a comida, mesmo que não houvesse o que cozinhar.

Naquela noite eu dormi no sótão, com as janelas abertas e o frio congelante da noite queimando minhas extremidades.

Sacudo a cabeça, tentando afastar as lembranças com as quais eu não quero ter que lidar nunca mais. O sofrimento que passei foi doloroso a ponto de eu só me lembrar da minha infância a partir dos nove anos. Antes disso é como fumaça para mim.

Encaro o ponto de ônibus e rezo para que algum passe, que me tire daqui e me leve para algum lugar menos intimidante como o centro. Eu sei me defender, mas homens são nojentos e gostam de atacar em grupo. Não estou disposta a testar minhas habilidades estando fraca e fora de forma por não ter me exercitado no último mês.

Em poucos minutos o veículo nada glamouroso como nos filmes desponta no fim da rua, os barulhos metálicos que saem de suas rodas me fazem questionar se eu realmente deveria tentar entrar numa máquina mortal como aquela, mas não é como se houvesse outra opção.

Subo e procuro um assento com facilidade para a porta. Não é nada difícil ser assaltada em um ônibus pela madrugada em um bairro ermo. Abraço meus braços e encosto a cabeça no vidro, me perguntando o que farei a partir daqui.

***

— Senhorita — sinto o cutucar de dedos frios e abro os olhos de maneira alarmada. O homem de cabelos brancos e bigode engraçado me encara. Está claro lá fora. — Precisa descer. Rodamos toda a rota três vezes, como a senhorita não acordou, não a incomodei.

— Não tenho para onde ir. — Sou sincera.

— Sei reconhecer uma mulher desesperada, imaginei que fosse esse seu caso. Precisa que eu a leve até a delegacia?

Balanço a cabeça, negando com firmeza. Polícia não é uma opção para homens como Alex Pearson.

— Onde estamos? — desconverso, encarando o redor.

— Westminster. Perto do London Eye. — ele aponta para a janela da esquerda.

Me levanto da cadeira e ajeito meus cabelos, que imagino estarem parecendo um ninho. Encaro o senhor e uma idéia nada ortodoxa aparece em minha mente.

— É contra a lei o que o senhor fez esta noite?

— O que? Levá-la por toda a rota noturna? Não mesmo. Não podemos expulsar mulheres que pagam seus passes. A lei as protege de ficarem nas ruas sozinhas até tarde.

— Então se pudesse passar todas as noites assim, não poderia me expulsar? — sorrio.

— Tecnicamente, não. Porém, não pode ter uma casa por aqui. É um ônibus, minha querida.

Sorrio do Minha Querida. Parece ser algo muito comum de ser dito entre os britânicos.

— Não será por muito tempo, senhor.

— Não colocando um varal entre o corredor, é livre para ficar.

— A que horas essa linha se inicia?

O Conto de Alicia (Repostagem Revisada)Onde histórias criam vida. Descubra agora