O DESPERTAR DO LIVRO

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 ATO 1: O DESPERTAR DO LIVRO

Andava tendo sonhos peculiares. Desde que completará dezenove anos, nada além de sonhos preenchiam sua cabeça nas noites súbitas de sono. A brisa fria beijava seu rosto, sentindo os dedos se embrulharem com a grama em que pisava. Pareciam lembranças — não apenas um lugar criado por seu subconsciente, mas memórias. O canto dos pássaros zunia bem de longe, sentindo o ar entrar e sair de forma lenta pelo nariz.

Um grito agonizante fez com que tapasse as orelhas com as mãos, de forma desesperada, tentando abafar.

Abriu os olhos em um grito.

Deu espasmos sob a cadeira escolar. A vista embaçada e duplicada logo se endireitou e pode ver os olhares horrorizados de seus colegas de classe, além de enxergar um semblante irritado da docente à frente da sala.

— Não tem dormido a noite, senhorita? — perguntou a docente, de forma retórica. — Sugiro que preste atenção. Suas notas não têm sido as melhores da minha matéria, então é melhor se concentrar, ou não passará de ano.

Se envergonhou com as risadas baixas de seus colegas ao redor, fazendo-a se esconder entre seu caderno. Apesar de estar suando, sentia a pele dos dedos das mãos frias, como se a brisa do sonho tivesse resfriado as pontas dos dedos.

Queria entender alguma coisa na qual estava no quadro, mas tudo que conseguia compreender, era o sinal de mais e menos. Odiava qualquer matéria escolar com toda sua forma. Se esforçava nas que dava para se esforçar, entretanto, sempre tinha uma ou duas na qual tinha dificuldade extrema e nem seu maior esforço conseguia mudar isso.

Segurou seu lápis, e com um suspiro doloroso, folheou as páginas na busca de uma vazia, na qual usaria para desenhar. Deslizou o lápis na superfície macia, traçando tudo o que conseguia lembrar do sonho de agora pouco.

Sempre o mesmo.

A brisa no cabelo — os olhos pregados, sem conseguir ver o que estava a sua volta —, dos pássaros ao longe, das árvores e seus assobios pelos ventos e principalmente a grama sorrateira que estava entre seus dedos dos pés. Desenhou várias vezes o mesmo cenário, sendo que nunca o viu.

Mais um suspiro, e então, os traços viraram um esboço de rosto. Os olhos frios, como a brisa fria do sonho. A expressão tão sombria quanto. Havia beleza, mas também havia tristeza e dor. Sentia uma onda de calor, enquanto as mãos ficavam sempre frias, terminava o desenho. Era um rapaz, de aparência jovem, com covinhas e cabelos que batiam com os fios bagunçados no canto dos olhos.

Era peculiar, era familiar.

O sinal do fim da aula soou no rádio do colégio e com o faltar da pressa, olhou os colegas guardarem os materiais e saírem às pressas. Quando enfim se tornou a única na sala, então guardou seu material e levantou-se, colocando a mochila um tanto pesada em suas costas.

Assustou com a repentina brisa grosseira que atingiu a janela, dando sinal de uma tempestade mais tarde. Os corvos e pássaros soaram alto e galhos pequenos atingiram a janela com a ventania.

Tinha uma péssima sensação. Engoliu em seco e pegou o caderno em mãos, abraçando contra o peitoral. A movimentação dos corredores era absurda de alunos no fim do período e começo do outro. Sentia-se em uma lata de sardinha, não pior do que sentia no ônibus. Às vezes agradecia por morar em um bairro onde a maioria era tão velha que nem saia de casa, então não lotava tanto o transporte.

Se espremeu entre os corpos para alcançar a saída. Quando enfim saiu, decidiu que antes de voltar para casa, iria à livraria buscar algo novo e longo para ler.

The Book Of DevilOnde histórias criam vida. Descubra agora