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Permaneceu quieta. Sentia o corpo suar e sua mão arder tanto a ponto de sua cabeça latejar. A respiração de San continuava quente rente a sua orelha. Não conseguia ouvir absolutamente nada. Se não, claro, para o pequeno ruído que sua orelha captou. Vinha da parte de baixo, era quase que silencioso demais. O céu estava escurecendo rápido, iniciando o anoitecer.

Talvez fosse sua mãe. Puxou a mão de San para tentar falar alguma coisa. Mesmo com a força que ele tinha, cedeu, fazendo-a virar para ele o mais rápido possível.

— Tem uma chance de ser minha mãe. Nunca sei quando ela pode chegar, sempre é bem imprevisível, devido ao trabalho dela. — Não era mentira, sua mãe poderia achar que estava dormindo e resolveu fazer pouco barulho.

San negou com a cabeça, aproximou-se da porta e fechou os olhos, suspirando ao sentir o cheiro no ar.

— Não. Isso não é cheiro de humano. É cheiro de metade sangue e de um ser celestial — disse ele com uma voz um tanto falha. A dor na mão passou a piorar, segurou-a com a outra, tentando amenizar. Sua cabeça estava um turbilhão. — Eu vou verificar, então fique aqui e ache um lugar seguro para se esconder. Não abra a porta, nem a janela. Eu volto logo.

O corpo tencionou, a atmosfera estava muito séria. Se afastou para trás, tentando pensar em algum esconderijo. Andou até o guarda-roupa e com um pouco de força empurrou-o um tanto para o lado. A mão latejou e a última coisa que ouviu foi a porta do quarto ser fechada com delicadeza, antes de rastejar para trás do esconderijo.

Um ruído fez com que paralisasse no lugar. Agarrou as próprias pernas quando o barulho de unha rangeu na janela. O som estridente parou, e o grunhido desconhecido sessou por um segundo. Estava tremendo, esperando qualquer ruído.

Engoliu em seco.

Sua janela foi aberta.

San disse que o cheiro não era de humano e fez com que ela tentasse imaginar o que era aquela coisa que estava rastejando para dentro de seu quarto. Segurou um grunhido quando o chão estremeceu assim que a criatura pisou. Olhava pela fresta do guarda-roupa, sentindo dor nas pontas dos joelhos — devido a maneira como estava apertada, raspava as pontas na madeira, machucando grande parte —, tampou a boca.

Era uma criatura medonha, sem uma forma física concentrada. Era esbranquiçada, parecendo carne viva, com algumas partes roxeadas. Tinha asas longas e unhas podres e muito grandes. A fumaça saia pela sua boca, que parecia pertencer a uma cabeça na qual não era a sua.

A criatura babava pelo canto da boca, com os olhos brancos, cheirava buscando a sua presa. Ele rastejava, empurrando e derrubando tudo o que estava na sua frente. Sabia que estava atrás de si, mas nada poderia fazer se não apenas tapar a boca com sua mão que estava latejando de dor. Tudo o que precisava fazer era esperar que San voltasse o mais rápido possível.

Fechou os olhos quando o ouviu derrubar o abajur de sua escrivaninha. Não saberia quanto tempo poderia suportar com a dor, com a vontade de gritar. Precisava do silêncio.

Foi quando a asa daquele maldito animal bateu na estante que ficava ao lado do guarda-roupa, e um frasco de desodorante caiu e rolou, a prateleira inclinou-se para o lado e o desodorante se lançou em cima da garota.

Talvez azar. Quando o frasco bateu em sua cabeça, não conseguiu segurar o pequeno grunhido de dor, que fez o silêncio tomar conta do quarto. Ouvindo apenas a baba grotesca cair e se espalhar no chão.

A criatura ficou imóvel.

Estava um silêncio ensurdecedor. Inclinou a cabeça para frente, tentando pensar no que faria se fosse encontrada. E foi quando uma luz refletia em seus olhos, de algum objeto brilhante. A mão do pacto doeu e a olhou. A palma, parecia que tinha uma cicatriz ali. Não, sempre teve aquela cicatriz, não sabia o motivo da dor agoniante que estava sentindo. Tentou deixar de lado e inclinar o corpo para o lado e pegar o objeto embaixo do guarda-roupa.

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