Capítulo 1 - A maior das inspirações chega tardiamente

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Era mais uma noite que Diana passava em claro. Ela tinha tentado formular diversas cartas para Jerry, mas não conseguia chegar em nenhuma que expressasse tudo o que sentia, desde o seu arrependimento profundo até o seu desejo enorme de rever aqueles olhos negros e curiosos que roubara seu ar.

Ela sentia falta de falar francês com ele, já que o inglês do jovem era o suficiente apenas para pequenos diálogos e negociações. Sentia falta da sensação de enjoo quando ia para a casa de Anne e avistava de longe aquela figura esguia próxima à cerca. Por que será que ele sempre estava próximo a cerca todas as tardes? Será que era um maldito sinal desde sempre e ela demorou tanto para entender?

O dia estava perto de raiar mais uma vez, Anne dormia o sono dos justos e provavelmente estava sonhando com Gilbert mais uma noite já que o jovem parecia tão romântico quanto ela. "Ao menos alguém nesse quarto deve ter uma vida tranquila", pensou sentindo uma pontada de inveja culpada.

A única coisa que voltara a guiar Diana nos últimos dias era a proximidade das provas semestrais de Queens. Ela precisava se sair bem ou estaria fadada a retornar para Avonlea e viver a tal vida que os pais desejavam para ela: sem curso superior, casada com um cara casualmente apresentado pelo pai, vivendo em uma casa próxima e cheia de rebentos ao redor.

Como estava determinada a não seguir nenhum trecho desse roteiro, a jovem pôs-se de pé, foi ao banheiro do outro lado do corredor, tirou todos os grampos e lenços que prendiam seu cabelo, deixou seus cachos negros caírem e emoldurarem o seu rosto redondo e corado. Lavou o rosto cuidadosamente e avaliou a sua aparência: apesar do rosto ainda corado, estava levemente mais magra e olhos apáticos. Se a sua mãe a visse nesse estado, seria obrigada a voltar para casa.

Sacudindo todos os pensamentos ruins, retornou ao quarto e acendeu o seu pequeno candeeiro com a luz baixa e se sentou em sua mesa de estudos. Tornou a se debruçar aos estudos literários e tinha que reler Frankenstein para a prova da semana seguinte e que maldição era ter que ler justo aquele livro e todas as recordações que ele carregava: os dias em que Jerry a acompanhara no caminho de volta da escola até em casa, quando ele lhe apresentara o livro que tanto se esforçava para ler entre as horas de trabalho na fazenda para tentar melhorar o seu inglês, todas as vezes que ela folheou o livro que ele tinha emprestado e imaginava o toque de sua mão macia.

Enquanto lia as notas de trechos destacados nas aulas das últimas semanas, alguns trechos pareciam saltar sob os seus olhos, como se estivessem escritos em letras garrafais. "O que pode deter o coração determinado e a vontade decidida do homem?" dizia um deles. Na página seguinte, lá no finalzinho, tinha: "Quantas coisas não descobriríamos se a covardia e o descuido não contivessem nossos questionamentos?"

Respirando mais alto do que deveria, bateu com as folhas na mesa e fechou os livros num baque. Tantos barulhos seguidos despertaram o sono de pedra de Anne, que se sentou na cama com os olhos ainda meio grudados de sono.

- Que horas são? – questionou a ruiva enquanto ainda tentava ajustar sua visão.

- Algo entre quatro e cinco da madrugada – respondeu – Desculpa pelo barulho.

- Tudo bem. O que houve?

- Nada. Estou estudando Frankstein e perdi a paciência. Muitas coisas para lembrar. – respondeu ambiguamente, mexendo com a ponta das folhas que estivera analisando mais cedo.

- Todos os dias na última semana você tem estudado de madrugada. Pode achar que eu tenho sono de pedra e eu realmente tenho, mas estou me preocupando com você, quase não tem dormido e vive dizendo que está estudando. Nós não estamos estudando juntas todos os dias a tarde? Ora Diana, sua memória é tão eficaz desde sempre. Não é possível.

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