QUARTA

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eu estava há vários dias sem ficar realmente chapada.

embora eu tivesse fumando com rafael em curitiba, como ele aperta o beck com tabaco, eu fico sempre com medo de me dar uma crise de tosse. e, nesse momento, isso me desencadear uma crise de choro sem fim. acho que por isso aqueles baseados não estavam me dando muita onda. ou pelo menos não tavam me dando uma onda de verdade.

na segunda feira eu precisei tomar meu óleo - algo que eu também não fazia há vários dias - e ele logo me fez dormir. eu não senti a onda também.

e ai ontem eu vim pra casa do meu irmão.
precisava ficar com ele e barbara.
precisava me sentir calma. estava impossível ser eu durante todo o dia.
toda a culpa. todo o auto-flagelo. tudo que eu me odeio.

cheguei aqui e meu irmão apertou um baseado pra gente.
conversamos, fumamos, rimos. viajamos.
com eles eu posso falar tudo. com eles eu me sinto em casa.
eu compartilhei meus medos, minhas angústias.
e de alguma maneira, só por poder compartilhar, eu me senti um pouco melhor e um pouco mais segura.

então hoje eu liguei de novo pro meu melhor amigo.
mostrei esse diário pra ele.
era a única forma que eu conhecia de fazê-lo entender os meus sentimentos, minhas razões.

mas o tiro me saiu pela culatra.
foi a pior de todas as minhas ideias.
ele disse que eu sou uma péssima pessoa. que eu só penso em mim. que eu tenho sido horrível pro dudu e que se ele puder, o conselho que ele vai dar pro dudu, é que ele se afaste de mim.
ele disse que ele não pode ser meu amigo agora. que agora ele precisa ser amigo do dudu.

que bom que ele quer ser amigo do dudu.
mas será que a gente consegue ser amigo quando a gente faz as coisas olhando exclusivamente sobre a nossa ótica e mede tudo exclusivamente pela nossa régua?
eu também não quero ser amiga dele agora.

não porque eu precise de alguém passando a mão na minha cabeça.
mas porque eu preciso de alguém que me ajude nesse processo.
e ele fala de um jeito tão incisivo, tão decidido, como se apenas o que ele acredita seja capaz de ser real, que não ajuda em nada.
ele não consegue ser claro. fica falando as coisas de forma desconexa e passivo agressiva.
anda em círculos, não chega a lugar nenhum.
mas julga.
julga. julga.
julga tudo aquilo que ele não consegue fazer.
julga tudo aquilo que ele reconhece em mim e nele.

eu fiquei muito muito mal com essa conversa.
ela acabou de partir os últimos pedaços do meu coração que ainda estavam colados.
eu sinto que eu perdi todos os caras que eu gosto na vida e o meu melhor amigo de lambuja nesse processo.
que eu vou precisar mesmo recomeçar do zero.

a conversa me fez esse mal todo não porque ele me disse verdades duras de engolir.
isso eu já venho ouvindo todo dia de todo mundo - e por pior que seja, eu estou tentando aprender com isso.
as coisas que minha mãe, meu irmão, minha cunhada e meus amigos me dizem são duras. muitas vezes são muito duras. mas eu sinto que o objetivo é sempre que eu me machuque menos.

ele não. ele não tá tentando me ensinar nada. ele sente um prazer cruel em ser mau comigo.
como se ele fosse o grande inquisidor.
como se ele fosse o rei da moral e dos bons costumes e tivesse o direito de me fazer sentir assim.

eu intimamente acho que ele tem as sujeiras dele e que ele as vê em mim. e as rechaça.
e essa rejeição que ele criou a mim é a rejeição a tudo que está também no íntimo dele.
são as inseguranças dele, desenhadas em forma dos meus erros.

tudo bem.
eu vou dar tempo ao tempo.
meu medo agora é que quando o dudu chegar do meio do mato é pra casa dele que ele vai.
é pro colo dele que ele vai correr pra pedir conselhos.
e eu tenho certeza que ele não vai encontrar uma só qualidade em mim pra lembrar ao dudu com quem ele se casou, com quem ele esteve nesses últimos nove anos.

EU NÃO TO ENTENDO NADA.
que caralhos ta acontecendo?
ele não era o MEU melhor amigo?
porra.
quando foi que ele se encheu de ódio por quem eu sou?
o que mudou em mim? o que mudou nele?

ele contou pro meu marido sobre as minhas traições.
sem o meu consentimento.
quando eu o pedi, expressamente, pra não o fazer.
eu entendi os motivos, segui em frente sem nem fazer disso uma questão.
sem sequer brigar ou me afastar ou mudar uma gota que fosse com ele.

mas isso que ele está fazendo agora me assusta ainda mais.
porque eu tenho muito medo de como isso pode influir no dudu.
porque eu to longe. e longe a gente não consegue se fazer entender da mesma maneira.
a comunicação é truncada. esquisita.

e a gente já vem de uma bagunça gigantesca.
eu tenho muito medo de como a opinião dele pode ser nociva.
tudo que eu quero agora é que o dudu não volte direto pra casa dele.
mas mafe tá lá em casa, com a mãe e a tia, e eu duvido que o dudu queira voltar pra nossa casa, no meio desse turbilhão, pra ter que fazer sala pra alguém.

a única coisa que eu quero agora é voltar logo pra miami, salvar meu casamento, ficar com ele pra sempre. provar pro dudu o quanto eu o amo.
a única coisa que eu preciso é provar pra ele que eu errei, muito, mas que eu vou mudar, e eu vou, junto com ele, se ele puder e quiser, reencontrar um caminho pra gente.

porquê eu comecei falando da maconha? ah, porque depois dessa briga, meu irmão apertou um baseado e eu pela primeira vez em muitos dias me vi mesmo chapada.
e parece que isso me abriu a cabeça de uma forma insana.
parece que me caiu a ficha que eu to deixando o dudu me escapar por entre os dedos.
e que isso é tudo, absolutamente tudo, que eu não quero e não posso.

ter vivido essas outras relações, rafa, roberto, me fez perceber que eu posso sim me envolver com outras pessoas e ter relações novas e gostosas, e que a liberdade de poder fazer tudo isso é exatamente o que me dá a certeza que eu quero o dia a dia com dudu.

eu quero dormir e acordar do lado dele, passear pastrami, mudar pra uma van, me desconectar do mundo - e sermos só nós dois.

e pensar que só quando eu fui tão a fundo em tudo de mais sujo e mais íntimo de mim, que eu fui capaz de perceber que a única coisa que eu quero de verdade é a vida calma com ele. do lado dele, com todo o amor do mundo.

e pensar que eu vou ter que esperar até sexta feira para conversar com ele...
e que depois ainda terei mais uma semana até eu poder vê-lo...
tudo que eu queria agora era pegar um avião, e ir buscar o dudu em ginnie springs.

***

antes de dormir, liguei pra gigia.
meu pedacinho de porto seguro no meio da loucura de londres.
meu poço de sanidade e insanidade.
minha amiga amada, confidente, minha amiga de alma.

eu quase não precisei falar nada.
eu quase não consegui falar nada.
mas ela entendeu tudo.
ela sabe quem eu sou.
ela conhece o meu coração.

ela leu meu diário e não me achou uma péssima pessoa.
indigna.
má.

muito pelo contrário.
ela me mostrou caminhos, pra eu estar em paz com quem eu sou.
assumir meus bichos.

não era isso que o dudu tinha me pedido?
não é isso que eu to aqui fazendo?
não é exatamente isso que eu venho expurgando, dia a dia, letra a letra?

nessa conversa eu reavaliei muitas coisas.
ela me perguntou até aonde eu to disposta a ir pra continuar com dudu?

"eu to disposta a absolutamente qualquer coisa. se eu tiver que esquecer tudo isso e reprimir tudo isso em mim outra vez, tudo bem. por ele, vale a pena."

***

hoje eu não falei com dudu.
não escrevi. sequer tentei mandar mensagem.
abri e fechei a porra do whatsapp tantas vezes.
mas resisti.

ele pediu o espaço.
eu preciso fazer o que ele me pediu.

diários de adultério, um romance de luisa acostaOnde histórias criam vida. Descubra agora