DUDU

540 31 12
                                    

quando eu falei que queria ver o gab, ele na hora me olhou assustado. desfez o sorriso. franziu a testa. e disse: 'claro'.

virou as costas e foi pro banheiro.

imediatamente ele voltou. "luisa, eu não tô entendendo nada. você não disse que não tinha mais nada rolando entre vocês?"
sim, dudu. não tinha. mas aí ele me mandou mensagem. a gente conversou. e agora tem. e eu fiquei com vontade. tudo bem por você?

ele pausou, arfou e disse tudo bem.
mas a verdade é que não ficou nada bem.

ele saiu na mesma hora pra passear o pastrami, só que ao invés dos 15, 20 minutos habituais, ele ficou mais de uma hora fora. e o pior, saiu sem celular.
quando ele apareceu, finalmente, disse que tinha ido até o parque e se enfiou direto no escritório pra trabalhar.
fui lá uma vez, dar um beijinho, e ele não correspondeu. levei um sanduíche e um suco de manga, na bandeja, com afeto e com vontade de conversar, ele não me deu a menor bola. da terceira vez eu perguntei, com todas as letras, o que tava acontecendo, e se era por causa de gabriel que ele tava daquele jeito.

se fosse só esse o problema, era fácil de resolver. eu dizia pro gab que não ia encontrar com ele, e deu. mas eu precisava ter certeza que essa era a questão.

só que dudu é cabeça dura. ele tava claramente contrariado e insistindo:
"vai, luisa. vai. faz o que você tem que fazer".

de tanto pedir, eu consegui tirar dele algumas verdades:
"é muito confuso pra mim tudo isso, luisa. quando você me contou toda a história você já estava com ele há um tempo. eu achei tudo muito pesado. eram muitos encontros, quase todo dia, no meio da tarde, num momento em que a gente estava super bem, se namorando, transando mais de uma vez por semana. isso não é só sexo. você ficou apaixonada! e se você está apaixonada, o que que é isso aqui?!", ele me perguntou, falando alto, apontando pro próprio peito.

o duro era perceber que na verdade o dudu não tava conseguindo entender onde ele cabia nessa história, quando na verdade ele é a minha história.

ouvir aquilo tudo dele me desesperou.
muitas vezes o que eu sinto parece tão difícil de explicar.
sim, era sim porque eu me apaixonei.
mas eu sempre me apaixono.
não faz o menor sentido viver alguma coisa com alguém se for sem paixão.

nelson rodrigues já não dizia que sem paixão não se chupa nem um picolé?!
imagina um pau?!
pra que caralhos eu ia me dar ao trabalho de conhecer alguém, me abrir pra alguém, me desnudar das coisas todas que geram julgamentos, críticas e dedos apontados se não fosse pra me apaixonar?

só que paixão é bom por isso. porque dá e passa. porque são vontades do momento.
é aquela necessidade de viver, de se extasiar, de se jogar de cabeça numa poça d'água.

de início é uma delícia. é um banho gelado num dia quente.
é beber de um gole só uma lata de coca cola.
é sentir tudo e muito. borboletas, cócegas, cabeça a mil. é sentir o sexo molhado, o corpo quente, a alma ardente.

só que o tempo passa.
o sentimento de novidade, de descoberta, ele passa também.
o que ficam são as memórias. as experiências gostosas. os sorrisos. as vivências.
fica aquela sensação de nostalgia leve.
que quando bate à porta transporta a gente pra uma viagem de férias.

uma paixão só vale se ela tem gosto de final de tarde de verão. uma hora o sol se põe; a gente aplaude, celebra, leva na gente, na memória. mas espera ansiosamente pelo próximo. torcendo pra ser ainda mais bonito, e mais solar.

e é por isso que eu saio com outras pessoas.
pra me encantar.
pra viver uma coisa diferente. pra aprender uma coisa nova.
pra trocar experiência.
pra me apaixonar.
pra amar.

mas tem hora pra acabar.

depois de me apaixonar, e me envolver, eu volto pra minha vida. pra minha casa. pra minha certeza. pra quem eu prometi passar a vida toda do lado, de mãos dadas.
eu sempre volto para celebrar as coisas de verdade com dudu.
e é engraçado porque durante todos os anos que estivemos juntos, todas as vezes que eu estive com outra pessoa e foi especialmente bom, eu quis muito contar pra ele.
eu desejei poder dividir com a minha pessoa favorita do mundo aquele sentimento bom.
mas eu não podia. eu não conseguia. eu tinha medo. ou sei lá...

o que eu sei é que eu não consigo dizer isso pra ele com todas as palavras que eu gostaria.
na hora de falar, falar mesmo, eu não sei me fazer entender.
eu acho que tem coisa que já tá dita, e esqueço de dizer.
eu me desdigo.

então acho que eu vou usar da estratégia que melhor me cabe.
vou escrever pra ele.

***

quando eu entreguei a carta pra ele, esperei que ele lesse na minha frente.
ele foi lendo sem piscar, sorvendo as letras, interpretando, analisando, franzindo o cenho.

quando acabou, ele releu.

foi até a varanda, o pôr-do-sol estava lindo - bem daquele jeito que a gente ama - e ele me chamou.
me abraçou, me mostrou o horizonte, me deu um beijinho no ombro, com todo o carinho e me disse:

"acho que eu entendi o que você quis dizer. mas é muito difícil acreditar. você mentiu pra mim durante toda a nossa vida. eu te amo, mas eu não consigo te dizer com certeza se algum dia eu vou voltar a confiar em você".

diários de adultério, um romance de luisa acostaOnde histórias criam vida. Descubra agora