SEXTA

481 15 3
                                    

não quis demorar muito na rua ontem, porque hoje o dia começava muito cedo.
só que eu mal dormi.
passei a noite pensando que finalmente era sexta-feira. que finalmente dudu ia voltar.
que a gente ia conversar.
não tinha nem saído da cama e já tinha escrito pra ele:

"nem acredito que você volta hoje pra casa!!! to morrendo de saudade!! temos tanto pra conversar e alinhar. eu sei que não vai ser fácil, e nem sei se eu já to preparada pra isso. mas eu sei que só falar com você, e ouvir sua voz, vai ser importante demais pra mim"

claro que eu não esperava que ele me respondesse naquela hora. até porque eram 4 e poucas da manhã em ginnie springs.
minha sorte é que eu tinha muito com o que me ocupar...

primeiro fui fazer a entrevista no consulado.
deu quase tudo certo. ficou faltando a meleca de um documento.
um documento que o dudu insistiu pra que eu trouxesse e eu teimei dizendo que não precisava.
ainda preciso enviar isso por e-mail pra completar todo o trâmite.

mas o visto foi aprovado. isso que importa.
digo... isso, e o prazo! preciso estar com esse visto na mão até a outra segunda-feira, que é quando eu tenho a minha viagem de volta comprada.
eu só espero que essa coisa do documento não me faça perder o prazo.
não consigo mais aguentar de ansiedade.

saí voando do centro pro leblon, porque eu tinha que chegar no claudio em tempo.
mas essa coisa de ter metrô até o leblon agora é uma benção.
eu cheguei em muito pouco tempo e ainda me sobravam uns 40 minutos.
aproveitei pra fazer a unha.

eu precisava ocupar qualquer buraco na minha agenda até esse bendito desse menino aparecer.
eu tava surtando. uma gotinha de suor de cada vez.

a manicure foi ótima. tão rápida que quando ela acabou ainda me sobravam uns 15 minutos até a hora da consulta.
"dane-se. melhor esperar lá no cláudio mesmo", pensei.

entrei no cláudio, puxei assunto com a nil, ela perguntou do dudu.
é louco pensar o quanto as pessoas e o rio me ligam ao dudu em absoluto e que eu não faço a menor ideia do que fazer da minha vida se eu tiver que seguir sem ele.
eu não parava de olhar o celular.
ele não ficava online, não lia, não respondia.

a ansiedade foi tomando conta.
me lembrei as outras vezes que vim a esse consultório.
me lembrei do claudio dizendo pra mim, há uns 6 anos, o quanto eu e o dudu nos amamos. o como a gente funciona bem juntos.

finalmente chegou a minha vez!
claudio abriu a porta. e um sorriso.
me deu um abraço afetuoso, apertado.
que saudade dele. dessa energia de amor que emana dele e que faz tudo imediatamente parecer melhor.

eu tirei os sapatos, me sentei.
|eu comecei a sentir aquele sentimento que só estando ali eu sinto.
uma energia louca me rodeando. uma força de outro mundo.

ele sentou na minha frente e me disse que meu plexo isso isso e aquilo.
sei lá.
nunca entendo nada.

"me traduz?"
"sua energia sexual é muito abundante e você precisa viver isso tudo. você precisa ser livre."
"eu sei."
"e o dudu, sabe?"
"sabe. eu acho que sabe."
"e como ele tá com isso?"
"eu queria poder te responder..."

ele me disse que nós somos muito conectados. num lugar muito maior. onde de fato tem que ser uma relação.
que nós, os seres humanos, somos seres livres. sexualmente livres.
e que por mais que a gente queira acreditar que não - porque a igreja nos ensinou que a fidelidade e a lealdade andam juntas - os seres são independentes e devem exercer a sua sexualidade também de forma independente.

o claudio foi muito feliz ao me dizer que o que temos de mais importante é a nossa conexão mental e espiritual.
ele me disse também uma coisa muito forte: me disse que o dudu está rodeado de opiniões masculinas fortes e tóxicas demais. opiniões encharcadas de preconceitos. de atrasos.
é louco porque eu não preciso dizer nada. eu sento ali, olho pra ele, e ele vai dizendo tudo. clareando tudo.

ele falou de tudo aquilo que eu vinha pensando. ele me colocou frente a frente com verdades que eu sentia mas não tinha como falar pras outras pessoas.
quando sou eu quem fala, parece sempre excesso de auto preservação e um pouco de vitimismo. mas ele olhando assim, de fora, de forma tão superior e conectada com o divino, faz parecer que tudo se encaixa. que tudo faz sentido.

tivemos uma longa conversa.
falamos sobre carreira - e ele me disse que eu estou muito perto de chegar num lugar de sucesso como eu almejo, que, por sinal, é bem diferente do que as pessoas de uma forma geral almejam.
falamos sobre a família e as dificuldades que virão desse novo momento e dessa nova resolução - sobretudo sobre como os meus tem reagido a isso tudo, e como passar por isso é difícil.
mas, como era de se esperar, o assunto basicamente girou em torno do dudu, do nosso amor, do nosso sentir e da nossa relação quase todo o tempo.

enfim chegou a hora de começar o ritual.
deitei na cama, ele me colocou a venda.
o cheiro das ervas na venda foi me invadindo, entrando pelas narinas e tomando todo o meu corpo. lembrei das vezes que eu chorei sob essas vendas. das minhas lágrimas, quando elas era capazes de extravasar, rolando pelas minhas bochechas, molhando meu cabelo, meus ombros...
mas dessa vez não. não comecei a chorar automaticamente.

ele foi colocando uma pedrinha fria em cada um dos chakras. e eu as sentia, geladas.
de repente o ar mudou de volume, de temperatura.
tudo ficou etéreo e ele encorporou.
a voz mudou, o sentir mudou.

as pedras começaram a esquentar nos pedacinhos do meu corpo onde elas estavam apoiadas.
e elas foram ficando mais quentes e mais quentes a medida que ele ia falando.

"imagine que você está sentada na areia de frente pro mar"
(...)

ele foi descrevendo aquele cenário de paz, me levando até aquele lugar, onde eu me encontrava só, mas não me sentia só.
eu já conhecia o ritual. salvo pequenas mudanças, era sempre o mesmo começo.
ele ia me trazendo pra um lugar de paz, até me fazer encontrar a luz - que eu sempre traduzia como jesus, ou qualquer força maior, desconhecida.

só que hoje foi diferente.
quando ele disse: "e vem uma luz, branca, muito forte, na sua direção", eu não vi jesus. eu não vi uma coisa disforme, iluminada, desconhecida.
eu vi o dudu.
eu vi o dudu vindo na minha direção. caminhando pra mim. sorrindo pra mim.
me olhando fundo nos olhos, me abraçando com amor, me envolvendo com a sua luz.

o dudu era a luz.
aquilo me trouxe paz. felicidade.
me levou pra um lugar tranquilo e esperançoso.

ficamos ali, naquele abraço, por horas. dias.
era como se ele tivesse ali, e toda a dor e todo o sentir e todo o sofrer desses últimos dias tivesse se esvaído.
era como se eu tivesse encontrado o amor - pela primeira vez na vida.
era uma descoberta de uma coisa absolutamente maior.
sublime.

foi com esse sentimento de amor e de esperança me invadindo que eu me despedi do claudio.
desci, andei até o talho capixaba pra comprar um pão doce e mandei outra mensagem pro dudu:
"acabei de sair do claudio <3"

saí dali renovada. pronta pra encarar o que viesse. certa de que o que eu sinto é verdadeiro. que eu não sou uma maluca devassa e sórdida.
que a sordidez que alguns veem em mim é só hipocrisia.
que é só falta de olhar no espelho.
que é falta de coragem.
eu não sou sórdida. não sou perversa. não sou uma puta.
eu sou livre.
sou dona do meu corpo e das minhas vontades.
e eu tenho o direito de viver tudo aquilo que é só de amor. eu quero.

fui andando pra lagoa pra encontrar com raíssa - a gente tinha combinado de trabalhar a tarde toda juntas - e foi nessa hora que o dudu finalmente apareceu!
"ta podendo falar ?"

gelei.
caralho.
cada pedaço do meu corpo entrou em completo colapso.

eu perdi o ar. o meu coração acelerou. minha cabeça viajou por um infinito de lugares loucos pensando em tantas coisas pra responder.
um milésimo de segundo pareceu uma eternidade.

"to."

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: May 15, 2020 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

diários de adultério, um romance de luisa acostaOnde histórias criam vida. Descubra agora