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Apesar de Tamayori ter ordenado que nada fosse comentado até o assunto estar resolvido, a notícia de que a famosa e inesperada terceira miko desejava ir embora se espalhou pelo clã Kairiku como fogo na gasolina. Mesmo agora, sentada no meio da escadaria do santuário, Mikoto sabia que todos comentavam sobre ela aos sussurros.

-- Quer falar sobre o que você pediu? – Takako sentou à sua direita nos degraus. Mikoto apoiou o queixo nas mãos.

-- O que Tamayori-sama disse?

-- Não responda a pergunta com outra pergunta para se desviar – Sayuri sentou à sua esquerda –Vamos, desabafe.

Mikoto abraçou os joelhos, os lábios comprimidos e encarando os degraus. Takako percebeu seu desconforto e acariciou seu ombro e seu cabelo.

-- Pode falar o que quiser, suas irmãs estão aqui para escutar.

Por fim Mikoto deu um longo suspiro e começou:

-- Eu não consigo continuar. Não consigo ver tanta morte, sofrimento e destruição, não é para isso que fui ensinada. Não sou como vocês e não vejo como posso ajudar se continuarmos no meio de uma guerra – ela tirou o colar do pescoço e segurou a joia na palma da mão – Afinal o que a minha pérola significa? Vocês são as sacerdotisas da terra e do mar, mas onde eu fico nisso? Ninguém sabe dizer qual é o meu papel aqui. Eu devia voltar para casa, para minha vida, como se nunca tivesse saído.

-- Sua casa? Posso ir também? Eu adoraria conhecê-la – Haku veio descendo a escada. Mikoto olhou para ele e não conteve uma risada, que veio misturada com duas lágrimas.

-- E eu nem saberia o que fazer com o Haku.

Ela conteve os soluços e Takako esperou que se acalmasse para envolver seus ombros com o braço e dizer:

-- Você tem razão. Não passou pela minha cabeça o quanto tudo isso é anormal para você, ou como poderia estar com medo.

-- Mas você sempre se saiu tão bem – Sayuri comentou – Arrasava com os kami e a sua naginata...

-- Você tem o talento de uma verdadeira miko, isso não se pode negar, mas nunca recebeu o treinamento que nós recebemos, para combater youkai e encarar a morte como uma probabilidade iminente do ofício. E considerando a forma como você acabou junto com a gente, acho que no seu lugar, eu teria fugido muito mais cedo.

Mikoto sorriu, grata por Takako tentar confortá-la, embora lhe parecesse pouco provável que ela fugisse se estivesse em seu lugar, mesmo diante de um exército de youkai.

-- O que eu devo fazer, então? – perguntou, encolhendo os ombros.

-- Nós não podemos dizer, a decisão é sua para tomar. Pode ficar conosco ou voltar para casa, o que escolher, nós aceitaremos. Tire o dia para pensar no que você quer – Takako bagunçou seu cabelo e se levantou, seguida por Sayuri.

Mikoto permaneceu onde estava por um longo tempo, fitando a cidade e o oceano além, até o sol descer em direção ao horizonte.

Com a chegada do crepúsculo, os funcionários do santuário começaram a preparar a cerimônia. Mikoto encontrou Takako e Sayuri já vestidas em seus quimonos, e anunciou:

-- Eu decidi voltar para casa. Me desculpem, mas...

-- Não tem por que se desculpar. Se você acha que é o melhor, amanhã um navio te levará para casa – Takako falou serenamente, mas dava para ver em seus olhos que ela estava triste – E eu gostaria de te dar um presente de despedida.

Sayuri, também desanimada com a resposta, segurava uma caixa de madeira lustrosa de aparência antiga, de onde Takako retirou um suzu e um gohei, que diferente da caixa, eram claramente novos. Os pequenos guizos reluziam à luz alaranjada do sol poente.

O Conto da Donzela do SantuárioOnde histórias criam vida. Descubra agora