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Quando todos os youkai desapareceram em nuvens de cinzas, Mikoto caiu de joelhos, apoiada na naginata. Lutou contra os membros trêmulos para se reerguer, e começou a dançar para a despedida das almas dos mortos. Apenas quando terminava ela percebeu que o chão sob seus pés estalava e rachava cada vez mais.

A menina correu para a escada no instante em que a torre começou a ceder, e não parou de saltar os degraus enquanto tudo desmoronava acima dela até se jogar para longe no chão, debaixo de uma chuva de poeira e pedaços da parede e o barulho ensurdecedor do desabamento.

Ela ainda ofegava, assustada, quando os estrondos cessaram, dando lugar a um silêncio sepulcral. Agora dolorida e com todos os músculos do corpo tremendo, se levantar exigiu um pouco mais de tempo e esforço, mas não havia mais razão para ter pressa.

-- Você fez o que eu acho que fez? – Mikoto se sobressaltou com a voz de Yasha, parada à frente dela casualmente. Mikoto a encarou confusa.

-- Você não tinha fugido?

-- Tinha, mas quando cheguei na porta, me lembrei que não tem nada de bom para mim no mundo humano. Depois de tudo o que fiz lá, todo mundo vai me caçar, o continente inteiro viria atrás de mim por todos os crimes contra a humanidade e tal – ela balançou a mão com banalidade.

-- Você podia dizer que foi coagida por youkai perigosos – Mikoto se apoiava na naginata como a uma bengala. Yasha deu de ombros.

-- É, podia sim, mas alguém ia acreditar? E por que você se importa?

De fato, Mikoto não se importava, e depois de tudo que Yasha fizera, o que mais gostaria era vê-la responder por toda a morte e destruição que trouxera para sua casa e para todo Yamato. A menina olhou para longe e falou com todo o desprezo que conseguia expressar:

-- Foi só uma possibilidade em que pensei. Aleatoriamente.

-- De qualquer forma, nada disso importa – Yasha falou com indiferença e se espreguiçou, muito relaxada, considerando o ambiente em que se encontrava – Nenhuma de nós vai sair daqui.

-- O quê?

-- Eu não disse? A torre caiu bem em cima da porta. Está completamente bloqueada.

Yasha não mentira, a porta para o mundo humano estava soterrada por toneladas de pedras que antes foram a torre e boa parte do castelo. Mikoto olhou para a mulher.

-- Você não pode tirar isso do caminho?

-- Sou poderosa, mas não tenho a força física dos seus gêmeos. Acho que mesmo eles levariam um tempinho para chegar aqui. E isso se eles tentassem, porque com certeza agora pensam que você está morta.

Essa ideia apavorou Mikoto. Ela pôs as mãos em concha sobre a boca e começou a gritar por Haku, Takako, Sayuri e Ame. Mas não houve o menor vestígio de resposta. Yasha suspirou para suas inúteis tentativas e contemplou a paisagem deserta.

-- Eu não passei para o outro lado porque achei que, sem Akumi por aqui, eu poderia comandar. Agora que não tem mais ninguém, teria sido melhor ter ido. Eu preferia encarar uma vida de fugitiva a ficar neste fim de mundo vazio.

-- E morrer de fome – Mikoto adicionou sombriamente.

-- Quem podia imaginar que você teria um lado tão pessimista, maninha...

-- Cale a boca! Pare de me chamar assim, você não é minha irmã – Mikoto se largou num dos escombros, o cansaço acumulado agora cobrando seu preço.

-- Tudo bem, não te chamo mais assim. Mas é um fato e você terá que aceitar, nós nascemos na mesma máquina, dos mesmos criadores. Agora, se me der licença, eu tenho alternativa melhor do que morrer de fome aqui.

O Conto da Donzela do SantuárioOnde histórias criam vida. Descubra agora