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Todos levantaram muito cedo na manhã seguinte, as primeiras luzes do amanhecer começavam a despontar no horizonte e uma fina neblina ocupava as ruas da cidade quando Takako e Sayuri lideraram o grupo para o alto do Santuário Azul, onde todos os sacerdotes já haviam sido reestabelecidos e aguardavam sua chegada.

-- O que viemos fazer aqui tão cedo? – Mikoto esfregava os olhos, tonta de sono. A seu lado Haku também bocejava ruidosamente, mal conseguindo manter os olhos abertos.

-- Um kami – Yukio respondeu. Ele parecia muito excitado apenas por olhar as duas primas conversarem com o sacerdote principal – É uma magia de alto nível, que serve para saber a localização exata de qualquer youkai num raio de quilômetros. Dependendo do poder da miko, pode ser de centenas de quilômetros.

-- E por que não usaram antes?

-- Porque é uma técnica de alto nível, é óbvio. Por isso elas vão conjurar o kami juntas, para ter um alcance maior e dividir a quantidade de energia necessária. Olhe, vai começar – ele apontou.

Takako e Sayuri estavam frente a frente, cada uma com um suzu na mão direita e rodeadas pelas miko do santuário, que seguravam ofuda, todos com a mesma palavra inscrita: "proteção". Todas começaram a cantar ao mesmo tempo, e nos primeiros versos as pérolas começaram a brilhar.

Mikoto não sabia por que, mas procurou memorizar cada movimento da dança e cada palavra da oração. Num momento Takako e Sayuri cantaram mais alto, tiraram as pérolas do pescoço e as ergueram, seu brilho cada vez mais intenso se expandindo, mas não ofuscavam quem as olhasse.

-- Está funcionando – Yukio sussurrou animado.

As miko de azul repetiam fervorosamente o refrão da oração enquanto as luzes verde e amarela banhavam todo o santuário, e suas duas portadoras começavam a demonstrar sinais de cansaço.

O rosto de Sayuri rapidamente se cobriu de suor, e Takako trincava os dentes, mas não havia sinal de que o ritual estava perto de acabar, as miko auxiliares continuavam a entoar o refrão. Foi nesse momento que Mikoto começou a cantar também, e adentrou o círculo, tirando sua pérola e erguendo-a igual às outras duas.

Apesar da surpresa pela intromissão, nenhuma das auxiliares interrompeu a oração, e o brilho azul se uniu ao verde e amarelo, intensificando-os mais ainda.

Com um estalo que lembrou o som de duas lâminas colidindo, as três luzes piscaram, dessa vez ofuscando os presentes, e se apagaram. Takako e Sayuri baixaram suas pérolas e anunciaram:

-- Não há o menor traço de youkai em quilômetros.

-- Arrumem suas coisas, vamos partir. Shiro precisa mais de nossa ajuda agora.

*

Antes de ir embora, Mikoto foi ao encontro do príncipe Shin no hospital, onde ele tentava passar o máximo de tempo possível ao lado do pai. Quando a jovem chegou, os dois foram para o jardim e explicou que estavam novamente de partida.

-- Eu não queria ir embora sem me despedir – ela terminou. Shin baixou os olhos com desânimo.

-- Gostaria que não tivessem que partir tão cedo. Acho que me acostumei com vocês perto de mim, talvez me sinta inseguro sozinho.

-- Você não estará sozinho, o regente apontado pelo imperador é um homem de confiança, e tem os ministros a favor da paz para ajudar também.

-- E vocês podem vir me visitar, não é? – o rapaz sorriu. Foi a vez de Mikoto baixar o olhar.

-- Não sei se eu posso. Queria voltar para minha casa, que é bem longe daqui.

-- Bem, nenhum de nós tem muita certeza sobre o futuro, mas eu prefiro pensar que voltaremos a nos ver – Shin tentou ser otimista, o que devia ser difícil, considerando o estado de seu pai.

Mikoto olhou o relógio. O trem para Shiro partiria em quinze minutos.

-- Preciso ir. Espero que seu pai melhore, Shin, e que a paz volte a Ao.

-- Boa sorte em sua missão, Mikoto. Obrigado por tudo que você, Sayuri e Takako fizeram para me ajudar – ele colheu uma flor que Mikoto pensou ser uma margarida lilás, e a estendeu – Mas saiba que, mesmo que não nos encontremos de novo, nunca vou esquecer o que fizeram por mim.

Mikoto aceitou a flor e teve que correr para chegar a tempo na estação ferroviária, bem mais vazia que da última vez, e quanto toda a comitiva embarcou, Haku indagou, apontando para a flor em sua mão.

-- Onde conseguiu isso?

-- Shin me deu.

-- É uma margarida? – Sayuri perguntou.

-- Não é uma margarida, é uma flor de shion – Hiro, ao lado dela, explicou – É um parente da margarida e do crisântemo, e tem um significado na linguagem das flores. Se não me engano, é "eu não vou me esquecer de você".

-- Que bonito. Você ficou marcada na memória dele – Takako comentou.

Todas ficamos, Mikoto pensou enquanto cheirava a flor distraidamente.

*

O percurso de Ao para Shiro era o mais longo do que para Kuroi, Mikoto adormecera com a cabeça apoiada no ombro de Yukio e a madrugada ia avançada quando o trem chegou à capital sagrada de Yamato.

Mikoto estava tão sonolenta que não registrou quando saiu do trem ou andou até uma cama onde desmaiou, e tão cansada que estava, só se lembrou de pequenos flashes de um sonho caótico, para acordar com o sol da manhã entrando pela janela.

Levou alguns minutos para reconhecer o quarto onde ficara no dia em que chegou à cidade e se uniu inesperadamente à jornada das miko. O quarto de hóspedes da casa de Sayuri, exatamente igual a como ela se lembrava, exceto por sua naginata encostada na parede e a flor de shion num vaso em cima da mesa de cabeceira.

Em poucos minutos Sayuri entrou, seguida por Haku, que usava um pijama grande demais para ele. A jovem anunciou sorridente.

-- Bom dia! Vamos ver Tamayori-sama assim que tomarmos café-da-manhã, então vamos levantando.

Os pais de Sayuri, principalmente a mãe, eram muito parecidos com a filha, e fizeram várias perguntas sobre a viagem durante a refeição. Sayuri convenientemente omitiu ou suavizou os encontros com Yasha e os youkai que quase as levaram à morte. O pai num momento perguntou:

-- Quanto tempo vocês acham que essa missão vai durar?

-- Ah, papai, não dá para saber. Quando capturarmos Yasha, os problemas vão acabar.

-- Tomara que façam isso antes do verão acabar, para não atrapalhar seus estudos quando as aulas começarem. Você está terminando o Ensino Médio, não é, Mikoto? – a mãe falou esperançosa, de vez em quando lançando olhares estranhos a Haku, que comia um pouco mais selvagemente do que a educação recomendaria.

-- Sim.

Ela tocara num assunto que Mikoto não pensara ainda, mas era verdade. Ainda estava na primeira semana de férias de verão quando fugira de Iruka, e isso fora um mês atrás, então ela só tinha mais um mês para voltar para casa, ou perderia o início do trimestre. E estava no final do Ensino Médio, não podia ficar para trás. Outra razão para voltar logo para casa.

Ainda pensava nisso ao subir a longa escadaria para o Santuário Branco, onde Takako já se encontrava com Tamayori. A alta-sacerdotisa ergueu a cabeça ao vê-las chegar.

-- Takako me deu um relatório completo. Nossa, esse menino tem mesmo os seus olhos, Mikoto – ela reparou em Haku, que observava o lugar fascinado.

-- Pena que ele não saiba explicar porque – a menina murmurou e o rapaz deu de ombros, sorrindo ingenuamente. Takako explicou às duas:

-- Vamos refazer o encanto da barreira do santuário hoje, ao pôr do sol. Até lá, mantenham os olhos abertos e alertem os guardas ao primeiro sinal de aproximação de youkai. Como este é um alvo provável de Yasha, nós três participaremos como miko auxiliares na cerimônia, que Tamayori-sama vai conduzir.

Um fraco gemido pontuou a frase, e todas as cabeças se voltaram para sua fonte.

-- O que foi, Mikoto? – Sayuri perguntou. A menina hesitou em responder.

-- Eu gostaria – ela encolheu os ombros, reunindo coragem para falar – Eu gostaria que me dispensassem dessa missão e do cargo de miko, e me permitissem voltar para casa.

O Conto da Donzela do SantuárioOnde histórias criam vida. Descubra agora