Capítulo 6: Poeira

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Harry passou o restante do dia tentando organizar uma estante do quarto de visitas, onde guardava pastas, agendas e CD's antigos. Já que não tinha como sair de casa, que aproveitasse esse tempo para dar um jeito naquela tralha. Talvez tenha se arrependido assim que começou, pois subiu em um banco para alcançar a prateleira mais alta e uma caixa de sapatos cheia de bugigangas caiu em sua cabeça, espalhando seu conteúdo pelo chão do quarto. Por sorte não caiu do banco em que estava, mas seu grito estridente foi ouvido por Sam que, na sala de estar, rolava a linha do tempo das redes sociais entediado, e partiu em seu socorro achando que pudesse ter se machucado. Ao chegar e ver que não era nada demais, começou a recolher a bagunça e encontrou em meio aos artefatos diversos contidos na caixa, uma aliança de compromisso com o nome "Oliver" gravado no interior.

-Posso saber o que é isso? - Disse Sam incisivamente.

Harry não deu muita importância, e respondeu de forma seca:

-Ah, é de um ex namorado meu. Eu nem lembrava que isso estava aí.

Harry desceu do apoio e tentou tirar a circunferência metálica das mãos de Sam, que fechou o punho guardando-a para si.

-Vamos Sam, me dê isso. Você não vai ficar bravo por uma bobagem dessas não é?

-Não é por isso que estou bravo. Eu só acho hipócrita da sua parte guardar esse tipo de recordação e vir me pedir para apagar o número do Anthony.

-O que uma coisa tem a ver com a outra? Essa aliança é de muito antes de eu te conhecer. Sua conversa com o Anthony foi literalmente enquanto nós estávamos namorando, foi traição, Sam!

-Eu não quero voltar nesse assunto. Mas por que apagar o número dele? Não podemos ser só amigos daqui para frente? Ou você não confia em mim e acha que eu vou pular a cerca na primeira oportunidade?

-Você está realmente dizendo que é a vítima aqui?

-Eu estou dizendo - Sam respirou fundo - que assim como eu não vou mais guardar o número do Anthony , eu espero que você não guarde nada dos seus antigos namorados.

-Sam, eu nem lembrava que isso existia. Você está fazendo uma tempestade em um copo d'água, desgastando a nós dois sem motivo algum.

Harry abriu a janela, deixando uma corrente de ar frio passar pelo apartamento, e jogou a aliança, que tirou a força das mãos de Sam, do quarto andar do prédio em direção à rua.

-Eu sei, desculpa. - Sam sentou-se na cama e se debulhou em lágrimas - Desculpa. Eu sou o pior namorado do mundo.

Harry se aproximou dele e o abraçou para consolá-lo, coisa que atipicamente fazia, e sussurrou em seu ouvido:

-Eu não poderia querer um namorado melhor.

Encostaram suas testas uma contra a outra e permitiram que suas respirações se alinhassem. Passados dois minutos, Sam segurou seu rosto entre as duas mãos e o beijou. Levantou-se e disse:

-Vamos lá, essa poeira não vai se tirar sozinha.

Seguiram com a arrumação, até que Harry encontrou uma caixa de papelão contendo álbuns de fotografias que tinha guardados, e sentou-se junto de Sam para analisá-los minuciosamente. Recostaram-se na cabeceira da cama com duas taças de um vinho tinto suave que estava aberto na geladeira há quase uma semana, e folhearam uma por uma das páginas cheias de memórias do passado.

A maioria dos álbuns eram da mãe de Harry e tinham ido parar em sua casa sabe-se lá porquê. Estes tinham fotos de sua infância ao lado de sua família, em sua antiga casa, nas festas de aniversário, ceias de natal e feriados de ação de graças. Sam esporadicamente apontava para uma foto ou outra, reconhecendo Harry e destacando algum detalhe engraçado, enquanto fazia um cafuné em sua cabeça, deitada sobre seu peito. Uma outra parte dos álbuns era de autoria do próprio Harry, que ainda mantinha o costume de fazer álbuns de fotografia mesmo com o advento das redes sociais, e esse hábito aumentou ainda mais quando ganhou uma câmera polaroid de presente de aniversário de Nancy. Desde então não perdia uma oportunidade de tirar fotos e colar nos álbuns que guardava com muito carinho. Em meio a essas fotos, haviam diversas suas com Sam na viagem que fizeram juntos para a Flórida no ano anterior, no ano novo que passaram com Eileen na Times Square, no parque de diversões da cidade com Nancy, e uma muito divertida de Martin dentro de um carrinho de supermercado na black friday.

Quem diria que embaixo de toda aquela poeira se escondiam lembranças tão preciosas?

Harry e Sam aproveitaram os últimos momentos da noite trocando beijos acalorados no quarto de visitas, e só se os lençóis da cama fossem capazes de falar narrariam o que se sucedeu madrugada afora.

Pela manhã, acordaram na cama do quarto de hóspedes, Harry deitado sobre o peito desnudo de Sam, e o sol entrando pelas persianas iluminava-os. Harry acordou primeiro, e passou um longo tempo admirando Sam em silêncio, contrário em despertá-lo de seu sono profundo, e sentindo seu coração latejar no tórax, ouvindo suas batidas compassadas. Afinal, levantou-se, erguendo as persianas e tentando ver, pelo vidro, se a aliança ainda estava onde a tinha arremessado. O anel tinha caído em um gramado, o qual estava sendo regado pelo jardineiro naquele momento, devidamente protegido com uma máscara descartável cobrindo desde o topo do nariz até o seu queixo. Sam tinha acordado, e se revirava no edredom, olhando o corpo de Harry contra a luz do sol da manhã. Harry deitou-se ao seu lado e passaram metade da manhã lado a lado, simplesmente apreciando a companhia um do outro.

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