Inevitável

Capítulo 11: Visitante inesperado

Mais um dia igual aos últimos quinze.

Harry acordou no mesmo horário, na mesma cama, olhou para as mesmas quatro paredes que o cercavam, virou-se para Sam que, como sempre, era o último a acordar e admirou-o dormir por alguns minutos antes de se levantar, cautelosamente para não acordá-lo. Preparou seu café da manhã, que consistia sempre nas mesmas coisas, e tomou seu chá de hibisco com maçã como sempre fazia,e por mais que tomasse esse chá recorrentemente, não parecia nem minimamente enjoado.

Após os acontecimentos do dia anterior, no entanto, Harry decidiu que era hora de mudar sua rotina e retomar velhos hábitos que tinha abandonado devido à correria do dia-a-dia. Agora já não havia mais correria, pois não havia para onde correr. Harry sempre se considerou uma pessoa muito criativa, e as pessoas que conheciam-no, mesmo que superficialmente, notavam esse traço de personalidade evidente em seu comportamento. Ainda na adolescência, uma professora chegou a dizer que Harry deveria trabalhar na área da comunicação, surpreendida com seu carisma e sua faceta extrovertida que não eram nada forçados. Harry sempre foi fascinado pelo campo das artes, e buscava uma forma de conciliar suas duas paixões. Foi assim que acabou optando pela carreira de designer, sempre antenado com as novidades que surgiam e podiam ser aproveitadas como estratégias de marketing para comunicar-se com o público, através da sua arte. Era plenamente feliz em sua profissão, mas para dedicar-se a ela, teve de abrir mão do hábito da escrita, que tanto lhe satisfazia. De sua criatividade nasciam histórias de romance, terror, mistério, e até poesias, quando estava inspirado. Anotava todas as suas ideias em seu computador e desenvolvia suas histórias com certa frequência, antes de entregar-se de corpo e alma ao seu lado profissional. Talvez estivesse perdendo sua essência por conta disso. Mas agora tinha a oportunidade perfeita para voltar a escrever e ilustrar seu próprio livro, e não tardou a fazê-lo. Seus desentendimentos com Sam tinham sido superados, tinha muito tempo livro e uma mente cheia de ideias a serem exploradas.

Harry sentou-se com um notebook em seu colo no puff da varanda e desfrutou do sol matinal enquanto deixava as palavras fluírem pelo teclado, dando origem a uma nova história digna de se tornar um filme. No auge de sua produtividade, Sam interrompeu-o, sentando-se ao seu lado.

-Bom dia! - Disse Sam com um sorriso no rosto.

-Bom dia! Estou ocupado escrevendo o próximo best seller dos Estados Unidos.

-Quanta modéstia! - Sam deu uma risada sonora e Harry limitou-se a dar um sorriso irônico.

Sam deu-se conta de que Harry não queria ser atrapalhado e foi até a cozinha preparar seu café da manhã enquanto se informava das notícias mais recentes através do celular, para que a televisão não distraísse Harry ou lhe despertasse novos gatilhos, que estava tão feliz fazendo o que amava naquela manhã, sentado na varanda e sendo iluminado pela luz do sol, embora aos olhos de Sam, era Harry quem iluminava o astro, com as boas energias que transmitia e que eram perceptíveis por qualquer um que olhasse em seus olhos. Sua alegria era contagiante, e sua forma de ver o mundo pelo melhor prisma era encantadora. Parafraseando os roteiristas de Glee, "Não veja o mundo como ele é, mas como ele deveria ser" era o lema que carregava consigo.

Sam passou longos minutos olhando para Harry, ouvindo o som das teclas do computador darem vida à história fecundada na mente do namorado, que nascia e crescia conforme acrescentava detalhes ao texto. Sam sabia que independente do que Harry estivesse escrevendo, seria incrível, e sabia também que era inútil tentar falar com ele enquanto estava envolto em seu mundo particular, em uma muralha de sinapses que concebiam no plano imaterial uma linda narrativa, e organizavam-se ao passarem de simples pensamentos para agrupamentos de sílabas em uma sinfonia harmônica hipnotizante para quem quer que tivesse em mãos o fruto de seu trabalho. Sam era o maior apoiador de Harry, e seu sucesso era a sua felicidade.