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A primeira dupla cantou e tocou uma música autoral sobre Carlos Drummond de Andrade e, pra supresa de todos, foi muito bom.
Depois de cada dupla, tinha um intervalo de 5 a 10 minutos pra arrumar o palco e tudo mais.

A segunda dupla fez uma leitura dramática de uma obra da Cecília de Meireles.

A terceira dupla fez uma dança contemporânea sobre a obra Vidas Secas de Graciliano Ramos.

Foram trabalhos de auto nível o que me fez pensar se Henrique e eu não devíamos ter ensaiado mais.

Era nossa vez, então.

Fomos pra trás das cortinas enquanto arrumavam o palco com uma cadeira, um espelho e um pente. A gente quis trazer algo bem minimalista.

"Trid..." Ele tentou falar, mas a professora deu nossa deixa.
Meu estômago revirou todo.

Henri gravou a narração para a peça, já que o livro era no ponto de vista de Bentinho. E assim começamos.

"Capitu deu-me as costas, voltando para o espelho."

Fui até o espelho e fiquei de pé esperando a próxima deixa da maneira mais natural que consegui. Naquele momento tentei ser Capitu o máximo que pude e deixar Astrid um pouco de lado.

"Peguei-lhe dos cabelos, colhi-os todos e entrei a alisá-los com o pente, desde a testa até as últimas pontas, que lhe desciam à cintura."

Henri com um pente na mão, alisou meu cabelo com a outra e às vezes, fingia passar o pente.

"Em pé não dava jeito: não esquecestes que ela era um nadinha mais alta que eu, mas ainda que fosse da mesma altura. Pedi-lhe que se sentasse"

"Senta aqui, é melhor." Henrique disse, sem ser na gravação.

Sentei numa cadeira um pouco mais distante do espelho.

"Vamos ver o grande cabeleireiro." Falei rindo, como pedia a personagem.

"Continuei a alisar os cabelos, com muito cuidado, e dividi-os em duas porções iguais, para compor as duas tranças."

Henrique fazia tudo exatamente igual era narrado. Eu sentia seu nervosismo. Suas mãos tremiam, mas nada muito escandaloso. Eu não via seu rosto, mas sabia que ele estava muito concentrado.

"Não as fiz logo, nem assim depressa, como podem supor os cabeleireiros de ofício, mas devagar, devagarinho, saboreando pelo tacto aqueles fios grossos, que eram parte dela. O trabalho era atrapalhado, às vezes por desazo, outras de propósito para desfazer o feito e refazê-lo."

Além de nós dois, a platéia também estava bem quieta. Todos pareciam muito focados. Isso me deixou um pouco nervosa também.

"Os dedos roçavam na nuca da pequena ou nas espáduas vestidas de chita, e a sensação era um deleite."

Henrique assim o fez. E eu senti. E arrepiei. E fechei os olhos. Isso não estava na peça, mas se Capitu fosse uma pessoa real, seria impossível não fechar o olho e aproveitar aquele toque.

Mais algumas falas gravadas sobre pentear o cabelo de Capitu foram faladas e Henrique precisava reagir a cada uma delas, como se realmente fosse o pensamento dele. E ele fazia tudo. Acho que ele seria um grande ator se quisesse. A plateia reagia à ele.

Mexeu ComigoOnde histórias criam vida. Descubra agora