15 | ADEUS

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Adeus não é Tchau, e tchau não é até logo | Navignier Cunha

Acordei por volta de umas três horas da madrugada.

Meu sono estava um pouco agitado.

Fui até a cozinha beber um copo de água.

Não sabia se Nathan estava em casa ou não, então fui até a porta do seu quarto, bati duas vezes. Nada. Ou estava dormindo, ou ainda não estava em casa.

Resolvi não tentar novamente, se ele estivesse dormindo, seria muito chato acordá-lo.

Acabei voltando para minha cama. Sem conseguir dormir, claro. Acabei pensando no que eu faria da vida depois da faculdade — o que, na verdade está bem próximo de acontecer —, será que vou ser uma pessoa sucedida na vida ou ao menos realizar o meu sonho?

Não sei bem o que estava acontecendo, mas eu estava me vendo de fora sentado em uma cadeira de madeira, sem blusa, apenas de calças — não parecia um sonho, talvez apenas uma mera alucinação. Estava no meio de uma sala escura com água até aos calcanhares, e a única luz que havia no lugar iluminava justamente "eu" sentado na cadeira, era um pouco assustador estar olhando para mim mesmo como se fosse outra pessoa. O "eu" que estava sentado parecia cabisbaixo. Escutei um barulho e pelo jeito "ele" também, nós olhamos para onde o barulho veio, mas eu não conseguia ver nada além do escuro, e quando olhei novamente para o meu outro "eu" sentado ali, pude notar suas profundas olheiras e hematomas por todo o rosto e dorso — eu conhecia bem aquela dor silenciosa que "ele" estava sentindo. O barulho foi aumentando e logo uma pessoa se posicionou em frente a cadeira, um calafrio percorreu por todo o meu corpo.

Era Dan, o meu padrasto do terceiro casamento da minha mãe.

Então ele começou a gritar com o Stuart sentado.

— EI! — eu chamei, mas pareceu que ele não me ouviu.

Já estava ficando nervoso. Eu sabia o que estava acontecendo.

E então ele começou a desferir golpes descontrolados no meu "eu" já ferido. Eu podia sentir as lágrimas começarem a cair dos meus olhos e a minha garganta pronta para dar um nó.

— PARA COM ISSO! — consegui gritar, com minha voz quase falhando — Para com isso — dessa vez saiu mais fraco — EU NÃO TENHO MAIS ONZE ANOS, DAN! PARA COM ESSA MERDA! — Tentei novamente e então ele parou.

Levei um tempo e respirei fundo.

— VOCÊ NÃO SERVE PARA NADA GAROTO! VOCÊ NÃO PASSA DE UM INÚTIL! — Ele apontou o dedo no rosto já tão machucado.

Eu olhei novamente para mim sentado ali, mas lá estava o pequeno Stuart de onze anos que apanhava do seu padrasto por motivo e razão nenhuma, e foi como se meu mundo caísse, eu podia sentir todas aquelas dores e hematomas novamente.

Minha respiração já estava um pouco descompassada.

— VOCÊ NÃO SERVE DE NADA! — Ele gritou mais uma vez e fechou sua mão pronto para mais um soco.

Ele já estava pronto para desferir o golpe quando eu corri e entrei na frente de seu punho.

Acordei subitamente com o coração batendo forte, respiração acelerada, suor na testa e olhos arregalados.

O que está acontecendo comigo? — é a pergunta que eu mais me faço ultimamente.

Pela claridade pude perceber que já estava de manhã, então acabei levantando sem mais enrolação e fui tomar um banho. Queria me livrar de todos esses sentimentos.

Eu não podia deixar que isso acabasse com o meu dia. Não isso.

Qual o motivo dessas "lembranças" depois de tanto tempo? Será que realmente tem um motivo?

Acabei decidindo que iria levar o Stuart Júnior para passear, fazia muito tempo que ele estava preso dentro dessa casa, e eu preciso respirar também.

A manhã estava clara como a água, o sol brilhando intensamente. Confesso que prefiro aquele tempo antes da chuva, o vento carregado e forte, o céu fechado e as árvores balançando intensamente. Me sentia muito bem nesse tipo de clima.

Já na volta acabei encontrando um real no chão, sorte e azar para pessoas diferentes, tem quem diga.

Não como de costume a casa estava em silêncio. Mas meu subconsciente podia ouvir a gritaria.

Tomei um banho frio e depois fui até a porta do quarto do Nathan. Tenho quase certeza que ele não está. Mas dei dois toques leves na porta só para ter certeza mesmo. E ninguém veio abri-la.

Virei a maçaneta e por sorte a porta estava aberta. Não sei bem o que eu estava fazendo, mas acabei vasculhando tudo. Estava tudo estranhamente arrumado de mais.

Tudo no seu lugar, coisa que raramente acontece, ou acontece e eu nunca me toquei?

Podia estar tudo muito bem arrumado, mas eu sentia estar faltando coisas. E não, eu não estou surtando.

Havia um pedaço de papel em cima da cama. Estava dobrado ao meio. Não sei bem se eu estava encarando o papel ou se era ele quem estava me encarando.

Poderia ser algo pessoal dele e talvez eu não devesse olhar, mas eu já tinha mexido e olhado o quarto todo. Não parecia tão errado assim. Eu acho.

Não estava me sentindo confiante e nem confortável com as teorias que minha cabeça estava formulando sobre o que iria ter escrito nele.

Fiquei bem uns três minutos olhando e pensando se valia mesmo a pena olhar de uma vez o que tinha ali.

Acabei saindo e fechando a porta, mas não consegui largar a maçaneta. Ele estava estranho, eu deveria mesmo olhar só para conferir se não era nada muito ruim. Entrei sem pensar duas vezes e quando vi o papel já estava na minha mão, desdobrado.

Minha cabeça parecia estar sendo girada para todos os lados. Eu senti minhas mãos suando e a dor no meu maxilar por estar apertando os dentes com muita força, os meus olhos ardendo como se tivesse entrado na piscina com os olhos abertos.

"Adeus"

Apenas "adeus" com todas as letras e tão bem legível que doía as vistas. Senti a raiva e a mágoa subindo, pude até sentir meu rosto ficando quente.

Soquei o travesseiro tentando reprimir todos os sentimentos.

— POR QUE TODOS ELES ESTÃO DESISTINDO? — minha voz saiu em um grito necessitado — Desistindo de mim? — me permitir refletir, mas para mim não fazia o menor sentido. — POR QUE ELES? ERAM TUDO O QUE EU TINHA! — sentia minhas mãos afundando na cama e no travesseiro assim como eu me afundava junto.

Por fim eu estava respirando fundo, com os olhos fechados de maneira brusca e rosto totalmente afundado no mesmo travesseiro que eu socava.

QUATRO MESES PARA STUARTOnde histórias criam vida. Descubra agora