17 | SINTO MUITO

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Saber o que é certo e escolher ignorá-lo é um ato de covardia|Hatake Kakashi

Duas semanas, duas semanas que não vejo ninguém ou ao menos saio de dentro de casa. Eu estava sozinho nessa casa de merda.

Nós brigávamos, claro, mas nada que durasse tanto tempo, então isso iria se resolver logo. Sim, tenho certeza. Nós nunca nos abandonaremos; somos colegas, amigos, somos irmãos.

Os dias só não eram mais entediantes, pois Stuart júnior estava comigo. Ele me deixava de pé. Às vezes ele ficava na frente do quarto do Nathan ou do Brath, e só saía quando eu o chamava.

Para minha surpresa minha mãe havia me ligado ontem e ela fez o que sempre faz quando me liga: fala sobre tudo e não me deixa falar quase nada, e quando deixa, fala que eu é que estou falando demais.

"Já faz algum tempo que não nos vemos" ela falou isso como se realmente fizesse alguns anos. "Você deveria me visitar mais vezes".

"Tudo bem mãe, quando der eu vou aí te ver".

"É o que você sempre diz" ela dá uma pausa como se estivesse pensando no que falar, "eu poderia ir aí te visitar um tempo".

"Sim, você sempre pode me ver quando quiser" e eu realmente falava sério. Ela sempre poderia me ver.

"Eu não sei filho, mas sinto como se você estivesse com algum problema, intuição de mãe talvez. Talvez eu esteja me preocupando sem necessidade, talvez seja apenas saudades do meu menino".

"Não precisa se preocupar mãe, está tudo bem, nada fora de ordem", ela não precisava saber do que estava acontecendo para se preocupar ainda mais.

Depois disso, antes de terminar a ligação ela apenas falou sobre suas plantas e sobre os vizinhos do lado que faziam barulho dia e noite.

Ainda era cedo e o dia parecia não querer passar. Diferente dos outros dias que passei sozinho, hoje meu corpo parecia mais pesado, minha consciência em alerta e o meu coração errava algumas batidas, fazendo parecer que meu estômago flutuava e meu interior estremecia por completo.

Eu estava apenas existindo sentado sem camisa no sofá, com uma caneca de café na mão. Enquanto Stuart Júnior estava deitado na outra ponta do tapete.

— Vem cá garoto. — o chamei, batendo na minha perna com a minha mão livre. Ele veio para mim calmo e balançando o rabo, logo deitando sua cabeça em meu colo. — Eu vou ao mercado mais tarde, que tal te levar para passear depois disso, hum? — fiz carinho em seu pelo macio e brilhoso.

Ficamos toda a manhã sentados naquele sofá. Quando já era de tarde após ter feito algumas coisas tipo dar uma arrumada geral em casa, me deitei com Stuart Jr. e só ficamos esperando o tempo passar por nossos olhos, o vento passar por nossos corpos e os sons por nossos ouvidos até eu cair em um cochilo.

Meu celular tocava na bancada da cozinha me fazendo despertar e levantar para atendê-lo.

Brath.

— Alô?

— Stuart? — ele perguntou e eu revirei os olhos. "Não, sua prima" deu vontade de responder.

— Se você ligou para mim então sou eu.

— Nunca se sabe quem vai atender o celular, poderia ser outra pessoa — Sim, ele está enrolando para falar.

— Qual a honra dessa ligação? — pergunto e quase pude ouvir ele revirar os olhos do outro lado da linha.

— Nathan me ligou a dois dias... — senti meu corpo gelar — Ele disse tudo o que rolou entre vocês dois, me disse que teve uma recaída recente — O ar sumiu dos meus pulmões — E que estava cansado de tudo isso, de toda essa situação que criamos... — silêncio era tudo que eu ouvia — Stuart? Tá escutando o que eu tô falando?

— Sim. Pode continuar. — meu estômago estava quase dando um nó.

— Eu já estou cansado disso tudo também Stuart, e sei que você também está. Então eu decidi que já está na hora de abrir o jogo com vocês antes que tudo piore. Nós somos irmãos, e eu acho que esqueci disso quando resolvi esconder algo de vocês. Não vou falar muito aqui, pois quero realmente falar cara a cara e Nathan também quer resolver as coisas assim como você também... — Sim, eu disse que essa hora iria chegar, finalmente vamos voltar ao nosso trio — Então decidimos nos encontramos hoje, se estiver bom para você também, é claro.

— Sim, está bom, está mais que bom, na verdade está ótimo. — dou uma risada anasalada e Brath também.

— Lembra do pub? — confirmo — Então vamos nos encontrar lá às dez da noite. Algum problema se o Semi e a Sarah forem também?

— Qual seria o motivo deles irem?

— Eles estão metidos indiretamente nessa minha confusão.

— Por mim tudo bem. — falamos mais algumas coisas e depois desligamos.

Era isso, os dias de luta finalmente acabaram.

Olhei as horas no celular e já eram 19:30. Porra, quando ficou tão tarde?

Ainda iria ao mercado, mas não iria comprar muita coisa, então não iria demorar para voltar e passear com Stuart Jr. e ir encontrar os caras depois.

Fui até onde o cachorro estava e fiz um carinho em sua barriga.

— Hoje é nosso dia de sorte amigão — ele late em resposta. — Isso mesmo, nosso dia.

Já eram 20:00 horas, quando saí de casa. Não iria demorar muito, estava frio, pois tinha acabado de cair uma chuva rápida.

Antes de sair Stuart Jr. ficou choramingando nos meus pés. Foi estranho já que ele nunca tinha feito nada do tipo.

A rua estava molhada e vazia, o clima estava úmido. Não era uma coisa que eu apreciava muito. Eu amo aquele clima antes da chuva, com trovoadas e ventos fortes, mas depois a chuva cai e tudo parece triste demais. Era assim que a rua estava, ela estava triste. Mas já eu, eu estava tentando me conter de alegria por pensar que daqui a algumas horas tudo e todo mal-entendido estaria resolvido.

Já passando em outra rua eu pude ver três garotinhos jogando bola e por alguma razão me fez lembrar de quando éramos crianças. Foi uma época muito boa que passamos juntos.

Por sorte o mercado estava vazio então peguei o que precisava rápido. Não era muito, então coube em três sacolas.

Antes de sair completamente, pude ouvir um trovão que me fez olhar para o céu e me perguntar se iria chover novamente. Olhei o relógio no meu braço "20:40". Não faltava muito para eu poder dizer o quanto eu sentia muito e que tudo voltaria ao normal.

Os três garotos agora discutiam sobre quem iria chutar a bola dessa vez. Então um deles chutou a mesma que foi parar em uma poça de água na rua, longe deles, mas não tão longe de mim. Um deles — o que chutou a bola — me olhou com uma cara chorosa de quem dizia "por favor". Dei alguns passos e segurei a bola molhada nas minhas mãos e antes de dar mais um passo em direção a eles eu pude ver seu sorriso sem um dente, o que me fez sorrir para ele também.

Mais dois passos dados e seu sorriso sem dente não estava mais lá e sim uma expressão estranha, então eu ouvi um forte barulho de pneus freando e, no fundo dos meus olhos eu pude sentir dois faróis, dois faróis tão perto que machucavam e ofuscava a vista.

Me lembro de quando criança levar uma queda muito feia e me ralar todo, doeu muito. Mas sinto como se nada se comparasse à dor que sinto agora por todo o meu corpo.

Tem uma voz na minha cabeça, mas tudo está zunindo e embaçado.

—...Senhor? Pode me ouvir? — luzes, branco, vermelho, azul. Luzes. — Sabe o seu nome? Consegue me entender? — Jaleco branco, luvas brancas — ESTÁ PERDENDO PULSAÇÃO TRAGAM O DESFIBRILADOR AGORA... — Olhos, meus olhos molhados. Estou chorando? — Um, dois, três! Afastem-se.

Uma única lágrima solitária em um último suspiro solitário.

— E-Eu sinto mui...

QUATRO MESES PARA STUARTOnde histórias criam vida. Descubra agora