Prólogo.

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📍 Juiz de Fora.
Fevereiro de 2018.

— Pega a mochila e traz aqui, rápido -  Luan diz assim que parou a moto em frente a minha casa.
— Tá, calma - Entrego o capacete pra ele.
— Vai logo Alana, não posso demorar não, tenho que entregar isso agora se não o Índio lá de cima pede minha cabeça pros caras.
— Relaxa, não vou demorar.

Empurrei o portão e deixei encostado quando passei pro lado de dentro de casa. Passei pela sala e Ananda, minha irmã mais nova, estava vendo novela e pintando as unhas dos pés.

— Cadê a mãe? - Pergunto.
— Tá socada aí pra dentro - Diz sem me olhar - Deve que tá tomando banho.
— Tá, vim só buscar uma coisa e já vou sair, Luan tá me esperando lá fora - Tiro um maço pequeno de dinheiro enrolado do bolso - Ó, fala pra mãe que o dinheiro da energia tá aqui, acho que não durmo em casa hoje.
— Tem vinte reais pra me dar? - Me olha.
— Pra que?
— As meninas da minha sala vão sair mais tarde pra comer um lanche, queria ir com elas, mas a mãe disse que não tem dinheiro.

Passei a mão pelos bolsos e tinha uma nota de cinquenta. Era o único dinheiro que eu tinha "sobrando" depois de separar o da energia. Encarei a nota por alguns segundos, mas logo estendi pra minha irmã que abriu um sorriso largo e foi rapidamente pegar o celular, provavelmente avisar as amigas.
Segui até o quarto que dividia com minha irmã e assim que abri a porta, vi minha mãe sentada na minha cama. Ela me olhou nos olhos e vi que estava chorando, e, quando pensei em perguntar o que tinha acontecido, vi a mochila preta que antes estava embaixo da minha cama, agora toda aberta com os tabletes de maconha e os sacos de pinos descartáveis todos espalhados pela cama.

— Mãe...
— Por quê, Alana? Eu não entendo - Encara as coisas sob a cama.
— Só o emprego na lanchonete não tava dando mãe, a senhora não conseguia emprego nenhum e...
— E traficar foi a solução? Meu Deus - Levanta - Eu não tô acreditando, eu não consigo.
— Me perdoa mãe - Sinto as lágrimas rolarem no meu rosto - Mas iam expulsar a gente daqui, não tínhamos dinheiro pro aluguel... Mãe, a gente mal tinha o que comer.
— Pois eu preferia morrer de fome do que me sujeitar a isso - Grita - Esse dinheiro é sujo, você sabe quantas famílias cê tá destruindo quando vende isso?
— E você queria que eu fizesse o que? Deixasse você e a Ananda morrerem de fome? Deixar expulsarem a gente e ir morar em baixo da ponte? - Digo elevando o tom de voz - Ou era isso ou...
— Não, isso nunca foi uma opção a se considerar Alana, nunca!
— Eu fiz pelo bem de vocês, você não entende?
— Não! Eu nunca vou entender e para de dizer que foi por mim ou pela sua irmã, você fez porque queria uma vida fácil, fez por esse seu namoradinho drogado - Começa a colocar as coisas na bolsa - Fez porque é uma egoísta que só pensa em si mesma. Não pensou em nós, nas consequências e nem em ninguém além de você mesma.
— Mãe...
Não me chama de mãe - Empurra a mochila contra o meu peito - Eu quero você fora da minha casa.
— Mas...
— Fora, Alana! Você não é minha filha, eu não sou mãe de traficante.
— Gente, o que tá acontecendo aqui? - Ananda entra no quarto.
— Nada, fica na sua - Falo com ela - Mãe, por favor...
— Eu já falei, fora!

Ela gritou a última palavra com tanto ódio que eu pude sentir o peso da palavra dela me esmagando. Olhei mais uma vez pra ela, ainda que com a visão embaçada por conta das lágrimas enquanto ela secava qualquer gota que escorresse no seu rosto. Minha irmã tinha uma expressão confusa, mas não demorou até que começasse a chorar também.

— Mãe, não faz isso com ela, a...
— Você quer ir com ela? Quer viver de dinheiro sujo? - Fala com Ananda.
— Não, eu só quero...
— Alana, fora da minha casa ou eu vou chamar a polícia.

Aquilo me doeu de uma forma inexplicável. Era a minha mãe quem estava dizendo que ia chamar a polícia pra mim, depois de tudo que eu fiz por ela e pela minha irmã. Nunca foi pensando em mim, nunca foi pensando na vida fácil. Foi tudo por elas, sempre foi por elas.
Dei dois passos pra trás e então virei as costas e segui pelo pequeno corredor em direção à saída da casa. No bolso da mochila tinham por volta de R$150,00 em notas variadas que eu usava pra dar de troco. Tirei o dinheiro e coloquei junto de onde havia colocado o da energia, então saí da casa.

— Que demora do caralho - Luan fala impaciente.
— Minha mãe descobriu - Digo sem expressar qualquer reação.
— E aí? - Me entrega o capacete.
— Ela... Me expulsou.
— Sério amor? Porra - Me puxa pra perto e me dá um beijo na testa - Não se preocupa, vou cuidar de você... Mas a gente precisa mesmo ir, ela pode chamar a polícia e aí já era.
— Ela disse que eu sou egoísta, que fiz isso pensando em mim... Luan, não foi isso.
— Eu sei que não gata, mas com o tempo ela esquece - Tira o capacete dele que estava preso ao retrovisor - Mas sério, a gente precisa mesmo ir.

Dei uma última olhada pra casa e ouvi quando o cadeado foi passado no portão. Era um portão todo fechado, não dando pra ver do outro lado, mas pelo ódio com que foi passado, eu sabia que era minha mãe e aquilo doeu muito mais que as palavras dela.
Luan ligou a moto e depois de pôr o capacete e a mochila nas costas, subi na moto e seguimos pra longe dali.

𝙰𝚖𝚘𝚛 𝚎 𝙲𝚘𝚌𝚊𝚒𝚗𝚎.Onde histórias criam vida. Descubra agora