CAPÍTULO 3 - Lições

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"A vida dá lições que só se dão uma vez" – Winston Churchill

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— Conseguiu achar o seu celular?

Aquele assunto me deixava com dor de estômago. A questão era que, nos últimos dias, meu celular tinha simplesmente desaparecido. O irônico era que eu tinha o chip em mãos (finalmente e vindo de Londres, por papai), mas nada de achar o celular. Eu já havia procurado meu aparelho pela casa inteira, já tinha deixado um aviso no quadro arrumadíssimo dos "Achados e Perdidos" da escola e até mesmo feito a exata rota do dia em que o perdi. E com a falta de sucesso em tudo isso, só me restava uma opção: o mercado decadente da região.

Meu corpo lutava desde a semana passada para não ir até lá, mas eu sabia que, se o garoto do mercado tivesse visto meu celular, ele ainda estaria lá, intacto.

E sem mensagens, sem uso, sem internet. Sem vida social.

Suspirei alto — Ainda não. Mas acho que descobri onde possa estar.

Meu pai deu uma pequena risada — Como você conseguiu perder algo em uma vila de quatro mil habitantes?

Eu ainda não sabia como conseguia fazer muitas coisas naquela vila de quatro mil habitantes (como, por exemplo, sobreviver), mas não queria chatear papai. O meu mau humor diário já fazia isso por si só.

— Com certeza quem achou, guardou. Então tenho um problema a menos.

Ele ponderou com os olhos enquanto se levantava em direção ao escritório. O telefone fixo gritava por todos os cantos da casa.

— Espero que resolva o seu problema com as mil caixas no andar de cima também. Não se esqueça que vamos ter visitas amanhã.

Esperei papai sair da sala para bufar alto. Aquilo era uma tarefa que eu tentava evitar também, como a busca pelo meu celular inútil. A questão era que eu não tinha aberto uma caixa sequer da mudança e elas transbordavam do meu quarto para o corredor do segundo andar. No fundo minha mãe ficava louca com aquela falta de organização proposital, mas eu via que ela tentava não descontar mais frustração em mim.

Eu já era a frustração em pessoa.


Subi as escadas em segundos, encarando aquela quantidade de caixas de papelão marrom ridiculamente empilhadas uma em cima da outra. Seria trabalho para todo o final de semana.

Abri as caixas devagar, uma por uma. Já tinha aceitado que meu sábado seria todo perdido naquela tarefa. Depois de horas me vi sentada no meio do quarto com todo aquele caos a minha volta. Muitas caixas de roupas e casacos pesados, objetos pessoais, livros e tudo o que foi possível trazer na mudança Paris-Cotswolds. Mas uma específica tirava a minha paciência e eu relutava para não abri-la.

A caixa das recordações.

Quando você se muda com frequência é normal que suas recordações sejam guardadas além de um diário bobo e cafona. Eu costumava não só escrever sobre as coisas que via e vivia, mas também tentava guardar objetos, entradas de museus, ingressos de shows, cartas e muitas, muitas fotos.

Isso me fez pensar se eu teria alguma foto de lembrança em Bourton-on-the-Water. Provavelmente não.

Olhar aquela caixa no meio da bagunça só me fez suspirar. Era o momento de mexer na ferida. A mudança de Paris não tinha sido a pior, mas eu sabia que dentro daquilo acharia bem mais do que a França.

A caixa, já surrada pelo tempo de uso, fazia com que uma sensação de nostalgia transbordassem pelo meu corpo e mente. Eu amava relembrar coisas boas, mas, depois que a sensação de conforto da lembrança ia embora, só restava a tristeza mesmo. Tristeza de não conviver mais com aquelas pessoas, tristeza por não ter feito tudo o que eu gostaria no pouco tempo em que vivi naqueles lugares.

Reasons Why: A Garota da Cidade GrandeOnde histórias criam vida. Descubra agora