Laura e Erika

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Erika era professora de dança há alguns anos, tinha vários alunos no estúdio que trabalhava e alguns até conseguiam virar bailarinos com carreiras brilhantes. Ela sempre saia de casa com um sorriso no rosto, os porteiros até estranhavam o bom humor diário dela, e mesmo quando estava mais calada que o normal parecia sempre se alegrar ao falar com as pessoas. Ela na verdade disfarçava muito bem suas intenções com o mundo, poderia ter sido bem rica e famosa nos primeiros anos de carreira, mas preferiu ensinar a outras pessoas que a fama não é tudo. Muitos de seus alunos eram iniciantes ou encontravam dificuldade na fluidez na arte da dança. Particularmente ela preferia estas pessoas para ensinar por se apresentarem como um desafio. Geralmente sua a simpatia exacerbada fora das aulas confudia muitos e ao dançar ela não era de tantos risos: era assertiva, observadora como um felino prestes a atacar sua presa e silenciosa na correção de passos e posturas.

Ela trabalhava naquele estúdio fazim uns 6 anos, mas durante seus outros horários era professora em academias, dava palestras em teatros e afins. Erika não esperava que ao final da sua última aula numa sexta-feira, receberia visita do dono do prédio onde ficava seu estúdio. Carlos era um entusiasta das artes, e algumas vezes assistia as aulas de dança de Erika para se deleitar com aquilo. Foi um pouco complicado contar a professora naquela noite que estava pensando em vender o local, a oferta que lhe apresentaram era irresistível: preço acima do mercado, um propósito parecido e claro, para uma outra mulher que ele admirava bastante. Laura era uma pintora famosa e tinha seus quadros expalhados em museus da Europa e Américas, mas estava pensando melhor em encontrar sua identidade naquele momento de sua carreira. Abrir sua própria galeria de arte com o charme peculiar que ela queria expressar era algo totalmente pequeno, mas até mesmo seus filhos acharam a atitude insana.

Laura conversou com Carlos a respeito da proposta e estava aguardando uma resposta dele. Ela sabia que ali já funcionava um espaço de dança, mas queria o prédio exclusivamente para si, estava precisando de um lugar mais seu. Contudo, Erika ficou bastante chateada ao saber do futuro que Carlos planejava para seu estúdio. Ao se ver num empasse entre duas mulheres que admirava tanto, pesar sua situação financeira, ele decidiu colocar a proposta de Laura em espera por um tempo até que Erika pudesse se deslocar até outro espaço. Em sua percepção, devia isso à dançarina e aos seus tantos alunos também. Ele adorava vê-los conversar, sair e entrar no prédio sentiria falta daquela comoção e energia mesmo que a galeria de arte de Laura trouxesse um bom público, mesmo que os críticos esnobes de arte em sua maioria.

Laura vez ou outra ia visitar o prédio acompanhada de Carlos, alguns arquitetos e seus dois filhos mais velhos que cuidavam do legado da mãe famosa que tinham. Erika odiava as vistias de Laura, por mais que estivesse chateada com a mudança do seu local de trabalho de anos, pensava que teria mais tempo e sua presença ali era um lembrete constante. Seus estudantes eram completamente compreensíveis tanto sobre sua personalidade, quanto com aquela situação. Mas ver aquela mulher ali, devagando todos os olhares para si, atrapalhando o foco do seu trabalho diversas vezes a irritava profundamente. Carlos chegou a apresentá-las rapidamente na primeira visita, e Laura achou Erika com uma face nada amigável para alguém que trabalhasse com algo tão feliz quanto a dança. Pela terceira ou quarta visita, a professora precisou interromper uma aula para ir até os visitantes que apareceram no local.

Após o quase confronto com a professora de dança, Laura a convidou para um jantar. Elas precisavam resolver aquela situação para que os negócios com Carlos ficassem mais serenos. A princípio, a pintora achou um pouco charmosa aquela atitude séria de Erika, que a princípio ficou sem entender direito o convite de Laura. E mesmo indignada acabou aceitando o convite. Na noite seguinte, ela não daria aula e pensou diversas vezes em não ir ao encontro. Ficou insegura achando que aquilo era algum tipo de armadilha, mesmo ela sempre se deparando sempre com o melhor das pessoas no final. Então após ponderar um pouco decidiu dar uma chance para a pintora mundialmente famosa.

Erika percebeu que a postura de Laura no jantar estava totalmente diferente. Mas de alguma forma a achou elegante com a blusa branca e saia preta. Ao ver a professora chegar no restaurante, ela se encantou totalmente. Erika parecia mais leve e estava sorridente como sempre para as pessoas que trabalhavam no restaurante ao chegar. Eles pareciam apreciar a presença daquela mulher ali, o que deixou a recém-chegada intrigada de certa forma. Quando elas finalmente se sentaram para conversar, Laura começou a comentar sobre arte. Achava que pelo menos isto, tinham em comum e achou melhor começar para abordar mais a frente o grande problema que tinham em mãos: a mudança de Erika e a venda do prédio onde o estúdio era localizado.

A dançarina acabou gostando da conversa com a pintora. Elas até riram de algumas coisas, mas algo em Erika ainda intrigava Laura; que queria entender mais daquela mulher que tanto lhe parecia misteriosa. Pela conversa com Carlos, a professora sabia que não teria como dividir o espaço de trabalho com a outra de forma alguma e tinha perdido aquela batalha, mas agora sabia que tinha sido para alguém que começara a respeitar profissionalmente.

Antes do fim daquele encontro, a nova proprietária pediu para Erika lhe contar mais sobre seu processo criativo e realação com a dança. E mesmo depois de ter recebido a resposta ela comentou não entender bem ainda, mas adoraria ter um olhar mair profundo do mundo da outra mulher afinal sentia-se presa pela disciplina já observada anteriormente. Ao ouvir a cantada talvez elaborada demais, ela sorriu. Talvez Laura não fosse tão irritável quanto pensara, tinham se dado bem, mas apesar de perder aquela batalha era ela quem iria comandar aquele barco.

As duas saíram do restaurante para o prédio que futuramente seria a galeria de arte. As luzes do prédio vizinho adentravam as janelas antigas e ao ouvir Erika negar o acender das luzes, Laura sentiu-se um pouco mais adolescente como um segredo no meio de uma noite. A música no celular era intensa, então ela deixou a professora lhe guiar. Se aquela mulher achava mesmo que tinha ganhado algo com uma janta barata e a compra de um prédio que para ela não tivesse significado, aquele era o momento de mostra-lhe a verdadeira força da pessoa que vivia ali. Erika decidiu aproveitar a iluminação do prédio ao lado por motivos de discrição, percebeu ao sair do restaurante que várias pessoas conheciam Laura, mas ali em seus braços ela era sua.

O jeito feroz com que Erika pressionava seus corpos contrastava com a leveza com que deixava fluir entre ambas ao ritmo da música encantaram Laura desde o início. Ela era firme e quente ao mesmo tempo que tinha a disciplina de deixar uma liberdade entre passos em sua saia, então deixou-se encantar ainda mais pelo balanço da música. Laura tinha um corpo lindo e apesar de sua timidez, era sensual aos passos que tentava acompanhar aquela dança. Os cachos curtos expressavam toda uma felicidade por trás daquele rosto que ela quis beijar, ainda dançando e depois de algum tempo Erika percebeu que já não ligava tanto para o que a levou ali. Queria afundar suas dores na risada daquela mulher que apesar de tudo, era doce. Mas sua insegurança a fez parar a dança. Ela quis gritar sua fúria e chorar sua perda por um momento.

Ao ver aquela mulher virar o rosto e se afastar, Laura percebeu que estava provavelmente cometendo um erro. Não na compra do prédio em si, mas em querer saber mais daquela pessoa a qual estava prejudicando. O apego dela ao lugar se dava mais as pessoas, algo que ela mesma tinha com suas tintas e quadros. E deparando-se com alguma provável culpa diante naquele cenário romantico, sua expressão mudou completamente. Erika não quis chorar ali, sentiu uma mistura de raiva e frustração, e ao encarar a outra mulher parada ali pareceu que seus olhares voltaram a conversar. Uma conversa boa e leve, como na janta que tiveram. Laura a encarava com uma doçura novamente, então ela não se conteve e acabou beijando-a antes de fazerem sexo ali mesmo.

Elas riram, sentiam-se mais felizes e aliviadas. Erika percebeu que já não pertencia mais aquele lugar e sentou-se encarando o salão vazio agora menos iluminado pelas luzes do prédio ao lado. Mas já não importava, o beijo de Laura no seu ombro nu pedindo-lhe por mais. Aquela mulher tinha um jeito totalmente diferente de tirar sua atenção e foco, o sorriso fácil direcionava toda sua intensidade para si e Erika não fazia questão alguma daquilo. Na segunda-feira seguinte, o prédio já não tinha mais aulas de danças, todas foram canceladas pela ex-professora que agora acordava entre os lençóis do quarto de hotel da pintora, a nova proprietária da galeria de arte daquela cidade.

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