- Feliz aniversário irmão.
- Pirralha! - Eric vibrou ao ver seus olhos abrindo. Estava deitada na cama da enfermaria do pronto socorro. No local haviam mais três mulheres internadas. Eric precisou implorar a equipe responsável pra vê-la por alguns minutos.
- Você está melhor?
- Tô sim. Que horas são?
- É madrugada ainda. Só vim saber se estava mesmo bem. Will me avisou.
- Valeu por vir.
- É, mas preciso ir.
- Não quero ficar aqui, me leva com você. - segurou o braço dele implorando.
- Não posso fazer isso. Todos aqui sabem sua situação. Seria impossível.
- Eric...
- Precisa de recuperar bem. Carregue sempre a bombinha no bolso, você tem precisado muito ultimamente.
- Tá, de cuida.
- Você também.
Eric deu as costas e saiu.Ao meio dia da manhã seguinte
Aline chegou ao portão de um local que parecia mais com uma prisão, tão altos eram os muros. A assistente acompanhada dos conselheiros a pegaram no hospital e agora a apresentava ao seu novo lar.
- Então acho que chegamos Aline. Aqui será seu novo lar provisório. É especialmente dedicado a jovens garotas da sua idade.
- Só meninas?
- Sim. É mais fácil de manter tudo sob controle se é que me entende.
- E o meu irmão?
- Temos um local específico pra ele também, mas ele não está querendo colaborar. Sabe, você poderia ajudá-lo Aline.
- Como assim?
- Eric está numa fase muito complicada e é essencial ter o apoio de adultos, sabe, o mundo é muito perigoso para um jovem de virar sozinho. Existem as drogas, o mundo do crime, tudo é possível quando não se tem ajuda.
- Meu irmão não é assim. Ele é muito bom.
- Enquanto tinha os pais pra dar tudo e apoiá-lo. Acha mesmo que ele conseguirá desbravar esse mundo sozinhos enfrentar todas as adversidades?
- Por isso que quero ficar com ele.
- Isso não será possível querida. - A mulher foi sincera e direta.
- Por agora não, mas logo ele fará 18 anos e vem me buscar.
- Aline, não se trata só de idade. - foi a vez do conselheiro. - Principalmente agora que não têm mais um teto. Eric não tem estabilidade Alguma pra ser seu tutor.
- Ainda, mas é só uma questão de tempo.
- Sim, muito tempo! - A assistente parecia casa vez mais negativa.
Aline percebeu que era perda de tempo discutir com eles. Cruzou os braços e selou a boca. Em instantes chegaram à porta da diretora do abrigo.
- Boa tarde dona Silvia, essa é a jovem que mencionamos anteriormente. Aline.
A menina olhou a mulher de uns quarenta anos de alto a baixo. Havia imaginado uma velha gorducha com roupas antigas, mas o que encontrou foi uma mulher bem moderna, cheia de maquiagem e vestido apertado, além do salto de uns dez centímetros.
- Seja bem-vinda Aline.
- Obrigada.
- Bem, aqui está o relatório completo dela. - entregou uma pasta bem organizada. A direita abriu.
- Onde estão os documentos dela?
- Boa pergunta. - A assistente olhou fundo em Aline. - Procuramos em toda parte, só encontrei xerox.
- Você sabe que preciso dos documentos originais pra dar entrada no processo... - Parou no meio da frase.
- Que processo? - Aline interrogou achando bem estranha a irritação da mulher.
- Sabe onde estão os originais? - A mulher perguntou fisgando os olhos de Aline com ira.
- Não faço ideia.
- Está mentindo. Procurem nas coisas dela.
Imediatamente os dois homens abriram a mala e a bagagem de mãos dela enquanto a assistente tirou a mochila das costas dela e começou a vasculhar. Aline se sentiu humilhada.
Procuraram em vão, conseguindo apenas provocar uma bagunça enorme na bagagem.
- Me dê seu celular! - Exigiu a diretora estendendo a mão pra ela.
- Mas isso é um absurdo! - Aline ficou indignada.
- Não discuta comigo. Me dê agora mesmo.
Aline tirou o aparelho do bolso da calça e entregou a mulher.
- Desbloqueia! - Ordenou. Aline usou a digitou e liberou o acesso do aparelho. Por sorte havia apagado suas conversas com Will e Eric.
- Eu preciso ir agora. Temos outros atendimentos pra fazer. - A assistente já estava louca pra sair da sala tensa.
- Me avise assim que encontrar alguma coisa. - A diretora pediu ainda de olhos no celular da menina. - E você, pegue suas coisas e pegue o corredor pra direita, entre na terceira porta a esquerda.
Aline fechou suas bagagens humilhada e deixou a sala seguindo suas instruções.
Encontrou um quarto com 4 beliches antigas. Também tinha 8 armários de aço com cadeados. Em cada um tinha uma plaquinha com os nomes das usuárias. Encontrou um que não tinha nome e por acaso estava destrancado. Deveria ser o seu.
"Mas que recepção! Não tinha ninguém pra me mostrar o lugar!"
Quando abriu o armário três pererecas pularam de dentro.
Não precisa descrever o tamanho do grito que Aline deu, tamanho foi o susto que deu dois passos para trás e tropeçou na sua bolsa. Instantaneamente pode ouvir as risadas das novas colegas de quarto chegando.
"Duas humilhações em menos de meia hora!" Tava começando a odiar mais ainda esse lance de abrigo.
Uma das meninas saiu do meio das outras e estendeu a mão pra ajudar a novata a levantar do chão. Aline aceitou e quando já estava suspensa no ar a garota a soltou provocando outra queda. Aline inchou de raiva ouvindo tantas risadas a sua volta. Levantou de punhos fechados pronta pra se vingar quando alguém entrou.
- O que está havendo aqui? - Era uma mulher de rosto severo.
- Desculpe inspetora... - Pediu a autora da brincadeira de mal gosto.
- Quem é você?
- Aline, senhora. - Respondeu de cabeça baixa.
- Olhe para mim quando me dirigir a palavraí. Vocês, voltem agora ao que estavam fazendo.
Antes que Aline pudesse dizer qualquer coisa, a mulher já estava longe. Começou a arrumar suas coisas. Não era muito apesar do volume, é que trouxe seu cobertor e lençóis favoritos que também eram antialérgico. O armário tinha uma lateral estreita pra cabides e todo o resto eram prateleiras. Numa delas colocou seus poucos cosméticos, a maioria pros cabelos, todo o restante estava na bagagem que despachou pro quartinho. Na mochila tinha seu material escolar. Aliás, ela não fazia ideia de como ficaria a escola, o abrigo era bem distante dela.
- Olá. - Ouviu uma vozinha vindo da entrada.
- Oi. - virou o corpo, pois estava agachada na parte inferior do armário guardando seus dois pares de tênis. Viu uma menininha de 8 anos.
- Você é a menina nova não é? Aline?
- Isso mesmo. Já estou famosa. - Ironizou.
- Vim das as boas-vindas.
- Obrigada. - Aline manteve-se arredia. Poderia ser a próxima peça.
- O que aconteceu? Por que veio parar aqui?
A pergunta pegou Aline de surpresa. A garotinha estava interessada na sua história.
- Eu não quero falar sobre isso.
- Tudo bem. Sou Tamires, conte comigo pra o que precisar. - A menina estendeu a mão pra ela. Seria mais uma pegadinha? Aline teve receio, mas olhou pra menina e viu mais tristeza que maldade nos seus pequenos olhos então apertou sua mão.
- Você tem muita coisa! - Comentou admirando o pequeno armário organizado.
Aline subiu na beliche e trocou os lençóis com colchão tomando o cuidado de dobrar os anteriores para guardar no armário. Não pôde evitar uma dúzia de espirros nesse processo pois o cobertor era peludo demais.
- Por que está expirando tanto?
- Não é nada. - Respondeu Aline já de nariz vermelho de tanta coceira.
- A inspetora está te chamando. - Era uma das garotas do quarto trazendo o aviso. Parecia tímida.
Aline trancou o armário e a seguiu. Foram até o refeitório onde estava sendo servido o lanche da tarde. O ambiente era composto por mesas e bancos de madeira longos. Numa das laterais estavam dispostas 10 pias de lavar louça. Ao término das refeições as meninas deveriam passar por elas e lavar sua própria louça, secá-las e devolver à cantina. Cerca de 60 meninas entre 8 e 17 anos pegavam uma fila única na cantina pra receber uma bandeja contendo pão francês com carne moída, suco de abacaxi e uma banana. Algumas já estavam sentadas em grupos. Todos notaram a recém chegada.
- Eu não quero comer!
- Não pode recusar as refeições. - Advertiu Tamires.
- Que absurdo!
Aline seguiu a fila e pegou sua bandeja.
- Venha! - Tamires a convidou a sentar com ela perto das suas colegas. Aline a seguiu sem olhar pros lados, evitando a todo custo os olhares curiosos e muitas vezes malvados.
Tamires apresentou suas colegas que pareciam bem mais amigáveis que suas colegas de quarto.
"Que inveja!" Pensou.
Após o lanche, Aline foi convocada a ajudar na cantina.
" Péssima idéia!" Julgou pensando que a colocariam pra cozinhar, mas foi mais simples, passou horas picando legumes e verduras conforme a cozinheira pedia.
- Já está bom. - Disse a cozinheira. - Pode ir.
"De nada!" Aline fugiu dali o mais depressa possível, antes que surgisse outra coisa pra cortar. Voltou ao seu quarto e encontou algumas meninas já banhadas arrumando os cabelos ou terminado de se vestir.
- Podem me dizer onde fica o banheiro por favor?
As meninas se entreolharam.
- Nessa porta ali. - a menina que a chamou pro lanche indicou uma porta no fundo do quarto. Aline ainda não havia notado ela.
- Já tem alguém usando?
- É coletivo. Tem compartimentos. - acrescentou percebendo que Aline ainda não havia entendido.
- Ah, claro. Obrigada.
Aline abriu o armário e tirou uma camiseta preta e uma calça de malha leve cinza, pegou tbm suas peças íntimas e uma toalha. Colocou numa sacola plástica e entrou no banheiro. Havia quatro pias num mármore negro com um espelho desbotado na frente. Do lado oposto começavam as divisórias dos banheiros. Eram 4. Encontrou um desocupado e entrou. Era pequeno, quase tinha de ficar sobre o vaso sanitário pra receber o jato de água do chuveiro. Na parede tinha um despenser de sabonete líquido e também um gancho onde colocou sua sacola.
Quando voltou ao quarto estava a maior algazarra. Não precisou olhar muito pra ver que sua cama estava descoberta e as meninas brincavam com seus lençóis, o cobertor e o travesseiro vestido com fronha impermeável.
- O que estão fazendo?
Aline soltou sua sacola no chão e tentou tomar de volta seus pertences enfurecida.
- Que é isso? Só estávamos desfrutando um pouquinhos dessas cobertas macias e cheirosas. - ironizou a menina que a derrubou mais cedo.
- Não podem pegar minhas coisas assim!
- Isso não é você quem decide!
Ouviram um breve sino e no mesmo instante jogaram os lençóis no chão e ainda fizeram questão de pisar em cima antes de saírem as gargalhadas.
Aline pegou tudo e recolocou rapidamente antes de seguir as outras, deveria ser algo importante. Na verdade era só o jantar. Comeu junto das colegas de Tamires como antes e se apressou em terminar antes de suas colegas de quarto, elas não desistiriam fácil de a provocar.
A caminho de volta pro quarto a inspetora vinha na direção oposta e a parou.
- A diretora quer te ver agora mesmo.
- Sim, senhora.
"Droga! Ela quer saber dos meus documentos!"
- Com licença, a senhora mandou me chamar?
- Sim, entre.
Aline fechou a porta e se sentou de frente pra mulher.
- Precisa me dizer onde estão seus documentos.
- Eu não sei. Meus pais cuidavam disso.
- Não acredito em você!
- Por que precisa tanto deles?
- Preciso te matricular na escola.
- Já estou matriculada. Não posso continuar na mesma escola?
- Não, a van leva todas pra mesma escola, é uma norma e não será mudada por você. E também, se não encontrarmos seus documentos, você não poderá ficar aqui!
- Isso é uma boa notícia. - balbuciou.
- Como disse?
- Eu não posso ajudar com isso. - levantou-se disposta a sair.
- Não dificulte as coisas Aline. Eu posso expedir novos documentos, o problema é que demora muito e preciso registrar você para começar a receber o subsídio dos seus custos no abrigo.
Aline fez cara de descaso.
- Só vou devolver seu celular quando me contar onde estão! - Ergueu o celular.
- Faça bom uso! - Aline não se importou em olhar para trás.
Ao voltar pro quarto, sua cama estava mais uma vez descoberta. Ignorou, pegou sua nécessaire com kit higiene e foi pro banheiro. Escovou os dentes vagarosamente. Estava com tanta raiva que preferiu fazer-se de cega, surda e muda quando voltou ao quarto e as meninas continuaram fazendo piadinhas.
Guardou sua nécessaire e pegou os antigos lençóis pra cobrir sua cama.
-Ah! Você os guardou?! Juro que pensei que tivesse feito esses trapos de pano de chão!
Logo sentiu uma coceira insessante pelo corpo, principalmente no pescoço e nas costas. Sua pele clara logo estava toda vermelha.
"O sabonete ! Só faltava essa!"
Junto a coceira vieram os expirros provocados pelos pelos dos lençóis antigos. Nunca suas alergias se tornaram tão inconvenientes. Quando sua mãe era viva, elas eram imperceptíveis, já que Alê estava sempre atenta aos detalhes.
- Devolvam as coisas dela Ana. - pediu a menina tímida.
- Não vai dar não! - Ana era aquela que a derrubou. Ela se deitou em sua cama e se cobriu com o cobertor de Aline. Esta ignorou tudo. Cobriu o colchão e desceu de volta ao armário. Pegou outra nécessaire. Desta vez de remédios.
- Droga!
- Precisa de alguma coisa? - Era a menina tímida.
- Não tenho mais antialérgico. - Respondeu após mais um espirro. Seus olhos marejavam e o nariz já estava pra sangrar de tanto ser esfregado.
- Fale com a inspetora.
- Melhor não.
- Melhor sim. Quem vai dormir com você espirrando desse jeito?
- Os expirros são culpa sua que pegou meus lençóis. São antialérgicos.
Ana se sentiu mal assim como as outras duas que estavam com os lençóis e o travesseiro.A inspetora levou Aline até a enfermaria do abrigo.
- Minha nossa! O que houve com você? - perguntou a enfermeira examinando a pele dela.
- Acho que foi o sabonete e estou sem antialérgico.
- Hummm. Deve ser, até porque aquilo não é sabonete. É sabão mesmo. - Cochichou evitando que a inspetora ouvisse.
- Isso explica muito.
- Vou te dar um comprimido agora, mas tem que esperar até amanhã, pra doutora te receitar está bem? - trouxe um copinho com o remédio e outro com água.
- Hunrum.
- Até amanhã então.Quando voltou ao quarto, seus lençóis estavam na sua cama. Arrumou tudo mais uma vez e finalmente se deitou. O antialérgico provocou um sono pesado. Só acordou no meio da madrugada, totalmente perdida. Aos poucos, aos sentar na cama, conseguiu se lembrar de onde estava.
Lembrou que sequer teve espaço pra chorar a perda dos seus pais. Pensou no quanto foi idiota ao tentar voltar pra escola e fingir que tudo estava bem, quando eu coração estava em pedaços.
" Onde estará o Eric agora?"
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Órfãos
RomanceEssa obra conta a vida de 2 órfãos praticamente sem familiares e interdependentes. Envolve amizades, paixões, segredos. Enfim, espero que Eric e Aline chamem muito a sua atenção à sua história. Boa leitura 😘