Poucas opções

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Antes das cinco da manhã, Aline já estava de pé. Arrumou a cama dos pais e foi direto pro banheiro fazer sua higiene matinal que incluía um banho quente.
"Tenho que desligar esse chuveiro pra economizar energia!"
Bateu na porta no irmão.
- Que foi?
- Posso entrar?
- Entra.
Eric ainda estava na cama. Sem camisa, vestia um shot de malha leve preto.
- O que faz de pé tão cedo?
- Estou ansiosa demais pra dormir. E você? - sentou-se ao seu lado.
- Peguei no sono a poucas horas.
- Você já pensou que talvez precisemos de um plano B?
- Já.
- No que você pensou?
- Falta você primeiro.
- Não pensei em nada.
- Duvido. - esfregou o rosto e os cabelos negros.
- Eu não quero ir pro abrigo.
- Nem eu.
- E se a tia não ficar com a gente?
- Tem uma grande probabilidade.
- Eu acho que a gente deve vender o que puder de móveis e eletrodomésticos e ficar só com o mínimo necessário, então a gente vai embora.
- Como assim?
- Sei lá, a gente pode mudar pra um bairro desconhecido, a cidade é grande. Só até você fazer aniversário.
Eric começou a rir.
- Eu não estou brincando.
- Eu sei, sua maluca!
- Pelo menos tenho idéias. - Deu um tapa no braço dele.
- Aí!
- Para de rir!
- Tá. Olha, pode parecer uma saída, mas você tem que estudar, se fizermos isso, ficará como em cativeiro.
- Não ligo.
- Sim, mas eu ter 18 anos não será suficiente pra merecer sua tutela pirralha. Já tentei te explicar isso várias vezes.
- Eu só quero ficar com você. Posso dizer isso a eles, precisam me ouvir.
- Olha. Me escuta que eu vou falar sério agora. - Eric se sentou e segurou os braços dela. - Talvez você precise ficar um tempo lá, mas é só até eu conseguir um emprego...
- Não!
- Me escuta! Não seja mimada. Eu preciso de uma renda pra poder cuidar de você.
- Mas eu vou receber uma pensão quando tiver um. Tutor.
- Ainda assim, não será suficiente. A pensão deve ser entendida como a garantia do seu sustento e não de nós dois.
- Eric!
- Pirralha, eu prometi a eles que cuidaria de você e vou manter minha promessa.
Aline o abraçou.
- Eu acredito em você.
- Que bom. Agora deixa eu me arrumar e ir preparar nosso café.
- Tá, eu vou dar uma ajeitada na sala. Precisamos causar boa impressão.

Faltavam 10 minutos pro horário marcado e nada da tia, nem dos visitantes. Aline estrada inquieta.
- Acha que devo ligar pra ela? Pode ter esquecido.
- Melhor não. Fique calma.
- Não dá.
Finalmente a campainha tocou. Os dois corações aceleraram.
- Deixe comigo. - Eric se adiantou. Foi até o portão e lá estava uma senhora de cabelos negros( muito bem tingidos), óculos escuros marcantes. Nariz empinado.
- Seja bem vinda.
- Eric. - A velha entrou após examinar o garoto de alto a baixo.
- Oi tia, que bom que veio!- Aline a recebeu animada.
- Não garanto nada, vim mais pra ver como você está. - olhou a sala em volta como se estivesse examinando um possível tesouro.
- Sente-se.
- Obrigada. Meus pêsames pelos seus pais.
- Obrigada tia.
- Onde está a caminhonete? Da última vez que vi sua mãe, ela dirigia uma.
- Ah, meu pai vendeu pra pagar umas contas. - Contou Aline.
- Eu soube da empresa, me surpreendeu ter durado tanto. - desdenhou.
- A senhora aceita um café. - Aline se levantou disposta a buscar.
- Não, obrigada. Só tomo café descafeinado.
- Ah, não temos desse.
- Estou bem. Espero que eles não demorem muito, se é que vem. Tenho compromissos em breve.
- Acho que chegaram, ouvi carros lá fora. - Comentou Eric. Em instantes ouviram a campainha.
Entraram dois membros do conselho tutelar e uma assistente social.
Foram recebidos e devidamente apresentados.
- Então a senhora é tia dos jovens? - Questionou a assistente.
- Sim. De longa distância, eu era tia da Alessandra. - Respondeu a velha.
- Muito bem, conforme notificamos no dia de ontem, viemos fazer uma entrevista com os responsáveis pelos menores visto que seus pais se ausentaram teremos de tomar novas providências de modo a assegurar os direitos fundamentais dos mesmos, tais como alimentação, saúde, educação, segurança e lazer.
- Na verdade, sua notificação de dirigia diretamente a nós. - Aline não deixou passar.
- Nos desculpem se pareceu dessa forma. Apenas nos pareceu que estivessem sozinhos.
- Sei bem quem fez parecer isso!
- Aline! - Seu irmão chamou sua atenção.
- Então, agora faremos algumas perguntas a senhora, pode ser? - a mulher voltou a se dirigir a tia.
- Na verdade, eu quero fazer umas perguntas.
- Claro! Fique a vontade, estamos aqui pra isso. - A mulher usou um tom mais simpático ao perceber o nível da senhora a sua frente.
- Partindo do ponto em que estamos, quais seriam os próximos passos?
- Então, nessa entrevista buscamos verificar o grau de parentesco entre a senhora e os menores, a sua condição física e econômica de cuidar dos dois e se tem interesse em pedir junto ao juiz a tutela dos mesmos.
- E quais minhas obrigações caso eu tenha interesse?
- A senhora deve garantir os direitos já mencionados aqui, bem como gerir todos os bens deixados aos herdeiros. Será tudo de sua responsabilidade até que atinjam a maioridade.
- Eu vou receber algum tipo de pensão?
- Certamente sim Aline. - Respondeu a assistente. - Nós no momento só estamos preocupados em garantir sua segurança e bem estar. O seu tutor ou tutora é quem deve cuidar dessa parte.
- Entendi.
- Então, podemos fazer as perguntas ou a senhora ainda tem alguma dúvida.
- Siga em frente.
Foram feitas dezenas de perguntas sobre a vida econômica da senhora, algumas sobre sua saúde, de ferro por sinal. Também perguntaram ao irmãos sobre sua rotina e seu relacionamento com a tia.
- Muito bem, por enquanto é isso. Em uma semana entraremos em contato com a senhora pra dizer se está apta ou não a pleitear a tutela dos seus sobrinhos. Até lá pode continuar cuidando deles normalmente.
- Claro. Muito obrigada.

Eric foi levar os visitantes até o portão e os assistiu entrar no carro e partirem.  Nesse breve espaço de tempo um carro parou bem na frente.
- Senhor Heitor Silva mora aqui.
- Sim senhor.
- Pode chamá-lo por favor.
- Na verdade não. Ele faleceu no último sábado.
- Eu sinto muito. Você é filho dele?
- Sim.
- Eu sei que a hora não é muito apropriada, mas eu tenho comigo uma ordem de despejo.
- O que?
Aline chegou instantes depois.
- Isso mesmo, seu pai já estava ciente de que a hipoteca seria executada, eu mesmo trouxe a notificação.
- O senhor pode entrar e nos explicar direito? Minha tia está conosco.
- Claro. Licença. - O homen entrou e os irmãos o acompanharam.
- Outra entrevista? - Indignou-se a velha que só estava esperando a assistente ir embora para que fosse também.
- Na verdade não tia. - Disse Aline.
- Senhora, eu não trago boas notícias.
- Vá em frente. - A velha foi firme.
- Tenho uma ordem de despejo expedida pelo juiz.
- Como assim? - Ela se levantou assustada.
- O senhor Heitor tinha muitas dívidas, principalmente com a união. Por consequência o juiz decretou bloqueio das contas bancárias e despejo como execução da dívida.
- Mas não podem fazer isso! Foi tudo que restou aos dois.
- Sinto muito senhora, mas a lei assegura que em caso de morte, as dividas devem ser cobradas até o valor total do patrimônio. Se não fosse assim, vocês ainda teriam contas por longos anos.
- Meu Deus! - Eric coçou a cabeça. Aline enfiou todos os dedos das mãos nos cabelos.
- Estamos perdidos. - Exclamou Aline.
- Lameto muito. Só estou fazendo meu trabalho.
- Nós entendemos. - Eric recebeu o documento e despediu o homem.
- Vou averiguar isso com meu advogado.
- Obrigada tia.
- Eu ligo assim que tiver uma resposta. Agora tenho que ir. Se cuidem.
- Tá.
Aline se jogou no sofá com a cabeça jogada para trás e cobriu o rosto com as mãos. Chorou compulsivamente. Eric sentou ao seu lado e esperou que ela se controlasse.
- E agora?
- Temos poucas opções pirralha. A assistente volta em no máximo uma semana. A ordem de despejo é pra daqui sete dias. A tia pode não querer a gente...
- Claro que quer, por que viria até aqui e responderia a todas aquelas perguntas idiotas?
- Não te parece claro? - Ergueu uma sobrancelha.
- Pela herança? Mas ela já tem tanto?
- Dinheiro Pirralha. Quanto mais se tem, mais de quer.
- É o fim da linha.
- Talvez seja a hora de eu procurar um lugar pra alugar.
- Vamos fugir?
- Não é essa minha intenção de cara. De qualquer forma precisaremos de um lugar pra colocar nossas coisas. Se formos com a velha, não poderemos levar nada, se for pro abrigo muito menos, e aqui já não é nosso.
- Tem razão. Não quero me desfazer disso aqui. Esse sofá me lembra tanto o nosso paizinho tirando uma soneca depois do almoço.... Essa garaffa de café, a cama deles... As cortinas... O bibelôs...
- Temos que levar o básico. Não poderemos pagar por mais que um quartinho.
- Eu nem acredito que está tudo desmoronando nas nossas cabeças.
- No fim, ficaremos bem. Veja tudo isso como um processo.
Eric a abraçou.

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