Só a garota

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Um ano diferente

— Já atravessei de um país a outro de canoa!
— Você está mentindo!— Dizia Luiza. É mentira! Ela quer se aparecer, não acredita não!
Luiza não se conformava que Anita estivesse ali no centro dos amigos todos contando vantagens.
— Mas é verdade, Anita insistia.
Afinal qual era o motivo da discussão?
Ahhh, aconteceu o seguinte:

Uma canoa fazia a travessia do rio que separava as duas cidades com o mesmo nome. De um lado era um país e na outra margem era outro. Na verdade aquela era uma viagem internacional.

Pela rotina preguiçosa do canoeiro naquele vai e vem diário, a poucos centavos por viagem, nem ele e nem os passageiros davam importância ou sequer notavam isso.

Mas a menina não. Ela atribuía àquela travessia o valor que ela sabia que deveria ter.

Imaginem, ela estava fazendo uma viagem de canoa de um a outro país! Uma viagem internacional!

Sendo assim, essa viagem mensal era disfarçadamente esperada.

Disfarçada porque caso a megera de sua tia soubesse que aquela viagem era importante para ela, talvez não a levasse mais.

E o que as levava para o outro país? Compras, não sei qual o motivo, mas as produtos do país vizinho eram muito, mas muito mais em conta, acredito que isso tivesse a ver com a moeda local.

Para a garota tudo era novidade, o armazém de secos e molhados, com tantas mercadorias, as bolachas chamadas de "galhetas", azeite de oliva, manteiga a granel, grandes sacos de grãos como arroz, milho, feijão, uma fartura que a garota não conhecia e que a surpreendia.

As compras eram arrumadas em caixas que depois seriam levadas por um carregador para a beira do rio, onde seriam colocadas na canoa para a viagem de volta.

Antes passariam ainda noutra loja, essa de tecidos, depois no açougue e por fim, as compras eram dadas por encerradas.

Em todos os lugares ela percebia que a sua tia-avó era uma cliente reverenciada, provavelmente pelo valor de suas compras. E isso reforçava nela a certeza que sua tia-avó, de fato seria uma megera. Coisas da cabeça dela.

Essas "viagens" aconteciam uma vez ao mês, e ninguém imaginava o quanto a garota esperava por esse acontecimento. Era a primeira visão de mundo que ela teve. Anita foi morar um ano com aquela tia da sua mãe, que era poderosa, mas era temida tanto pela garota, como pela jovem enteada que sofria como a gata borralheira na mão da madrastra má.

Foi para aprender bons modos , aprender a bordar e ter traquejo social, como era esperado das mocinhas da sua idade. Acredito agora que seus pais tinham muita expectativa na garota. E que pela quantidade de filhos e a vida simples em sua casa, ela não teria essa oportunidade.
Engaiolar um pássaro que ja foi livre nao é facil, por mais que o pássaro se encante pela sua gaiola. Sendo assim ela aprendeu os pontos mais simples do bordado com a tia, com a enteada da tia aprendeu como arear panelas com cinzas, colocou os netos da tia em suas brincadeiras de garota com muitos irmãos, subir em arvores, caçar passarinhos, trouxe uma cicatriz na perna ao cortar num latão pontiagudo, e incomodou por saber a tabuada de matemática e tirar notas melhores que os netos de sua tia-avó!

Era demais para aquela senhora aristocrática e severa! Gentilmente, ao acabar o ano letivo a tia levou Anita de volta para sua casa e encerrou-se o periodo da "educação" da garota.
Para ela tudo estava bem pois, sempre amou sua casa e sua familia, passou um ano de novidades e o mais importante só ela sabia: fez várias viagens internacionais naquele ano! E de canoa! Já tinha historias para contar!
— Luiza, você  não sabe de nada! — dizia Anita
E nesse caso ela tinha razão.
"O rio Apa é um curso de água que banha parcialmente a fronteira entre o Brasil e Paraguai"  e essa travessia eram realmente feitos de canoa. Quando chovia na cabeceira do rio, e as águas ficavam caudalosas, o trânsito era interrompido por dias e dias até que as águas abaixassem. Então recomeçariam as travessias de um país a outro."
— De canoa, sim senhora—insiste Anita!

Contos da Quarentena2 AMAZONOnde histórias criam vida. Descubra agora