Mais um dia amanhece. Mais um dia para alimentar um bebê, duas meninas de três e cinco anos, um garoto de 12 e um de 14 anos, além dela, Anita, a mãe das meninas e do bebê .
A criançada acorda animada, vão todos para a cozinha e ela prepara o leite em pó, divide as bolachas de água e sal, passa manteiga e distribui entre todos. Enquanto eles comem Anita dá uma conferida na caixa que guarda os alimentos e faz mentalmente a conta de que só teriam comida para mais dois ou três dias.Mas agora com todos já alimentados é hora de distrair as crianças.
— Vamos pessoal, vamos brincar de colheita!
— Como assim? — pergunta os garotos. Anita diz:
— Vão lá dentro calçar seus tênis e calcem sapatos nas meninas e venham aqui.
Eles correram já alvoroçados com o que quer que viria pela frente. A beleza de ser criança é isso, a alegria de viver, a inocência, a disposição para o inesperado ou desconhecido.
Antonio era irmão de Anita e como o mais velho do grupo chamou todos para fazer o que sua irmã mandara.
Leoncio, o de 12 anos morava com ela porque seus pais moravam longe e ele precisava ser alfabetizado, pois sempre morara na roça.
Era o mais esperto, pela própria vivência que tivera em uma vida mais solta, mais simples, sem obrigações a não ser andar pelos arredores, tomar banho de córrego e voltar para casa só à noitinha. Sendo assim ele era o mais preparado para o que Anita propunha.Todos prontos, o bebê no carrinho e eles descem o terreno, passam por um primeiro arame que delimitava o quintal da casa e seguem para um terreno em declive onde outrora fora horta e tivera plantações de batata doce, mandioca, abóbora, e na parte mais baixa do terreno até arroz havia sido plantado.
Anita para com o carrinho, pega o bebê no colo e anima os meninos para que desçam olhando para o chão e procurando um pé de mandioca que pudesse ser arrancado, seguisse as ramas dos batatais e vissem se havia batatas e o que quer que fosse que eles encontrassem.
As meninas ficaram ali por perto e quando eles faziam suas descobertas, elas iam correndo buscar o que eles estavam colhendo.Foi mais ou menos uma hora no que as crianças achavam que era brincadeira. Jamais que eles tinham noção de quão sério era o que estavam fazendo. Juntaram tudo e subiam animados, pela aventura vivida.
— Eu que vi aquela abóbora, você passou por ela e nem viu — dizia Leôncio. Já Antonio se vangloriava de ter arrancado as batatas com as mãos, e as meninas também contando que ajudaram a ver que tinha até um ninho com ovos.Voltaram para casa, Anita deu um banho no bebê e o colocou para dormir e as crianças foram brincar.
Que benção pensou Anita com os achados! Se não fosse a"colheita" o almoço seria arroz com feijão. Ela cozinhou a mandioca e como tinha leite em pó e manteiga fez um delicioso purê de mandioca, fritou os ovos e na hora do almoço a mesa estava farta.
E todos alegremente ainda comentando sobre as peripécias da manhã.A noite com todos dormindo Anita pensava: Meu Deus o que seria de nós se a tia não tivesse trazido essa caixa com uns mantimentos? O arroz, o feijão, o óleo, o leite em pó, os biscoitos, a manteiga tinham sido trazidos numa caixa pela tia que imaginou como ela estaria se virando. Mas já se passara uma semana e as compras iam acabar. Por isso a procura por alimentos na horta abandonada.
Passou-se mais dois dias e aí sim seria o derradeiro dia em que os mantimentos acabariam.
Anita acorda com o peito apertado, mas não tem com quem ela dividir sua angústia. Nessa época Anita tinha só vinte anos, uma garota ainda, mas já tinha três filhas. Três meninas loiras de olhos verdes azulados, que eram a razão da sua vida. Ela não sentia cansaço, nem desânimo, porque não tinha tempo para isso. Antonio, o irmão era seu xodó, e quando acabava as aulas ia para sua casa. Já aprendera a viajar sozinho só para ir junto dela. Por isso ele estava ali nessa ocasião. Embora com 14 anos era uma criança ainda, feliz de estar ali passando suas férias.Aos vizinhos ela morreria de vergonha de pedir alguma coisa.
Sua tia já trouxera um pouco de alimentos e com a discrição natural dos ricos não lhe perguntara o que ela pensava fazer. Então era ela e seu coração.
E ali morava sua força. Dentro dela existia uma certeza, uma clareza de que algo bom a tiraria daquela situação. Embora preocupada Anita tinha Fé.
Ahhh, que coisa boa é ter fé! Não a fé cega de quem espera cair do céu. A fé que traz boas ideias, que mostra o caminho, como foi o caso da colheita.Amanhece, todos acordam e mais uma vez Anita prepara o que seria o último café para as crianças e, enquanto eles comem ela abre a porta da cozinha que dá para o quintal. Minha Nossa Senhora, o que é isto? As galinhas esfomeadas avançam sobre ela, aos montes, quase a derrubando, porque o milho delas já havia acabado, quando uma luz se acende em sua mente! As galinhas! Como ela não pensara nisso?
Meu Deus, ela chora e ri ao mesmo tempo e chama os meninos com força: — Antonio! Leoncio! Venham cá!
Pois então!
As galinhas mudaram o rumo do que não tinha rumo!
A jovem mandou que os meninos fossem a um restaurante que ficava na saída da cidade que, por coincidência chamava-se Galinha Caipira, e o prato principal eram as galinhadas servidas aos seus fregueses, os caminhoneiros. Anita instruiu os meninos para que
dissessem à proprietária que ela tinha galinhas para vender por preço x mas só venderia o lote todo.Os meninos voltaram animados com a venda feita e começou a caça as galinhas, que eram pegas, amarradas e colocadas num cabo de vassoura.
Antonio pegava numa ponta do cabo e Leoncio na outra. Oito viagens depois eles haviam vendido quarenta galinhas! Deus é mesmo maravilhoso! Até aquela manhã não havia luz no horizonte!Em poucas horas tudo estava resolvido, as providências todas tomadas, o pouco de coisas que ainda havia estava encaixotado e guardado no galpão da vizinha, Leoncio voltara para sua casa e a chave da casa de Anita foi entregue a locadora.
Aquela noite as 20:00 hrs estavam dentro do ônibus, Anita, suas três crianças e seu irmão Antônio.
Para onde? Para a casa dos seus pais, o seu porto seguro. As crianças ainda felizes por aqueles dias que elas achavam que era uma aventura das férias de Antonio. E Anita com um terno sentimento de gratidão as suas galinhas!
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Contos da Quarentena2 AMAZON
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