— Já vamos brigar novamente, diz a idosa!
— Não! Não é briga diz a garota! São pontos de vista!
— Hã? Que esperta diz a idosa.
Muito bem pensado. Já que elas ocupam o mesmo espaço, embora a física diga que dois corpos não ocupam o mesmo espaço, fez muito bem a garota em achar uma boa expressão para a implicância que uma tem com a outra.
E só dar um tempinho para a idosa, que a garota vem perturbar. Mas quem disse que ela (a idosa) não gosta? Ela gosta muito, porque não há nada mais estimulante que discutir pontos de vista diferentes, ainda mais quando esse bate-papo vai fazer bem a ambas.
E qual é a discussão da vez? Vocês não imaginam o quanto de assuntos podem gerar esses embates. Agora neste momento a garota tenta que seu argumento vença. Ela diz:
— Porque você ouve pela milésima vez a história de como sua prima chegou em Campo Grande e seus pais a acolheram e ajudaram lá em 1975?
— Porque você não a interrompe e diz que já sabe disso de cor e salteado?
Aí a idosa diz:
— Porque eu estava lá. Eu vi tudo. Só não vi o quanto aquele gesto teve tão forte significado na vida dela.
— Então você estava lá? Sim, diz a idosa. — Eu também recém tinha chegado do interior, mas para mim, casa de pai e mãe é ninho, e em ninho você encontra calor, comida e acolhimento. Então para mim tudo estava normal!
— Hum, diz a garota. Não entendi. Ahh, diz a idosa:
— Aí é que está!
— As vezes só outra pessoa é capaz de nos mostrar o quanto somos abençoados, o quanto temos apoio, e o quanto isso é importante.
— E? diz a garota.
— É que eu gosto quando ela conta que meus pais a ajudaram, porque ela me relembra o quanto eu era privilegiada em ter pais tão especiais! Talvez se ela não falasse eu não teria essa percepção. Porque você sabe, diz a idosa, filhos sao abusados.
— Poxa, diz a garota, você não é deste mundo!
— Vou me recolher... preciso pensar!
— Vai, diz a idosa ajeitando seu travesseiro para tirar uma soneca, com um sorrisinho maroto.
E sem perceber a garota também adormece sorrindo! Ótimo, elas precisam mesmo descansar!
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Contos da Quarentena2 AMAZON
Short StoryFatos, lembranças, bobeiras, cotidiano, reflexões