Adormeci, mas logo fui despertada por Lucas, que insistia em querer conversar.
"Qualé, logo agora?" Pensei.
Eu nunca o tinha visto bêbado, mas não era difícil reconhecer aquele comportamento. Afinal, eu mesma já agi daquela forma. A bebida foi meu refúgio por tanto tempo, mas agora… nem faz mais diferença para mim.
— Sobre o que quer conversar?
— Você não parece feliz comigo aqui. E eu te amo tanto.
— Você está bêbado. É terça-feira ainda. Cê começa cedo, né?
— Só tomei duas cervejas depois do serviço. Estou tentando processar tudo isso. Nós casamos, sabia? E você não respondeu minha pergunta.
— Casamos, é? Haha. Calma, que também não é assim. E não foi uma pergunta, mas estou feliz, sim. Só cansada. Me dá um tempinho.
— Tá bom... O que a Manu fazia aqui? Sua mãe me contou algumas coisas sobre ela. E todos estão comentando.
— Ela é minha amiga. Não me importo com o que falam, e você não devia perder tempo com fofocas. Podemos dormir?
— Tudo bem.Mas a verdade é que eu nem sabia o que estavam falando. Me afastei de todos há tanto tempo que até as fofocas não me alcançavam mais. Não que isso fizesse diferença… Mas será que ela era mesmo lésbica?
Suspirei. Isso não importava. Se um dia tivéssemos que falar sobre isso, seria diretamente entre nós. Nossa amizade não tem nada a ver com quem ela se relaciona ou deixa de se relacionar. Eu sou hétero desde sempre, mas tenho amigos gays, e isso nunca foi um problema para mim.
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Acordei por volta das 10h. Por instinto, procurei meu celular na cabeceira da cama, mas ele não estava lá. Virei os travesseiros, chequei ao redor e nada.
Levantei e encontrei Lucas na cozinha, com uma xícara de café em uma mão e meu celular na outra.
— O que cê tá fazendo com meu celular?
— Bom dia pra você também. Dormiu bem?
— Bom dia… Sim. E???
— Acordei e vi ele tocando. Sua amiguinha te mandou mensagem.Ele olhou para o celular e fez questão de ler em voz alta, com um tom sarcástico:
— "Bom diaaaaa. Topa ir ao cinema? Acho que você precisa se distrair e tem um filme que estou muito a fim de ver."
Fechei os olhos por um segundo, tentando conter a irritação.
— Você não tem o direito de pegar meu celular assim. O que há de errado com você? Mal chegou e já tá desse jeito?
— Nossa, precisa ficar brava assim? Cê tá escondendo alguma coisa, por acaso, pra eu não poder mexer no seu celular?
— Faça-me o favor!
— Desculpa. Não quero brigar… Vem tomar café comigo.
— Tô sem fome. Vou banhar.Me virei em direção ao banheiro.
— Posso pedir uma coisa?
— Diga.
— Não vá com ela.
— Lamento, mas quero ir sim. Preciso sair dessa casa. Vai ser bom me distrair... Devolva meu celular, por favor.
— Acho que você gosta de me contrariar. Mas tudo bem, não falo mais nada.Fechei a porta do banheiro e liguei o chuveiro.
Eu não entendia como podíamos ser tão incompatíveis. Esse era um dos motivos pelos quais eu queria terminar. Mal começamos a namorar, e ele já agia como se eu fosse sua propriedade.
Não acredito em amor repentino, mas ele dizia que me amava. Isso era estranho para mim. Não que ele fosse uma pessoa ruim, nem era o caso, mas eu já estava completamente desacreditada desse lance de amor.
Sempre fui aquela garota que se jogava de cabeça nas relações, mas nunca era correspondida da mesma forma. Me sinto tão quebrada por dentro que nem sei se já amei alguém de verdade… ou se ainda vou querer isso um dia. Talvez o problema, afinal, seja apenas eu.
Sentei no chão, deixando a água cair sobre mim. Trinta minutos se passaram, e eu ainda estava lá, tentando organizar meus pensamentos.
Será que estava sendo injusta? Ele veio com a intenção de ajudar, e eu estou reagindo assim? Mas era tão difícil não me irritar com qualquer atitude dele.
E por que tanta implicância com Manu? Ele mal a conhecia!
Suspirei. Lembrei do celular e levantei. Precisava responder a mensagem dela.
"Super topo! Que horas?"
Sentei na cama e encarei o espelho.
Autoestima zero.
Não que eu me achasse feia ou que dissessem isso de mim. Mas olhar para o próprio reflexo e ver todas as marcas... era lastimante. Principalmente porque todas elas estavam ali por minha própria culpa.
Tenho 1,56m de altura e 48kg. Às vezes, me sinto uma Smurfette. Mas a maior atração do meu corpo não eram os meus traços… e sim as cicatrizes. Nada que um moletom largo não escondesse.
Meu celular vibrou.
"Às 16h. Passo aí pra te buscar."
Senti uma pontada de animação. Finalmente algo me dava vontade de sair de casa.
Lucas entrou no quarto e me abraçou por trás.
Eu sabia que ele estava tentando. Mas nem os abraços dele me faziam querer ficar ali.
Me afastei e fui procurar uma roupa.
— Vamos ao cinema só nós dois. No fim de semana. Já que você quer sair. Quero passar mais tempo com você. Não vá hoje.
— Podemos ir sim… Mas ainda quero ir hoje. Cê não disse que não falaria mais nada?De repente, ele se afastou e me encarou com um olhar carregado de raiva.
— MAS QUE PORRA É ESSA? PRESTA ATENÇÃO: VOCÊ AGORA É MINHA MULHER E NÃO QUERO TE VER ANDANDO COM SAPATÃO POR AÍ!
O surto repentino me pegou de surpresa. Meu coração acelerou. Por um segundo, tive medo dele.
Mas não demonstrei.
Desviei o olhar e continuei me vestindo, tentando ignorar a ira que se formava dentro de mim. Eu não podia perder o controle.
Mas ele não parou. Trancou a porta e segurou meu braço com força.
Meu estômago revirou.
— Me solta. Você tá me machucando! — exigi, minha voz baixa, mas firme.
— Você me deixa maluco…
Ele soltou meu braço, deslizou a mão pela minha cintura e me beijou.
Mas eu não senti nada. Absolutamente nada. Apenas repulsa.
Me afastei. Ele entendeu o recado e recuou.
— Vou me arrumar para ir trabalhar — murmurou.
Assim que ele saiu, desabei na cama, encarando o teto.
Os minutos passaram até que meu celular vibrou novamente.
15h05.
Levantei apressada e fui me arrumar. Mandei uma mensagem para minha mãe, avisando que sairia.
Quando deu 16h, ouvi a buzina.
Ela havia chegado.
E, pela primeira vez em muito tempo, eu queria estar em outro lugar.
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PUTZ! Me Apaixonei Por Uma Garota
Teen FictionNatália é uma garota de 25 anos que sofre de ansiedade e depressão, decorrente de inúmeras desilusões e frustrações na vida. Após uma tentativa de suicídio, sua vida tem uma brusca reviravolta, principalmente quando se vê envolvida em um relacioname...