Aquele foi um dia como qualquer outro: mais um dia para acumular meu ódio por ter nascido. Mais uma vez acordo de madrugada assustado, ouvindo meus pais discutirem furiosamente. Logo em seguida objetos estavam sendo arremessados e quebrados. Então já sabia que minha mãe corria perigo. Corri para socorre-la. Ignorando a minha idade e minhas fraquezas, utilizando apenas o amor que tenho por ela como força. Parti pra cima de meu pai que a espancava, empurrando ela para trás e expondo o meu próprio corpo como escudo para ela.
Irritado meu pai me deu um soco.... A última lembrança que tenho desse episódio é de sua mão vindo em direção ao meu rosto...
Acordei no hospital, de manhã, com a cabeça enfaixada ao meu lado minha mãe aguardava eu acordar, debruçada em meu corpo dormindo, também toda machucada... Ela acordou com um susto, assim que eu acariciei delicadamente seus cabelos. Quando ela levantou a cabeça, fiquei muito chocado ao ver o rosto dela: um de seus olhos estava muito inchado e roxo e tinha pontos por todo o rosto. Comecei a chorar não só de tristeza, mas a raiva também fazia parte das minhas lágrimas. Não tinha raiva só de meu pai, tinha raiva também de mim, pois me sentia inútil por não conseguir defende-la e ainda dar mais trabalho para ela.
Ao me ver chorar, não esboçou reação em seu rosto machucado, apenas acariciou minha cabeça:
-Você é doido, moleque! - Me falou com o jeito de garota dela.
Depois ela ficou em silêncio me olhando nos olhos como se quisesse dizer alguma coisa. Seu silêncio foi interrompido pelo médico que a chamou. Ela, com uma expressão preocupada, se levantou e foi até o médico que a aguardava do lado de fora do quarto.
Era possível ver as silhuetas deles na pequena janela de vidro fosco da porta. Era difícil escutar o que estavam dizendo, mas era possível perceber que, o que o médico estava falando para minha mãe a incomodava muito...
Estava muito curioso para saber o que acontecia. Me levantei devagar para não fazer nenhum barulho. A cama era muito alta para mim, precisaria de algo para me ajudar a descer, olhei a minha volta e encontrei a cadeira onde mamãe estava. Ao tentar colocar um de meus pés na cadeira, percebi que o soro que estava em meu braço se esticou. Retirei ele, deu uma pequena dor e uma sensação de angústia, deixei ele vazando e continuei a minha tentativa de fuga da minha cama. Quando coloquei os meus dois pés na cadeira, ela deslisou. Por pouco não caio no chão e faço um estrondo!! Ainda bem que, com meu reflexo, agarrei na grade da cama. Meu corpo estava todo esticado entre a cama e a cadeira, tive que usar muita força para arrastar a cadeira de volta para perto da cama. Com a cadeira já bem próxima consegui subir nela e então descer discretamente no chão. Do chão, olhei para a cama, fiquei espantado em saber o quanto ela era alta!! Foi uma façanha descer dela!!
Logo, fui próximo à porta para ouvir a conversa:
-Anna!! Você tem que me ouvir!! Seu filho está correndo perigo se ficar em sua guarda! É a terceira vez que seu filho vem parar no hospital tentando te defender do pai!! É uma criança apenas!! Vai acabar morrendo!! Fuja com ele pra longe da casa do pai dele!!
Mamãe chorando respondeu:
-Não posso!! Não posso!! Ele vai me encontrar onde quer que eu vá!! E você conhece meu histórico!! Eu não vou conseguir emprego, eu dependo dele para comer!!
Então o médico falou:
-Então você deve entregar seu filho para o orfanato, assim ele ficará seguro e terá uma vida melhor.
Percebi que ela parou de discutir e ficou pensativa. Logo, entendi que a intensão dela era de concordar com o médico e seguir sua orientação. Não podia ficar parado ouvindo isso!! Não queria que ela ficasse sozinha com aquele monstro!! E eu não queria ela longe de mim!! Eu a amo demais!! Preciso dela!!
Não pude me conter!! Puxei a porta bruscamente e falei bem alto:
-NÃO MAMÃE!! VOCÊ NÃO VAI ME ABANDONAR NO ORFANATO!! NÃO QUERO QUE VOCÊ FIQUE SOZINHA COM AQUELE MONSTRO!! EU VOU FAZER DE TUDO PARA TE AJUDAR!! E EU NÃO SEI O QUE VAI SER DE MIM SEM VOCÊ!! EU TE AMO!!
Os dois estavam impressionados com a minha ação repentina. Minha mãe irritada falou:
-GABRIEL!! VOCÊ ESTAVA OUVINDO A NOSSA CONVERSA, SEU INTROMETIDO!?
Furioso respondi:
-OUVI TUDO E NÃO VOU PERMITIR QUE VOCÊ FAÇA ISSO!!
O médico me pegou no colo e me levou de volta pra cama sem dizer uma palavra, enquanto minha mãe me olhava brava, mas ao mesmo tempo preocupada, sem saber o que fazer. Em seguida, o médico retirou a cadeira de perto da cama e certificou-se de que não haveria como sair de lá novamente. Voltou para fora do quarto, onde minha mãe estava e continuaram o que estavam conversando.
Aflito aguardava qualquer resposta. Temia o pior, não queria que minha mãe me abandonasse. Então continuei a observar aquele vidro opaco da porta, prestando bem atenção nos gestos das sombras e imaginando o que estavam dizendo...
Não pareciam mais estar discutindo... Mamãe permanecia de braços cruzados, somente o médico gesticulava, aparentemente explicava algo a ela...
A tensão estava me matando!! Não quis mais olhar as sombras deles, então me virei... A raiva deu lugar a uma grande angústia e as lágrimas começaram a molhar meu travesseiro. Depois de muito tempo, adormeci.
Não abri os olhos, mas podia escutar o barulho de um motor... Um motor de um automóvel grande, um ônibus!! Acordei desorientado!! Estava no banco de um ônibus com a cabeça no colo de minha mãe. E ela disse, com um sorriso desanimado, tentando disfarçar sua tristeza:
-Até que enfim você acordou, tampinha!!
Ainda estava bravo. Sem responder, virei a cara. Apesar disso, com uma serenidade na voz ela disse:
-Não vou te levar para o orfanato não...
Irritado respondi:
-MENTIRA!! EU NÃO CONFIO EM VOCÊ!! VOCÊ QUER SE LIVRAR DE MIM!!!
Com minha atitude malcriada, ela perdeu a paciência, me agarrou pelos braços, olhou profundamente em meus olhos e disse:
-ESCUTA AQUI!! EU NÃO AGUENTO MAIS TE ENVOLVER EM UM PROBLEMA MEU!! VOCÊ NÃO TEM NADA A VER COM AS BRIGAS MINHAS E DO SEU PAI!! NÃO TINHA QUE ESTAR SE INTROMETENDO!!
-EU ACHEI UMA BOA IDEIA A DO MÉDICO, PORQUE EU NÃO QUERO QUE VOCÊ SE MACHUQUE MAIS!! EU POSSO ENCARAR ELE SOZINHA!! ALÉM DO MAIS, O QUE UM MOLEQUINHO PODE FAZER CONTRA UM HOMEM ADULTO!?
Abaixei minha cabeça, pois não tinha como retrucar... Era verdade.... Ela continuou:
-Você vai me ajudar muito mais se ficar afastado dessa encrenca!!
Chorando e com uma rouquidão na voz falei:
-Então você vai me entregar para o orfanato?
Ela respondeu:
-Por causa do seu "showzinho" não... Vou te matricular no jardim de infância que o médico indicou... A escolinha que se chama Bebê Dragão... Ele vai me ajudar com as despesas. Tudo para proteger você....
Emocionado a abracei:
-Muito obrigado mãe!! Eu te amo demais!!
Olhei para seu rosto triste, seus olhos, que geralmente eram sem vida, pela primeira vez pude vê-los brilhar e um pequeno sorriso nasceu em seu rosto:
-De nada, meu anjinho!!
Quebrando o gelo perguntei:
-Mãe! Eu dormi na cama do hospital.... Como vim parar aqui no ônibus?
Zombando de mim, ela respondeu:
-O médico te deu alta. Você estava tão bonitinho dormindo, que eu não quis te acordar! Daí eu te trouxe no colo até aqui!!
Irritado respondi:
-AAAAHHH!!! QUE DROGA!!! VOCÊ ME FEZ PASSAR A MAIOR VERGONHA!!!! NUNCA MAIS FAÇA ISSO!! ME ACORDA DA PRÓXIMA VEZ!!
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Sua Irmã é Um Anjo
ContoÉ a história de uma garota chamada Sarah, que morre em um atropelamento e volta como espírito para tentar ajudar as pessoas que ama a superar a sua morte.