Capítulo um

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Capítulo Um

          Era uma vez... Sim, era uma vez. É um clichê, de que outra forma eu começaria?

          Como em todos os contos de fadas e histórias para crianças dormir, essa começa assim. Porém, é aí que a semelhança acaba. Essa não é uma história para crianças e não conta com nenhuma fada. Essa é uma história sobre como são os seus defeitos que fazem de você uma pessoa única, e como duas almas podem ser completas juntas e separadas. É uma história sobre como relacionamentos podem evoluir, até porque, afinal, sentimentos são... fáceis de mudar...

          Então nossa história, tão antiga quanto o tempo, tem início assim: era uma vez, no interior de Minas Gerais, em uma cidadezinha onde o tempo parecia ter parado...

— Não parece interessante... — o homem opinou, mesmo sem alguém ter o pedido, sobre o livro no balcão da loja de antiguidades.

— É uma história de amor trágica! Eles não tem paz vivendo sem o outro! — a garota respondeu com a voz doce, mas já perdendo a paciência com o amigo do pai.

— Então o autor não sabe é de nada! Eu não tenho paz é vivendo com minha mulher! — ele diz, levantando a voz, e rindo da própria piada.

— Não deveria dizer isso Jean... — a voz doce o repreendeu.

— Sinceramente Ana, eu não entendo você e esses livros...

— Estamos no século XXI, já é normal mulheres lerem, sim? — ela respondeu ríspida.

— Claro é só que se você gosta tanto de ler porque não foi para a faculdade? — o homem a provocou.

— Pare de se envolver na vida da menina, seu intrometido! — foi um velho que descia as escadas atrás do balcão que o respondeu. — Filha, Pierre mandou mensagem e pediu para você ir pra biblioteca.

— Mas tenho que ficar aqui e ajudar você...

— Por favor, Bela, eu cuidei dessa loja sozinho por muitos anos, ok? Consigo ficar algumas horas — o senhor insistiu, fazendo gestos com as mãos para ela simplesmente ir embora. Ele era o único que podia chamar a garota assim, de Bela. Como a mãe a chamava antes de ir. Todos respeitavam sua decisão de ser chamada de Ana menos... Ela não queria pensar nisso agora. Nele.

— Não vou demorar tanto, prometo.

          A garota abriu as portas e respirou o ar puro da cidade. Dentro da loja de seu pai tudo tinha cheiro de poeira ou óleo de madeira. Mas do lado de fora sempre ventava e conseguia respirar o famoso ar do campo, que fazia tantos ricos comprarem mansões nas redondezas.

          A cidade passava um tom bucólico e se não fossem uma sorveteria e algumas lanchonetes visitantes poderiam facilmente se perder no tempo, pensando viver em outro século. Bela andou pelas ruas recentemente asfaltadas, obra do prefeito que procurava ser reeleito neste ano, e sentiu o Sol queimar em sua face. A sensação era prazerosa, como uma boa memória de brincar com seus pais na infância. Respondeu a todos que a davam bom dia, ou bonjour, sorrindo de volta para as curiosas expressões, sabendo que assim que virasse a esquina iriam falar mal dela, de como é arrogante e prepotente e se acha boa demais para a cidade.

          Não era completamente mentira, a menina queria viver aventuras, viajar, conhecer novas pessoas, e sabia que não conseguiria atingir muitos de seus sonhos morando ali. Mas amava a cidade e todos seus 537 moradores, os quais conhecia provavelmente todos por nome, e não via em seu futuro uma mudança.

          Ela sempre morara ali, e sabia que, como maior parte daqueles que nascem no lugar, provavelmente iria morrer ali. A garota balançou a cabeça para afastar seus pensamentos. Atravessou a pracinha e uma viela antiga, conhecida como "rua do Amém", pois antigamente ali ficava a única igreja da cidade.

           Entrou na pequena casa e passou algumas portas até chegar no seu destino, e Pierre a esperava ali.

— Algo de novo para mim?

— Não... E você sabe que não vai ter tão cedo — o professor a respondeu, com a expressão triste.

— Seja mais positivo, vamos conseguir novas verbas do governo — Bela tentou o consolar, sem sucesso.

— Claro, claro... — suspirou, como quem já tinha desistido de seus sonhos há muito tempo — O que chegou foi sua encomenda. — avisou o homem, com um pacote em mãos.

— Ah Pierre! Muito obrigada! Muito obrigada mesmo!

           Bela abraçou o livro e o cheirou, sua face sorridente demonstrava que a edição ainda tinha cheiro de nova. Rodou algumas vezes, como em um filme, e começou a ir embora pelo mesmo caminho que viera.

— Não entendo porque você gosta tanto dessas coisas, Ana — ele disse, enquanto revirava os olhos para a menina que parecia uma atriz fajuta.

          Sim, ninguém ali a entendia. Ela se sentia em um clichê no qual a personagem não era compreendida por ninguém que conhecia. Sua vida era assim. Em uma cidadezinha tão profunda no interior do país, poucos sabiam ler. Uma ou duas pessoas iam para a faculdade por ano, se muito. Normalmente, você se formava no ensino médio e trabalhava junto com seus pais, ou fugia.

          Era de consenso que Bela fugiria, quando a garota de formou no ensino médio todos esperavam atentos para esse dia. Porém, ele não chegou. Ela não conseguiu ir embora e deixar seu pai sozinho. E com os hábitos do velho, se ficasse sozinho provavelmente sumiria em tantas dívidas. Não que eles não estivessem nadando em dívidas agora, mas poderia ser pior.

          A loja de antiguidades do pai vendia muito pouco, senão nada, e os dois viviam de bicos, empregos informais e de turistas ou ricaços que se mudavam para a região e queriam levar uma lembrancinha. Além disso, o velho consertava móveis e relógios, sendo essa a maior fonte de renda deles. A menina fez de tudo um pouco na adolescência, entre vender brigadeiros na escola, andar com cachorros, dar aulas particulares ou de francês, o que normalmente a pagava mais era fazer faxinas. O salário era uma piada se comparado ao trabalho, principalmente quando era contratada para as mansões da região, mas ainda pagava melhor do que ensinar crianças a ler. Em contraposto, o que ela mais gostava era de dar aulas na escolinha da cidade. Era contratada como substituta, às vezes, mesmo não tem diploma. Todos ali a consideravam inteligente e, também, não se importavam muito se as crianças estavam aprendendo bem na escola. Eles nunca iriam usar aquilo na vida mesmo.

         Ela voltou para seu pai enquanto analisava seu novo livro. Havia o comprado em uma promoção de um site e custara apenas 5 reais. Era muito para se gastar com qualquer outra coisa, mas não se importava de gastar em livros. Essa história, em questão, tinha tudo que uma boa história deveria ter. Um príncipe lindo, uma princesa corajosa, um amor proibido e um final trágico. Queria ter alguém para compartilhar essas histórias, mas não tivera sorte no amor no passado e eram poucas as opções.

          Como se fosse roteiro de um livro, na sua frente aparece aquele o qual estava pensando e que menos gostaria de ver no momento, ou em qualquer momento. Bela suspirou e revirou os olhos ao ter seu livro tirado de suas mãos de forma grotesca.

Era uma vez de novoOnde histórias criam vida. Descubra agora