Capítulo vinte e um

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Capítulo vinte e um

         Gaspar parecia orgulhoso, seus amigos pareciam desconfortáveis. Bela não se importou com ninguém, deixando o carro no meio da rua, saiu correndo em direção a seu pai, que estava sendo carregado pelo o que parecia ser dois paramédicos.

— Ele está doente! Por favor, precisa de um hospital, não de um asilo! — Jean, amigo de seu pai, gritava, enquanto tentavam arrastar o velho para dentro de um carro.

— Parem! — A voz da garota ecoou mais alta do que as conversas que estavam acontecendo ali. Alguns segundos de silêncio se seguiram por todas as pessoas falando ao mesmo tempo, se perguntando se aquela era mesmo Bela, onde ela estava, que carro era aquele.

          Sem se importar, a menina manteve a cabeça erguida, procurando algum apoio entre seus antigos vizinhos, mas não encontrou nenhum. Todos a olhavam com desconfiança, até mesmo com medo, ou choque. A garota queria gritar com todos, mas respirou e tentou manter a calma, se lembrando que não deveria resolver problemas sendo ignorante.

— Parem com isso agora! — ela ordenou, com a voz forte, chegando perto de seu pai e dos paramédicos que ali estavam. Gaspar chegou perto da garota e analisou sua roupa, se demorando em seus seios. Ela ficou enojada com o olhar do homem, mas não deu nenhum passo atrás.

— Não podemos fazer isso, Bela. Seu pai está doente. Precisa de ajuda — as palavras dele pareciam uma ameaça.

— Eu voltei para o ajudar, não precisa fazer isso.

— Bela, você sabe que eu amo sua família, mas seu pai tem agido como um... louco — Gaspar continuou seu discurso, falando alto para que todos pudessem o ouvir.

— É verdade, ele disse que você foi sequestrada por uma ricaça e um homem deformado, que estava presa numa mansão na Mata — um dos amigos de seu ex namorado a disse.

— Mas isso é verdade! Eu acabei de voltar de lá — ela fala, exaltada.

— Bela, todos sabemos que você falaria qualquer coisa para salvar seu pai, mas ele precisa ir agora. Está doente — Gaspar lhe deu um sorriso convincente, como sempre, e encostou em seu ombro.

         O coração da garota começou a bater mais rápido e ela começou a perder o ar. Estava em pânico. Precisava mostrar para eles que era verdade. Mas não tinha trago o contrato consigo. Tinha o celular de Adam. Ela usaria isso para mostrar que ele existia, e então soltariam seu pai e o deixariam para seus cuidados.

— Querem provas? — ela correu até o carro, buscando o celular do amigo que ela havia deixado cair no chão. Colocou a senha e procurou em fotos, mostrou a todos uma foto que haviam tirados juntos, poucas horas antes — este é o homem que me prendeu.

— É difícil argumentar contra isso... — disse um dos amigos de Gaspar, evitando olhar para a foto.

          Todos seus antigos vizinhos tentavam olhar para a foto, recuando assim que colocavam os olhos no rosto de Adam. Bela mordeu os lábios, não tinha pensando em como reagiriam ao ver isso. Não tinha sido um movimento sensato. Estava desesperada para salvar o pai e não pensou em Adam e como estava invadindo sua privacidade. O garoto que não saia de casa há dois anos agora tinha seu rosto na memória de todos da cidade.

— Ele não me prendeu! Eu estava trabalhando para pagar a divida de meu pai! Ele é gentil e bondoso, engraçado... — a menina cora ao falar de seu amigo, mas é interrompida.

— E te deixava sair? — uma voz perguntou.

— Não... — ela diz, tentando se explicar.

— Você ficou lá porque quis? — outra voz a pergunta, acima de sussurros chamando Adam de sequestrador.

— Não é bem assim... — ela tenta se explicar novamente, mas Gaspar a interrompe.

— Ora, se eu não fosse bobo até acharia que você gosta desse homem.

— Ele nunca me machucaria — seus vizinhos a olhavam assustados, sussurrando entre si que a garota também estava louca, havia se apaixonado por uma fera, um monstro que a raptou e a deixou em cativeiro. Olhavam de volta para ela receosos, incomodados.

          Bela deveria ter previsto isso. Todos acreditavam em Gaspar, que era o líder oculto da cidade, que fazia politicagem e trazia verbas, que tratava da segurança de todos. Filho do exercito, protegia as crianças da cidade. E Bela era apenas uma garota arrogante que se achava melhor do que todos.

          Gaspar começou a incitar a todos a ir na mansão da fera. Ele não podia raptar crianças da cidade! Quem achava que era? Só porque era rico? E nunca ajudava em nada na cidade em que vivia... Ele deveria pagar o preço por ter feito algo tão vil, tão horroroso. Não adiantava chamar a policia, a policia não se importava com uma cidadezinha do interior. Eles tinham que fazer justiça com as próprias mãos!

          Bela, percebendo que não conseguiria salvar seu pai assim, começou a recuar em direção ao carro, pensando em avisar Adam do que estava acontecendo. Tentou achar o numero de algum dos criados no celular, discretamente, enquanto andava para trás, mas Gaspar a flagrou.

— Não podemos a deixar livre! Está apaixonada... Vai avisar a fera — Gaspar grita.

            Antes que ela pudesse correr, as pessoas que antes a agradeciam por ensinar seus filhos a ler, a pegaram com rudeza pelo braço, a trancando no carro junto com seu pai. Nenhum grito ou chute adiantou alguma coisa, Gaspar liderava a carreata que iria até a mansão. Com espingardas, foices e facões, cada um se armou com o que tinha, se preparando para fazer o homem horrível pagar pelo o que fez.

          A cidade, sedenta por sangue, se juntou contra o fera que raptava crianças. Bela assistia a tudo dentro do carro, sem conseguir sair. Gaspar estava em seu ápice, esse era seu verdadeiro eu, violento, caótico e irracional. Adam não era só um monstro para ele, era um inimigo, e isso era uma guerra. Ele começou a guiar as pessoas, algumas de carro, outras de cavalo, muitas a pé, pela estrada, alimentando de minutos em minutos a raiva de seus seguidores. Ele criou a imagem de uma fera, selvagem, que raptava crianças para as obrigar a trabalhar em sua mansão escura e sombria. Uma besta, um pesadelo vivo que precisava ser destruído.

          Incapaz de fazer algo, Bela ficou parada, com as mãos no vidro no carro, pensando em seus amigos, em sua segunda família, todos que aprendera a amar. Estavam todos em perigo. E era tudo culpa sua. Colocou a cabeça no ombro do pai e não conteve suas lágrimas, derramando tudo que estava guardando a tanto tempo. 

Era uma vez de novoOnde histórias criam vida. Descubra agora