Capítulo vinte

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Capítulo vinte

          Bela encarava o celular, com lágrimas em seus olhos e respiração ofegante, enquanto ouvia seu pai falar que ela não precisava se preocupar, que podia ficar lá e que ela estaria livre em alguns dias ela foi a cada segundo entrando em mais profundo desespero.

          O velho na tela não era nada parecido com o que almoçava com ela todos os dias. Se não por seu jeito de falar, ela não o reconheceria. Tinha enormes olheiras, estava muito magro, tossia com intervalos de poucos segundos. Estava claramente doente, fraco, mal conseguia se comunicar com a filha. Mas fazia questão de falar que não precisava de ajuda, orgulhoso, como a filha.

         Ele diz que tem tentado trabalhar mais para pagar o resto da dívida em dinheiro, não sabia quando a menina ia embora, mas que alguns dias tinha a visto na cidade e já estava descansando e trabalhando menos, cuidando de sua saúde, como ela faria. Ela percebeu que não o avisara que ficaria ali somente três meses. Ele estava completamente sem informação e sozinho. A garota pediu perdão inúmeras vezes, chorando, dizendo que em alguns dias estaria em casa, para ele por favor, por favor descansar.

           No momento em que o velho começou a lhe responder que sim, iria tirar alguns dias para si mesmo, alguém arrombou a porta de sua casa. O celular ficou no chão, e Bela não conseguiu ver que os homens da cidade arrastavam seu pai para fora com o plano de o levar para um asilo. Bela apenas ouviu as reclamações do pai.

          Adam esperava que Bela ficaria feliz em ver seu pai, mas quando espiou por cima do ombro da menina seus olhos se arregalaram ao ver a feição no rosto do velho. A dor e preocupação por sua filha pareciam ter o consumido, e ele estava muito mais magro do que antes, com enormes olheiras, a barba mal feita e tossindo sem parar. Enquanto Bela continuava a conversar com o pai, Adam deu as costas para a garota.

          Lembrou do que tinha conversado com seus amigos, com Bonnie. Olhou de novo para a garota e viu a dor em seus olhos. Sabia que esse era um momento decisivo, mas ao mesmo tempo, sentia que não tinha escolha. Precisava corrigir seus erros. Não podia mais ter medo de sua mãe, tinha que a encarar e tomar suas próprias decisões. 

— Precisa ir até ele — Adam diz, tentando esconder a dor em seu rosto.

— O que? — a menina responde, assustada.

— Não precisa mais ficar aqui, esta livre. Não há tempo a perder.

— Obrigada.

          Lágrimas de gratidão substituíram as lágrimas de tristeza nos olhos de Bela. Havia tantas coisas que ela queria dizer, que precisava dizer, mas como Adam disse, não havia tempo. Ela precisava ajudar seu pai. Antes que mudasse de ideia, a garota se virou e saiu correndo, ainda segurando o celular de Adam.

           Ao chegar na porta da casa, as portas da garagem se abriram, quase que magicamente, e ela entendeu que Adam estava lhe emprestando o carro. Não era uma decisão sensata, uma vez que a menina não sabia dirigir, mas nada que ele estava fazendo naquele momento parecia sensato em sua cabeça.

           Bela saiu com o carro, sem bater em quase nada, pela estrada afora, tremendo, suando frio e chorando, esperando que chegasse a tempo para salvar seu pai.

             Adam não voltou para o churrasco. Não queria ver seus amigos e lidar com a pena que sentiriam dele. Ao invés disso, voltou para a varanda e, de onde estava, observou a garota desaparecer com seu carro na mata. Ficou ali, sem se mover, por muito tempo. Ela se fora. E não importa o que disse, quando voltasse a viver em liberdade se esqueceria da mansão e de todos ali. Seria apenas uma história de um garota que ficou em cativeiro para salvar o pai de dívidas. Nada além disso. E ele nunca teria a vida que ousou sonhar, viajando com Bela, a apoiando em sua jornada de escritora. Ficando em casa para cuidar de filhos lindos com olhos verdes.

         Depois de muito tempo voltou para seu quarto, tirou a roupa que estava usando, agora a considerando ridícula, e se deitou na cama, enterrando a cabeça no travesseiro. Ouviu o gemido da porta ao se abrir e respirou fundo antes de ouvir a voz de Horácio.

— Mestre, deu tudo certo?

— O verdadeiro amor venceu? — Lucien pergunta, tentando conter a animação em sua voz.

— Eu a deixei ir — o garoto fala, sem olhar nos olhos de seus amigos.

— Você o que? — pergunta Lucien, sem reação.

— Não tive escolha.

— O que aconteceu? — Horácio continua o inquérito do amigo.

— O pai dela estava passando mal. Eu tive que a deixar ir.

— Ora, mas porque? Ela ainda tinha que ficar aqui alguns dias — Horácio continua.

— Porque ele a ama — Bonnie responde para Adam com sua voz suave. Sua expressão era triste, e uma lágrima escapou de seus olhos quando viu seu chefe se esconder debaixo das cobertas. Era verdade. Ele a amava.

— Ela ainda pode voltar...— Lucien começa a dizer, com a voz baixa.

— Não. Parem com isso. Ela não vai voltar. Vocês deveriam exercer sua liberdade e ir embora também, enquanto podem. Não precisam se esconder aqui para sempre, como eu.

          Os amigos de Adam saíram de seu quarto, sabendo que não adiantava conversar com ele agora. O garoto estava com o coração partido, e não podiam fazer nada para o ajudar. Enquanto andavam para a cozinha, a fim de limpar toda a bagunça e acabar com a festa, Lucien e Bonnie se sentiram mal por ter incentivado o sentimento no patrão, sabendo que isso poderia acontecer.

          A dor que Adam havia sentido após seu ferimento parecia pouca comparado à dor que sentia agora. Parecia que alguém tinha enfiado uma faca em seu coração. Ele havia aberto seu coração a outra pessoa e ela tinha a rejeitado. Como sabia que aconteceria. Não deveria ter criado tantas expectativas. Ele deixou o quarto e começou a subir para o terraço da casa, local onde gostava de ficar sozinho, onde nunca levara Bela.

          Teria que lidar para sempre com a memória da garota, com a esperança que criou que ela poderia o amar. E a rejeição, inevitável, mas dolorosa. O tempo começou a mudar, o vento trazia nuvens de chuva consigo, como no dia em que a garota tinha chegado em sua casa, molhando todo o piso de mármore, com a rosa que seu pai havia roubado nos cabelos. Tentou a achar no meio da mata, mas ela já não estava mais ali. Provavelmente, nesse tempo, ela já havia chegado em sua cidade e estaria segura, com seu pai. E Adam ficaria para sempre sozinho.

          Bela acelerava o carro sem controle nenhum, batendo em vários arbustos no caminho, passando por vários buracos e pedras. Ela sabia o caminho para casa agora. Não demorou muito para chegar em sua cidade. Parou o carro abruptamente, no meio da rua, se assustando com a cena que encontrou na loja de seu pai.

Era uma vez de novoOnde histórias criam vida. Descubra agora