Como toda brasileira que é viciada em livros e filmes, e cresceu assistindo filmes americanos, é normal que eu espere que aconteça algo clichê na minha vida enquanto eu estou aqui, né? Bom, quer dizer, já deu errado quando eu tive que trabalhar muito para chegar aqui, invés de ter uma tia rica. Eu também não vou ser igual a Mia, que minha avó vai aparecer falando que sou a princesa de Genovia. Até porque eu conheci minhas duas avós e tenho certeza que elas não eram rainhas. Infelizmente elas já se foram, mas não quero me aprofundar nesse assunto agora porque fico muito deprimida. Mas eu ainda tenho esperanças que aconteça algo mágico.
Enquanto eu faço minha higiene matinal, para o meu primeiro dia de aula, eu fico relembrando dos filmes que já assisti e dos livros que já li, e criando situações na minha cabeça. Estou pensando se devo fazer um coque frouxo no meu cabelo, se visto um moletom e um óculos de grau falso. Ou talvez, eu devesse ir em algum Starbucks antes da aula, vai que o amor da minha vida esteja lá. Não faço idéia de onde tem algum aqui perto, mas com certeza deve ter, ou todas as histórias clichês são uma mentira.
Decidi vestir um vestido rodado com uma jaqueta jeans curta e um all star de cano longo vermelho, e ficar com meu cabelo solto. Meu cabelo tá muito lindo para fazer um coque. Adeus visual clichê pro primeiro dia. Enquanto guardava meu material na bolsa, pensei que seria uma boa ideia ficar com dois cadernos na mão, vai que eu tenha sorte... Enquanto fechava a porta do quarto, decidi não perder tempo indo a um Starbucks, mas sim conhecendo o campus e ir para a sala certa.
A Audrey deve ter percebido que eu estava perdida nos meus pensamentos, porque por incrível que pareça, ela não tinha falado nada ainda, além do nosso "bom dia, dormiu bem?".
- Está animada para o primeiro dia de aula em nova york na sua faculdade dos sonhos? - e foi assim que a Audrey puxou o assunto enquanto caminhavamos em direção as salas de aulas.
- Para ser sincera, eu estou pensando em tantas coisas ao mesmo tempo, que ainda não consegui assimilar o que está acontecendo.
- Bom, acho que todo mundo fica assim com coisas novas, principalmente você, que mudou de país para que isso acontecesse.
Fomos conversando sobre sentimentos de mudanças até ela me mostrar a minha sala de hoje e me desejar boa sorte. E não, ninguém esbarrou em mim durante o caminho. Decepcionante, eu sei.
É normal eu querer sair correndo de nervoso? Não, óbvio que não. Me forcei a entrar e comecei a reparar em tudo. As mesas eram grandes e tinham duas cadeiras, então já sei que as aulas dessa matéria serão em duplas, pelo menos nos lugares. Do lado de cada mesa, tem um busto de um manequim, já adorei e já imagino vários modelos de roupas sendo feito nele. Sentei em uma mesa aleatória, e fiquei observando as pessoas enquanto chegavam. Todo mundo que vai entrando, está reparando na sala como eu, e ninguém está sentando em mesas que já tem alguém sentado, ou seja, os últimos que forem chegando, irá ter que escolher a sua mesa de acordo com a pessoa que está nela. Fiquei pensando na semelhança com o ônibus público do Brasil, quando em todos os bancos tem alguém sentado e você tem que escolher em qual vai sentar. E você pensa: "se eu sentar aqui, a pessoa vai pensar: ela tinha que sentar justo comigo?", ou quando é você que está sentada já, e percebe que todos os bancos estão ocupados e só o seu lado que não, e você pensa: "porque ninguém quis sentar do meu lado ainda?". Acabei rindo da minha semelhança, mas torcendo para não ser a última a ser "escolhida".
Reparei em uma menina que entrou, ela é muito bonita, está vestindo roupas pretas, sua blusa traz transparência, ela é bem estilosa, tem piercings, tatuagens e um olhar intimidador. Ela está analisando a sala toda, até que seu olhar chegou em mim. Sustentei o olhar, até que ela deu um sorrisinho e veio se sentar ao meu lado.
- Meu nome é Katerine Florence, prazer.
- Prazer, o meu é Olívia Goulart.
Ela deu uma enrrugada no nariz, me analisou e perguntou:
- De onde você é? Digo, por causa do seu sotaque.
- Sou do Brasil, cheguei aqui essa semana - comentei dando uma risadinha.
- Ah sim, bem legal. Com certeza Brasil é um dos próximos países que eu quero visitar.
- Você já visitou vários lugares? - nunca consigo deixar minha curiosidade para lá, tive que perguntar.
- Sim sim. Tive a chance de visitar muitos lugares incríveis - enquanto ela fala, percebi que ela tem a mania de ficar mexendo no cabelo, e ela não desvia os olhos em nenhum momento - como, a Grécia, Roma, Londres....
E assim, fomos interrompidas pela professora. Que é muito linda por sinal. Estou começando a achar que aqui só tem pessoas bonitas. Viva Nova York!
A aula foi como toda primeira aula. Somente apresentações. Nada de muito interessante. Mas sim, as aulas serão em duplas, e minha vai ser a Katarine, até o final do semestre. Pelo menos ela parece ser bem legal, ainda bem. Nos despedimos bem rapidamente, ela disse que iria ter que almoçar com o pai. Não entendi muito bem o tom que ela usou para se referir a isso, mas nem deu tempo de perguntar.
Enquanto andava para chegar até o dormitório novamente, fiquei reparando em tudo. Na estrutura do campus e principalmente nas pessoas. Elas parecem tão perdidas em seus próprios pensamentos, se movem tão rapidamente, que fico imaginando o que será que elas estão prestes a ir fazer. E penso que: MEU DEUS, ISSO ESTÁ REALMENTE ACONTECENDO. Essa sensação é tão gostosa, sensação de sonho realizado. Será que todo mundo daqui se sente assim? Eu realmente espero que sim.
Realmente só tem pessoas bonitas, e é difícil não ficar reparando. Estou parada no meio do campo, olhando em volta e para todos. E nesse exato momento, eu tenho quase certeza que eu vi o mesmo menino do festival. Ou é uma cópia dele, tão bonito quanto. Ele está andando tão rápido, que quase não deu tempo de reparar direito. Mas reparei que ele se abaixou para pegar algo que estava caído no chão. Alguma coisa prateada, não consegui ver muito bem. Eu precisaria de uns bons minutos para analisar ele, disso eu tenho certeza.
Saí do meu momento observação, estava me sentindo esquisita, e que estava sendo observada, então continuei em direção ao meu quarto.
Legal, muito legal. Estou revirando minha bolsa, mas não consigo achar a chave da porta. Eu tenho certeza que eu guardei na bolsa, até porque, fui eu que fechei a porta quando eu e a Audrey saímos hoje. Não acredito que vou ter que ficar para fora até ela chegar. Eu não acredito que eu consegui perder minha chave no meu primeiro dia de aula...
- Oi, você deixou cair isso.