Pagão

64 25 96
                                    

Caí aos pés do cadafalso,
Pude até ver Pôncio Pilatos.
Me tornei juíz, júri e carrasco,
Enquanto ele se desfazia de meu sangue.

Me vi, então, num palco.
Aplaudiam minha prece por socorro.
Me viam rastejar,
Prestes a cair num abismo, faltava pouco.

Olhei ao espelho e vi-me translúcido,
Como se já não mais existisse.
Não havia mais toque, não havia mais silêncio.
Cerrei meus olhos na tentativa de escapar do tormento.

Cansei de ser um homem, mero mortal,
De ser feito de porcelana parda,
De ser, na mão do caçador, um simples pardal,
De sempre sentir a perda.

Pode rezar por mim,
Ou até mesmo para mim.
Apenas quero sentir o peso cair
E, talvez, até fingir que não sei sentir.

Este é meu manifesto,
Manifesto placebo, em desuso.
Irei escrever enquanto não protesto,
Enquanto de minha voz eu não abuso.

Hoje à noite eu serei único, serei um deus pagão.
Sentirei as entranhas do fim se aproximarem
E meus pecados se purificarem,
Deixando minha mancha no palanque, para que assim nunca se esqueçam.

Hoje à noite serei apenas um pagão,
Louvarei o raio e o trovão.
Agradecerei ao sol pela plantação,
Rezarei pelo terremoto e pelo tufão.

Não planejo me lembrar que sou apenas mortal,
Quero sentir tudo aquilo que pode me atingir.
Desta vez, eu prometo que não vou fugir
De nada nem ninguém, enfrentarei Esparta hoje e sem ninguém.

Não irei rezar, apenas quero ser capaz de minha alma guardar.
Este será meu toque de Midas,
Minha sina abençoada,
Minha bênção amaldiçoada.

A Necrose da EmoçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora