BALA
Despertei mais cedo o que normal, porque aqui vagabundo não dorme, né? Só cochila, não tem jeito. É sempre um olho fechado e o outro aberto e nós vai alternando.
Fiz minha oração e sentei nessa porra que chamam de cama, passei a mão pelo rosto e já comecei a escutar cochicho dos carcereiros. Não tava entendendo do que se tratava, mas eles não tavam muito felizes não. Foda-se, né? Qualquer parada que aborreça eles, enche meu peito de alegria (se é que eu posso dizer que sinto isso aqui dentro).
Um tempo depois, tava lendo um livro que a Viviá tinha trazido pra mim, quando apareceu um dos agentes e deu um gritão lá da porta da cela.
Carcereiro: Daniel da Silva Rodrigues, cela 3. E Renato Jorge Santos, cela 2. Bora, com as coisas de vocês.
Olhei pro companheiro de cela, mas nem entendi muita coisa, tinha ligado pra Viviane na noite passada e ela não disse nada, po. Já logo pensei em transferência e fiquei nervoso.
Peguei as paradas, botei na sacola, fiz um toque de mão com os parceiros e fui na direção do agente, fiquei em posição de fila e ele serinho olhando pra minha cara, enquanto eu era algemado.
Os pensamentos como? A milhão, né não? Se eles não me algema, eu ia dentrão dele, fácil. E ele percebeu, porque tava mantendo a postura, mas o cheiro de medo exalava, a respiração era forte e só passou a ser leve, depois que ele ouviu o barulho da algema.
Dali, fui encaminhado pra uma sala, e fiquei sentado papo de 40 minutos sozinho, sem saber o que ia ser feito comigo. Pensava a todo momento na Viviane e em todas as vezes que ela pediu pra eu ter paciência, pra transformar todas as energias ruins em pensamentos bons, por mais que eu fosse dominado pelo ódio.
Tava com a mente longe, pensando no sorriso da preta e na gargalhada do moleque, quando alguém chamou meu nome.
Agente: Troca essa tua roupa aí. — tirou minha algema e saiu da sala.
Troquei a roupa, deixei o bagulho do uniforme na mesa e um tempo depois, o Thomas entrou junto com outro cara, trazendo uns papéis.
Thomas: O dia chegou! — fizemos um toque de mão.
Bala: Tá de caô? — ele negou com a cabeça.
Thomas: É só tu assinar aí, po.
Peguei a caneta com a mão tremendo pra caralho e assinei meu nome. Em seguida, o Thomas entregou os papéis pro outro, que saiu da sala e nós o seguimos.
Eu só pensava: "onde tava Viviane?". E assim que eu pus o pé pra fora do inferno, dei de cara com a mulher da minha vida, que segurava o nosso filhos nos braços e chorava igual criança. Dei alguns passos até ela, e antes que a gente se abraçasse, eu dobrei os joelhos e ajoelhei ali mesmo.
Chorei demais, não consegui segurar. Ela, por sua vez também ajoelhou e ficamos os três, abraçados ali no chão, eu e ela chorando, enquanto o Vinicius nos olhava e não entendia nada.
Bala: Na moral, eu nem acredito. Eu amo vocês demais! — dei um selinho demorado nela e em seguida, abracei o Vinicius, dando um cheiro nele, que soltou uma gargalhada e eu chorei mais.
Já estávamos no carro, indo pra casa e eu sem acreditar naquilo tudo, tá ligado?
Entramos no morro e ao mesmo tempo que eu me senti bem, em casa, o sentimento de ódio de aflorou. Respirei fundo, deixei todas as lembranças ruins de lado e foquei em uma só coisa: EU TÔ EM CASA, CARALHO.