Capítulo Nove - Equinócio de Primavera

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Hawkins, Indiana. Março de 1988 (Início do mês).

Desde o último verão em Hawkins, Will passara a odiar aquela estação. Os invernos eram frios demais, e o lembravam do Mundo Invertido. O que lhe restava era o outono e a primavera. Traziam uma sensação de conforto. Se recordava de memórias boas. E naquele momento, produzia mais uma, da qual se recordaria até o fim de sua vida.

Seus pés trabalhavam rápidos nos pedais da bicicleta azul nova, e Mike fazia o mesmo na própria, as vezes se inclinando pra trás e gritando "sem as mãos, Byers". Will passou a gostar de ser chamado pelo sobrenome, somente na voz de Wheeler.

Quando chegaram no destino, que somente Mike conhecia, Will admirou a tranquilidade que o lugar transmitia. Era pura primavera. As flores recém-nascidas balançavam calmamente com a brisa não tão fria. O sol era leve, nem tão quente e nem tão escondido entre as nuvens. Hawkins escondia os melhores lugares.

Empurrando alguns galhos de árvores, Mike puxou Will pelo pulso. As bicicletas ficaram pra trás, largadas na grama, como se nunca tivessem sido tocadas.

— Você tinha o castelo Byers. Além do meu porão...Eu tinha esse lugar.

A menção do lugar de conforto de Will fez o garoto dar um sorriso desanimado. Porém, ao ver uma toalha branca de piquenique e uma cesta fechada sobre a grama, seu sorriso aumentou.

— Por que fez isso tudo? Só...Pra gente?

— Ah, não se preocupe, eu chamei El antes e ela não aceitou. — ele se sentou, e ao ver que Will pareceu atingido pela frase, riu — É brincadeira! Eu senti falta do meu melhor amigo, já disse. Não fizemos muita coisa sozinhos desde que você voltou. E as noites de filmes são especiais para nossos amigos, por isso...Quis um piquenique. Algo especial só pra mim e pra você. Vem.

Will se sentou próximo à ele. Mike enfiou a mão dentro da cesta e de lá tirou duas garrafas com suco, e lanches de tarde. Era agradável. O coração de Byers se acelerava sempre que olhava para o rosto anguloso e bonito de Michael. Aquilo era errado, mas se ninguém sabia...Por que se preocupar?

— Eu pensei em trazer refrigerante, mas seria meio estranho.

  I'm not in love
So don't forget it
It's just a silly phase I'm going through

A música surgiu na mente de William, sem aviso prévio. O sol deixava o rosto de Mike tão...perfeito. Will riu baixinho, fitando o pano no qual estava sentado como se a partir dele obteria todas as respostas para seus problemas.

— Não tem problema. Suco combina mais.

I like to see you
But then again
That doesn't mean you mean that much to me

— Você acha? Ainda bem, pensei que teria que voltar pro mercado de bicicleta.

Mike, tá tudo incrível. Não sabia que você era capaz de algo assim. Tão...cuidadoso. Você é sempre tão...Irritante.

Mike deu uma gargalhada, inclinando-se no lugar, dando um tapa no braço de Will.

— Considere como um pedido de desculpas.

— E lá vem você com isso de novo...Eu já disse: está tudo bem.

— Eu sei quando você mente. Somos melhores amigos. Olhe pra mim e diga: eu estou bem, já entendi que você se arrependeu. Porque me arrependi, Will.

Os olhos de Will se encontraram com os dele e novamente, sua concentração fugiu, como no refeitório, como sempre. Mike possuía um poder sobre si do qual nem ele conhecia. Paixão era algo peculiar.

A voz de Byers travou, e sua língua se tornou imóvel. O vento bagunçava os fios de Mike, e amassava aos poucos sua roupa. Ele parecia tão despreocupado com tudo.

— Você hesitou. Como eu disse, não consegue mentir pra mim.

— Não é isso, Mike. É que...

— Eu já pedi desculpas um milhão de vezes. Eu sinto muito. Foi da boca pra fora. Não foi sério.

— E eu te desculpei!

— Não, você não desculpou. Eu só quero que nossa amizade volte a ser como era. Loucos juntos, certo?

— Mike...

Por favor. — implorou.

Você sabe tanto quanto eu que nunca vai voltar a ser como antes. Acho que é melhor eu ir pra casa...

Will sentia as lágrimas querendo vir, e seu último desejo era chorar na frente de Mike, mostrar o quão vulnerável ele o deixava. Quando tentou se levantar, os dedos finos de Mike envolveram seu pulso com firmeza. Como no natal de 1985. Sensações não tão estranhas se espalharam pelo corpo de William.

— Me solta, Michael.

Ele não obedeceu, o olhar pedindo com clamor para que ficasse. Aquilo irritou Will.

— Mike...Por que você faz isso? — Will puxou o pulso, se afastando do amigo — Por que você age como...Se tivesse algum interesse esquisito em mim e depois...Vem com isso? Melhores amigos não fazem piqueniques à sós, melhores amigos não se beijam, Mike.

Seus olhos marejaram, aguardando por uma resposta válida e dolorosa. Aquela era uma conversa que vinham evitando. Se passaram três anos, precisava vir a tona uma hora ou outra.

— Eu não sei. Eu...Foi por impulso. Eu sei que foi errado e... — silêncio.

Aquilo quebrou Will de diversos jeitos, como um quadro valioso sendo rasgado ao meio, um disco quebrando ao cair no chão, uma roupa se rasgando ao se prender em um objeto pontudo. Seus olhos abaixaram para onde a mão de Mike pousara. Para seu pulso.

A necessidade de toque, ainda que mínima, é um dos maiores indicadores de paixão. Por esse motivo, Byers mantinha esperança de que seus sentimentos eram correspondidos.

Depois do natal de 1985, Wheeler arrumava modos diferentes para toca-lo. Doloroso, porém o suficiente pra dois garotos presos em um armário metafórico numa época preconceituosa.

Will engoliu em seco, tentando engolir seus sentimentos e suas ilusões.

— Do lado da Jane...Sua ex. Minha irmã. — queria que Mike se sentisse culpado. Mais do que já se sentia.

— Não vai se repetir.

Se aquilo fosse em 1986, Will estaria chorando, se preocupando mais com o estado de Mike do que com o próprio. Porém, não era mais uma criança. A vida lhe ensinou do pior modo como lidar com aquelas situações. Cerrou os punhos, determinado a sair dali e esquecer Michael Wheeler.

— Não mesmo. Você não me merece. Vamos esquecer isso. E talvez possamos voltar ao que éramos. Melhores amigos, loucos juntos. — antes de ir, ele encarou Mike com seriedade, a garganta ardendo com o esforço que fazia pra não chorar — Não conte a ninguém.

— Contar o que?

— Sobre o nosso erro, Mike.

E foi embora, dando a Wheeler uma sensação enorme de vazio e perda.

———

Às pessoas que ainda leem essa história: eu não gostei do rumo que tomei conforme escrevia, não me sinto totalmente confortável acho, mas pelo jeito alguns ainda gostam (não sei como), por isso vou tentar terminar ela logo sz Me perdoem qualquer erro.

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