Capítulo Quatro - Mil Novecentos e Oitenta e Sete

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Longe de Hawkins, 1987.

Segundo ano do Ensino Médio. Volta às aulas. William Byers deveria estar se sentindo nas nuvens, com os hormônios à flor da pele, faria 16 anos! Aquele era um grande evento.

Meses se passaram e nenhum de seus amigos em Hawkins ligaram. Não sabia por que continuava os desenhando e tentando contata-los, mas sentia saudades demais para não o fazer.

Jane o acompanhava, o cabelo amendoado caindo sobre os ombros, batendo na cintura. Ela o exibia e seus dentes perfeitos, consertados por um aparelho. A irmã não ligava pra beleza mas desejava amigos e aparência junto a popularidade eram fatores fortes na conquista do quesito.

Ela também sentia falta dos outros e não entendia o sumiço deles. E por conta dela, Will logo ignoraria a timidez em excesso e arranjaria novos amigos. Esqueceria Mike. Hawkins seria sua história, seu passado, não seu futuro.

Mas naquele momento, Will não se sentia nas nuvens. Displicente do que ocorria ao seu redor, continuou assim todos os dias, por dois meses até conhecer seu primeiro amigo naquela maldita cidade. Eddie.

Ele e Eddie se deram bem pois ambos amavam nerdices e jogos de tabuleiro. Assim como Mike, Eddie gostava de escrever. O garoto usava óculos redondos, fios castanhos e lisos puxados para um só lado, voz grave e o corpo esguio. Roupas comuns dos anos 86 numa cidade grande e um gosto terrível por músicas genéricas. Ele odiava rock, o que indignava Johnatan quando o mais velho ficava em casa.

Will não era mais um alvo de bullying nos primeiros meses, porém, aquilo mudou com a presença de Eddie. Ambos eram ridicularizados e Jane, sem poderes, se sentia insuficiente.

Nas férias, nenhum dos amigos de Hawkins os visitaram ou ligaram. Foi quando Jane caiu em si. A garota odiou ser ignorada. Perdera a mãe, o pai, o lar, os poderes. Seu psicológico, estava no mínimo, péssimo. No último mês de férias, foi o estopim.

O doutor Owen, devendo um favor a Hopper, recebeu a ligação de Joyce dizendo que precisaria retribuir e ajudar Eleven. Não com os poderes, e sim com sua saúde mental. Ela estava destruída. Frágil. Qualquer coisinha causava um surto de estresse nela.

Com o tempo, e com a ajuda, isso passou. Aos poucos. Ela fez amigos. E amigas. Ela era bonita, afinal. Teve um namorado, que recebeu um pé na bunda ao chamá-la de louca. Ela não era, o problema é que pessoas comuns, como aquele garoto, como Eddie, como todos os outros alunos, jamais entenderiam os problemas daquela família. "Não somos uma família comum." Palavras de Joyce para Bob.

O bullying com Byers continuou. Ele não dava importância porque eles não eram dignos de sua preocupação. Machucados saravam, dores passavam, a preocupação da mãe diminuía. Ver a irmã sofrendo era o pior de tudo. Ele nunca teve medo dela, com poderes ou não. Nunca sentiu pena, porque ela não queria aquilo. Se amavam. E quando brigavam, faziam as pazes na mesma noite.

— Acha que...Desistiram de nós? — foi a pergunta dela após a quinta briga. Will riu, desolado.

— Acho que desistiram deles mesmos, Jane.

Aquela resposta foi o suficiente. Nenhum deles dormiu naquela noite. El, assombrada por rostos antigos e Will, se convencendo cada vez mais que superou tudo e todos. Owen ofereceu ajuda a ele também, que foi recusada educadamente. Joyce não gostou da decisão, mas sabia que adolescentes eram complicados.

Ela sempre conversava com ambos. Conversa de coração para o coração. Mas todos os corações estavam partidos e decepcionados, e os três possuíam motivos diferentes, traumas diferentes. As conversas ajudavam, de certa forma, entretanto, não eram o necessário.

Will fizera três novos amigos além de Eddie, percebendo que era possível sem participar de outra "festa". No aniversário de 16 anos, os quatro compareceram com prazer na pequena festa na residência da família. Johnatan dera um tempo na faculdade para aparecer e Nancy veio junto. Ver ela lembrava Will de Mike, que a única coisa que fez, foi dar um cartão pedindo perdão por não poder ir e parabenizando-o, como os outros.

O mesmo no aniversário de El. Será que eles não percebiam o quanto aquilo machucava ambos? Eram tão idiotas assim?

  No final, o cartão de Mike foi rasgado e jogado na lareira. Jane guardou os dela, porque não conseguia se desapegar do único presente dado por Mike e o resto dos amigos naquele ano. Ele era o primeiro amor dela e eles, os primeiros amigos.

E o único de Will. Essa era a diferença.

Quando chegaram no fim de dezembro, cheios de presentes novos e cartões de Hawkins, o telefone tocou e ninguém esperava por aquela ligação. "Deve ser um trote." presumiu os irmãos Byers e a Hopper.

Joyce foi quem atendeu. Murray Bauman sempre ligava quando tinha informações novas sobre os russos, o que não eram muitas. Ele investigava e garantia a segurança da família, além de desejar ter certa fama mais uma vez caso descobrisse algo picante. Tinha um gosto por destruir planos governamentais com a ajuda de crianças intrometidas.

— O que? Não, eu tenho que trabalhar nos próximos dias...Fale mais devagar. Murray, eu não estou...

Silêncio mortal. Quando retornou para a mesa onde os outros se encontravam, o semblante de Joyce Byers era sério. O sorriso acolhedor e gentil estava ali, mas sabia que jogaria uma bomba sobre os filhos naquele segundo. Um peso enorme sendo compartilhado, como Atlas suportando o peso do céu.

— Sei que vocês fizeram amigos aqui e estão se conectando cada vez mais. — foi assim que começou. Sem um "precisamos conversar" ou "tenho algo para confessar".

Longos minutos. Foi a duração da conversa. Para Will e Jane, haviam sido horas. Para Johnatan, segundos. A faculdade ficaria mais perto assim como a namorada.

— Precisamos voltar para Hawkins.

Joyce encerrou, recebendo uma enxurrada de perguntas dos jovens, que não foram respondidas corretamente. Indignação, alegria, desesperança, medo, caso misturados em um pote, descreveriam o que Jane e William sentiam.

No mês seguinte, em 1988, o caminhão para mudanças estava lá. Assim como Nancy Wheeler, que viera da faculdade pra ajudar. Mike estava ocupado, como de costume. Os amigos? Viajando, trabalhando. Will não ficou surpreso. Se acostumou com o sentimento de ser posto de lado há anos. Os amigos da cidade não tão nova mais vieram. Se despedir de Eddie foi o mais difícil, sentiria falta do amigo.

— Terminamos. Foram dois anos e tanto. — Johnatan anunciou quando o último colchão foi enfiado dentro do caminhão. A casa nova não seria a antiga. Murray tratou de tudo, vendendo a atual durante aquele mês e comprando uma em Hawkins com o dinheiro.

Will achava que ia morrer de infarto, e se não fosse jovem, iria mesmo. No momento em que viu a placa seja bem vindo a Hawkins — inferno, uma pixação em vermelho corrigia — passando, sua veia no pescoço saltou, pulsando de forma veloz. Incomodava.

Muita coisa mudou em si desde o momento em que foi embora da cidade. Saiu do lugar em lágrimas que ardiam na pele, e voltava com o coração inquieto. Não pertencia mais à aquele lugar, repetia para si.

Mas pertencia a uma pessoa.

stranger feelings x byler Onde histórias criam vida. Descubra agora