Abutre 7.2

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   Um efeito colateral, Taehyung escreve posteriormente em seu caderno. Um afeito colateral de acessar o Lugar Profundo. Não é a morte, não realmente. Uma incapacidade de ficar nessa dimensão, de ficar dentro desse corpo. Eu vi e senti o Lugar Profundo, me perdi lá por um minuto, não conseguia achar meu caminho de volta.

E então, abaixo disso, de forma mais impessoal: O efeito colateral parece comparável a experiências extracorpóreas em pacientes em coma, ou projeções astrais como relatadas entre xamãs. Os efeitos podem ser controlados prescrevendo limites rigorosos do quão longe no Lugar Profundo você se permite ir.

Soa seco quando ele escreve desse jeito.

Clínico.

Eles param os experimentos por um tempo depois daquilo, com a insistência de Yoongi. Taehyung faz bico, diz que está bem, diz que consegue trazer a si mesmo de volta caso se perca lá de novo. Ele para quando Jimin apoia o mais velho, desliga os eletroencefalogramas e ameaça esconder a touca de eletrodos. Min está grato por isso. Taehyung é um bocado teimoso às vezes e Park parece naturalmente saber como lidar com ele, sendo inflexível em situações nas quais Yoongi poderia ter cedido.

Mas Jimin se mantém quieto sobre o que o outo deixou escapar. Não menciona o assunto, mesmo que Min tenha totalmente esperado que ele o fizesse. O mais velho conhece Park, conhece sua curiosidade, sua motivação. Ele não pode estar quieto porque deixou pra lá. Há alguma outra razão pela qual não o pressionou para conseguir a informação.

E então Yoongi tem que ir pra casa. Só por uma semana, ele os diz. Só porque é importante. Taehyung o encara de um jeito esquisito quando ouve aquilo, é claro que o faz, mas eles chegaram a um tipo estranho de impasse onde brigam, então fodem e então dividem espaço o tempo todo mas não conversam realmente. Falar um com o outro de verdade vai significar dissecar o experimento, e o efeito colateral e o fato de que Taehyung literalmente morreu e ressuscitou a si mesmo duas vezes na presença deles.

Então Yoongi vai embora.

   Estar em casa, é claro, é uma merda como sempre. O chamaram para discutir divisão de propriedades, e ele não poderia estar menos interessado nem se tentasse. Todas aquelas terras e prédios foram conseguidos com dinheiro sujo, de qualquer forma. O poder crepita como um fio eletrificado pelos largos corredores da casa fria e impessoal. Yoongi se sente sufocado, como de costume. Sufocado sobre o olhar de desaprovação de um pai que empunha o fogo como um amigo. Sufocado sobre a indiferença de uma mãe que inflige dor apenas com o toque. Eles são aprimorados e preparados e perfeitos um para o outro, assim como seus irmãos.

Ele é o único diferente. O único nascido sem poder, fraco, incapaz de gerar tempestades ou ler mentes ou atravessar metal com o punho como se fosse nada além de manteiga.

-Como anda a universidade? - a mãe pergunta durante o jantar, o tom curioso, padronizado, como se ele fosse alguma criatura pequena e fofa tentando validar a si mesmo num mundo de titãs - Eles te ensinam a lidar com armas e arcos e flechas lá?

Ela vai rir se a resposta for afirmativa, Dizer algo como que interessante, da forma como pessoas da alta sociedade falam isso para cardumes brilhantes e coloridos de carpa oi num aquário. Como se ele fosse uma raridade, uma relíquia de algum mundo alternativo.

Normalmente isso o aborrece. Ela sabe como entrar debaixo de sua pele, operar num nível de narcisismo que a permite estacar a própria superioridade. A casa sempre lhe pareceu como um jardim de metal - bonito, mas ainda assim com pontas afiadas reluzentes que fatiam e dilaceram a cada curva. Não existem defesas possíveis contra isso, nenhum jeito de se tornar imune.

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