A primeira impressão é a que fica...

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A primeira impressão é a que fica...

 

Ele desceu do carro como se fosse um gladiador a caminho da arena. Andava com as costas eretas, os braços retesados ao longo do corpo, o olhar duro, como se fizesse questão que todos o detestassem.

Parou perto do carro, e esperou que lhe abrissem caminho, coisa que aconteceu de forma sincronizada, com exceção de minha pessoa, que permaneceu no mesmo lugar fazendo anotações em um bloquinho de papel. Até Jesse, meu fotógrafo, havia se afastado para que o "senhor do lugar" avaliasse o corpo. Antes, porém, lançou-me um olhar prepotente como se perguntasse: "o que você ainda faz aqui?! Não vê que eu cheguei e não há espaço para nós dois, por causa do meu imenso ego"?!

Era bem mais alto do que eu. E a posição encurvada em que estava para poder visualizar o cadáver, desfavoreceu-me mais ainda. Devia ter uns 35, 40 anos, tinha um belo porte, cabelos castanhos e olhos verdes. Seria bonito se não fosse tão arrogante.

Ele tirou um par de luvas de silicone de dentro de um saquinho plástico e as colocou. Depois, sem se importar com a chuva que empapava suas costas, agachou-se e enfiou a cabeça dentro do veículo, ignorando o cheiro forte de sangue. Eu há muito tempo, tinha aprendido a controlar as ânsias de vômitos diante das cenas fortes. Era minha profissão: Onde houvesse um crime, haveria uma matéria a ser escrita, e um assassino a ser encontrado. Apesar de não ser da Polícia, eu já tinha ajudado a desvendar muitos assassinatos.

Sem dignar-se a me dirigir a palavra, ele ordenou:

— Alves! Evacue a área! — sua voz era bonita, apesar do tom autoritário.

O homem obedeceu e me disse, de forma mais gentil, que eu deveria me afastar.

—Ele não podia ter dito isso?! —perguntei ao vassalo do todo-poderoso— Precisa de um intérprete?! Não fala minha língua?

A indignação foi geral. Como eu podia falar assim com "magnânimo senhor investigador"!

Fui fulminada pelo olhar dele, e quase me arrependi de ter pronunciado tais palavras.

—Acho que prefere que eu mesmo vá até aí arrastá-la para além da fita amarela, porque ao que me consta, não estou vendo nenhum crachá informando de qual Departamento da Polícia faz parte — disse encarando-me.

—Não será necessário senhor... —me esforcei para ler o nome dele no crachá — Lennon Santine. Lennon! Devo dizer-lhe que não tem nada a ver com seu xará... —fiz alusão ao temperamento calmo de John Lennon.

Ele ignorou meu comentário, e esticando o braço com a mão espalmada para cima, fez sinal para que eu me retirasse.

Saí. Já havia colhido todas as informações necessárias, além das fotos que Jesse havia feito.

A antipatia entre nós foi recíproca. Mas teríamos que conviver com ela daqui para frente, pois nos encontraríamos com bastante frequência.


O assassino de livrosOnde histórias criam vida. Descubra agora