Claudia Sincler, o início das trevas...

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  Terminei a matéria sobre o lançamento do romance “A verdade sobre Rosalinda”, e deixei claro que a polícia estava perdida, e não sabia por onde começar para desvendar o mistério da morte dos escritores Isac Abrahim e Jonas de La Playa. A revelação de que em ambos os corpos foram encontradas frases que poderiam ser pistas do assassino causou especulações de mídias concorrentes, mas também causou a ira de algumas pessoas, ou melhor: de uma pessoa em particular...

Depois de enviar a matéria para o pessoal da diagramação, recostei na cadeira e uma imagem me veio à cabeça: Rodolfo! Ainda me sentia culpada por tê-lo magoado na noite anterior.

Resolvi procurá-lo para me desculpar, muito embora, isso fosse o tipo de coisa que não tinha perdão. Principalmente quando a pessoa que trocou o nome do parceiro na hora do sexo foi a mulher. Homens, desde sempre, tinham liberdade à diversidade sexual, e podiam ter várias amantes numa mesma noite, e por isso, caso trocasse o nome de uma delas, não seria algo passível de suicídio.

Rodolfo era um excelente partido, bonito, inteligente e rico! Poderia ter a mulher que quisesse, e certamente estava acostumado a rejeitá-las, e não a ser rejeitado... Deveria estar péssimo. Egos feridos eram tão letais quanto uma bala de calibre 12.

Quando cheguei à BB Star Books, fui informada por Berenice, que Rodolfo estava em reunião com uma pessoa. Achei que fosse uma desculpa para não ser recebida por ele, mesmo assim insisti e disse que esperaria.

Não demorou muito uma mulher apareceu na recepção. Era bonita, tinha uma pele alva, cabelos loiros e olhos azuis, um belo corpo e vestia roupas caras. Ao passar por mim deu um breve sorriso, depois foi até- a secretária:

—Até breve querida! Telefonarei marcando uma nova reunião com Rodolfo.

—Acertaram tudo?

—Quase tudo, querida. Ainda faltam muitos detalhes...

Vi quando a loira foi embora em um carro importado caríssimo! Não resisti e perguntei quem era ela. Descobri que o nome dela era Claudia Sincler. E ela era escritora.

Quando Rodolfo veio me atender, não notei nele nenhum traço de mágoa pelo acontecimento, porém, reparei que ele estava preocupado. Mas minha intenção ao vir visitá-lo era me desculpar, e foi isso que fiz.

—Não é muito habitual uma mulher ter que tomar essa iniciativa — disse sem perceber que acabara de adotar uma atitude machista — Mas vim me desculpar pelo que fiz na noite anterior...

—E o que você fez? Trocou meu nome pelo do investigador másculo e rude? Ora Marina! Sei que o universo feminino, embora tenha se emancipado, na hora do sexo ainda prefere retornar à caverna e ser dominada por um troglodita... Até entendo isso... Mas se pedir  desculpas a fará se sentir melhor: está desculpada! Porém, sou da opinião que isso não é passível de desculpar-se. Sou um homem moderno, atento às questões físicas, que independem da razão, quando o assunto é prazer...

Estava boquiaberta com esse discurso! Ou Rodolfo era mesmo um grande homem ou era um grandíssimo mentiroso e um dissimulado nato.

—Fico feliz por não o tê-lo magoado. Você é um cara legal e ...

—Aí, ai, ai! Esse papo de “cara legal” sim, pode me magoar — brincou—Esse é o início do discurso de quem que dar o fora no outro e usa de eufemismo.

—Tudo bem! Mudemos de assunto. Quem era aquela loira sofisticada que saiu daqui?

—Só respondo se disser que está com ciúmes —brincou novamente — Falando sério agora. A loira é Claudia Sincler, mimada, de família rica, cismou que agora é escritora!

—E ela escreve mal?

—Até agora não me apresentou nenhum original, tem apenas projetos... —disse fazendo uma careta de desdém.

—E já está em busca de editora?!

—Na verdade... Ela me ofereceu uma parceria, caso eu feche contrato com ela.

—Mas vai fechar contrato com ela sem saber qual o gênero literário?!

Pelo pouco que conhecia de Rodolfo, ele já tinha uma resposta para minha pergunta: sim ele fecharia. Pois era propenso a lucrar em qualquer situação que se lhe apresentasse.

—Vale a pena esse sacrifício... Claudia propôs criar um selo para autores desconhecidos ou renegados por seus temas... Ela financiaria essas obras.

—Mas não seria um risco associar o nome da editora a escritores renegados?!

—Depende... Há muitos leitores que gostariam de ler conteúdos pouco convencionais e não têm acesso a essas obras, simplesmente porque as editoras se recusam a investir nessa linha...

—E que linha seria essa?

Ele hesitou um pouco, girou a caneta entre os dedos, depois me olhou e disparou:

—Prostituição, pedofilia, zoofilia, conteúdos satânicos e...

—Ficou louco! — quase gritei—Quer ver o nome de sua editora envolvida nessa sujeira?!

—Como disse será criado um selo com outro nome para que não haja vínculo com a BB Star.

—Não estou acreditando Rodolfo! Literatura licenciosa é toda a sujeira humana manchando as páginas de um livro... É conspurcar a escrita em detrimento de um amontoado de lixo! Estou sem palavras...

Rodolfo levantou-se, ladeou a mesa e tomou minhas mãos.

—Calma! Ei, não fique assim! Você é uma mulher inteligente! Acha que no mundo há lugar apenas para romances cor-de–rosa ou histórias da carochinha? Pessoas reais têm deformações de caráter, têm taras, e não podemos mudar isso! O mundo já estava pronto quando eu nasci, Marina, e já tinha esse estereótipo de paraíso camuflando o inferno.

—Essa sua forma de pensar me entristece, Rodolfo... Quando você dizia que era um homem de negócios e não um literata, que se preocupava apenas com o que era rentável, eu ainda tinha esperanças de que fosse apenas uma força de expressão, que no fundo você pelo menos tivesse respeito pelas pessoas e com o que elas iam ler... Mas vejo que você é só um caçador de cifrões. Poderia abrir uma rede de supermercados ou de açougues, o que me diz? Estaria lucrando da mesma maneira, mas pelo menos não destruiria os sonhos de ninguém!

—Marina, sua ingenuidade me assombra! O mundo é mau e sujo, minha linda! E eu não sou a pessoa indicada a fazer a faxina nele!

—Estou decepcionada! Mas o que essa tal de Claudia tem a lhe oferecer de tão vultoso, que o fez vender a alma ao diabo?

Eu, no auge de minha indignação, tinha chegado bem próximo ao que essa mulher representava. Era como uma nuvem negra abocanhando tudo ao seu redor... Ela era má e sua intenção era espalhar essa maldade por osmose.

—É muito mais do que dinheiro — disse Rodolfo — Isso eu lhe garanto...

O assassino de livrosOnde histórias criam vida. Descubra agora