Capítulo 24

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Ventava na madrugada e os fortes ventos fazia com que alguns galhos batessem na janela despertando Helena, que levantou assustada, temendo ser alguém e demorou alguns segundos para entender o que estava acontecendo de fato.

Por ter dormido no chão, se não bastasse a dor no coração, seu corpo todo também doía. Respirou fundo para que a dor passasse aos poucos, um banho na hidro iria lhe fazer bem e foi o que se permitiu, ficar imersa na água por todo tempo que fosse necessário. Dormiu nua, em sua pele queria apenas o contato do cobertor tão felpudo e macio e não demorou muito para que o sono a aplacasse novamente.

MATILDE -Bom dia minha neta favorita! Vamos levantar? Apesar do clima um pouco frio aqui na serra, está fazendo um dia tão lindo, um sol maravilhoso. – Disse a avó, abrindo cortinas e janelas, indo em seguida dar um beijo na neta e verificar se ainda estava febril.

MARCINHA -Ah não vovó, me deixa dormir mais um pouco. Não tem nada pra fazer, aliás quero passar o dia todo no meu quarto, lendo, escrevendo.

MATILDE -E perder o dia maravilhoso lá fora? De jeito nenhum. A senhorita vai fazer sua higiene, tomar o café da manhã conosco e eu pessoalmente fiz as rosquinhas de nata que tanto gosta e depois vai andar de bicicleta, fazer uma caminhada pelos arredores, conhecer pessoas novas ou reencontrar alguns amigos.

MARCINHA -Não quero vó, não me sinto nem um pouco disposta.

MATILDE -Então fala para vovó o que está sentindo? Graças a Deus amanheceu sem febre. Sente alguma coisa?

MARCINHA -Apenas indisposição. Quero ficar quietinha no quarto, só isso. Me deu uma saudade da mamãe. – Confessou com os olhinhos tristes, mas omitiu o outro motivo que a tinha deixado assim.

MATILDE -Sinto tanto por você estar passando por isso minha filha, sei que pode parecer tão injusto uma garota tão nova perder a mãe, mas Deus nunca desampara um filho seu e por pior que seja a dor, a vida sempre nos presenteará com algum motivo para sorrir. Respeito seu luto meu amor, só não se esqueça que está viva e que sua mãe ficaria muito triste em vê-la assim.

A mais nova ouvia atentamente os conselhos da avó. Sabia que ela tinha razão e por isso se esforçou para sair da cama. Pela manhã caminharam juntas pelo haras, foram ver os cavalos e outros animais que haviam por ali. Se encantou com um gato que passou a persegui-las pelo resto de todo o passeio. Pensou que seria muito bom se tivesse um bichinho, um filhotinho para cuidar e receber todo o seu amor e carinho. O mais próximo que teve de um animal de estimação foram dois cachorros, com os quais só tinha contato nas férias na casa da avó em Minas.

Cesar sempre protelou em dar um filhote aos filhos, alegando que estes dariam muito trabalho e que não suportaria ver seus móveis todos cobertos de pelo. Perdeu as contas de quantas cartinhas escrevera para o Papai Noel pedindo um pet que nunca chegou.

A avó a convidou para uma volta a cavalo e mais uma vez Marcinha recusou o convite. Aos 10 anos em uma aula de equitação, sofreu uma queda, não lhe aconteceu nada de grave, somente alguns arranhões, mas deste dia em diante nunca mais montou. Dona Matilde tentou por diversas vezes ajudá-la a superar esse trauma e as tentativas foram sempre frustradas. Nem mesmo na garupa do pai, que cavalgava muito bem, tinha coragem de montar. Contentava-se em apreciar o animal, fazer carinhos, quando sentiam que eram bem mansos e só. Não negava que sentia vontade de voltar a montar só que o medo sempre falava mais alto.

Logo após o almoço seguindo os conselhos de dona Matilde, Marcinha saiu de bicicleta tomar um banho de cachoeira que tanto gostava. A avó se incumbiu de preparar uma mochila com lanche, e previamente tinha telefonado para Juliana, filha dos caseiros que tinha a mesma idade da garota, para que esta convidasse sua neta para o passeio.

As duas só tinham se visto umas duas ou três vezes, esporadicamente trocavam mensagens de celular, mas se davam bem. Gostavam do jeito uma da outra, por terem temperamentos bem parecidos.

Após algumas recomendações da avó e do pai, ela e Juliana seguiram. No início do passeio, a conversa era um tanto monossilábica e depois deslancharam na conversa quando a colega lhe confidenciou que estava namorando e que o namorado as aguardava em frente a trilha que dava acesso a cachoeira.

Juliana contou que tinha conhecido João em uma festa junina que fora feita no haras no ano anterior e que foi paixão à primeira vista. Se afinaram logo de cara e durante toda a festa ficaram juntos, dançaram, se conheceram e descobriram o tanto de coisas em comum que tinham um com o outro. Contou também que o rapaz, um pouco mais velho, tinha intensão de pedi-la em casamento assim que terminasse a faculdade.

Marcinha ouvia a tudo atentamente e no fundo sentiu um pouco de inveja, pois tudo o que ouvia era algo tão fora de sua realidade. Nunca tinha namorado ninguém. Beijou um rapaz no colégio enquanto brincavam de salada mista. Um beijo que não foi em nada marcante além de não ter conhecido até então alguém que tivesse vontade de beijar de fato.

Gostou de conhecer João. Sentiu que ele era um bom moço e depois com uma presença masculina a fazia se sentir mais segura.

Na cachoeira, acomodaram seus pertences em uma pedra debaixo de uma árvore. O local estava bastante tranquilo, Juliana e o namorado foram logo nadar ao passo que Marcinha quis ficar sentada, apenas observando, admirando a paisagem.

A cachoeira da Macumba era uma das sete cachoeiras mais bonita de Petrópolis, com suas quedas tão convidativas para um banho. Observando seu entorno viu alguns elementos que evidenciavam que ali, adeptos de religiões de matriz africana realizavam seus rituais, o que fazia jus ao nome da cachoeira. Embora muitos entendessem essas religiões de modo deturpado, outros tantos sabem o quanto a essência delas são tão lindas e Marcinha enxergava exatamente assim. Tinha sua religião, mas entendia e respeitava a importância de todas as outras, e o que lhe chamou a atenção foi entender quantas pessoas iam ali para fazerem seus rituais e pedir um amor, porque no fundo é isso que todo mundo busca, viver um grande amor e ela não era nem um pouco diferente, o detalhe é que infelizmente não poderia ter a pessoa que ocupava seu coração.

De repente uma mulher que provavelmente acabava de chegar lhe chamou a atenção. Ela estava de costas para a garota e com um chapéu enorme, estendendo sua canga com um grande elefante indiano no chão. ela o fazia com tanta graça e leveza algo tão comum. A mulher se sentou, passou o protetor ou óleo de se bronzear pelo corpo e o fazia como se fosse garota-propaganda desse tipo de produto. Era impossível não olhar e ao vê-la passar pelas pernas fortes e torneadas, causou em Marcinha um arrepio e qual não foi o seu espanto ao ver aquela ninfa tirar o chapéu e se virar e reconhecer quem estava diante de seus olhos.

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