Estou em um dos melhores sonos da minha vida, quando alguém me acorda desesperada.
— Mara, o que houve?
— Seu pai, ele está chamando você, é urgente.
Levanto-me depressa e corro até seu quarto. Ele parece agitado demais, fala sem parar como se tivesse muita pressa. Estende a mão trêmula ao me ver e a seguro imediatamente.
— Laura — é tudo o que diz.
— O que tem a Laura?
— Preciso falar com ela.
— Ela virá pela manhã, em poucas horas.
— Não tenho esse tempo.
— Não diga isso, pai.
— Chame a Laura, vá buscá-la, por favor!
Assinto e deixo o quarto indo às quatro da manhã até a casa dela. Ela sequer vai me receber, mas vou assim mesmo.
Para minha surpresa, assim que abriu a porta assustada, só precisei dizer "meu pai" e ela veio comigo imediatamente. Bateu na casa de uma vizinha e pediu que a mulher ficasse com Eva e vim o mais rápido que pude.
Joaquim está com nosso pai quando chegamos. O olhar dele encontra Laura e ele parece ainda mais aflito. Não entendo o que está acontecendo, mas ele estende a mão a Laura, ela demora um pouco a segurá-la, mas o faz, então ele diz coisas que nunca havia imaginado. Coisas que jamais pensei que ele houvesse feito a ela.
— Não tenho muito tempo, mas não posso partir sem me desculpar com você, Laura.
— Senhor Fagundes, não há necessidade agora...
— Sim! Eu preciso fazer isso! Você pode não me desculpar, mas eu preciso dizer. Preciso dizer para que ele também saiba — imagino que esteja se referindo a mim. — Eu fui até você, Laura. Não aceitei perder meu filho para outra pessoa, então fui até você e te ofereci uma grande quantia em dinheiro para que você sumisse. Eu quis comprá-la, você recusou. Eu lhe ofereci tudo, mas você disse não. Você se ofendeu de verdade. Então fiquei esperando que João Pedro aparecesse diante de mim enojado com o que fiz, mas isso não aconteceu, porque você não contou a ele. Por quê? Por que não contou?
Essa lembrança parece machucá-la. Ela respira com dificuldade antes de responder:
— Eu não queria que ele odiasse você. Você é o pai dele.
— Eu não merecia sua misericórdia. E quando o João Pedro foi preso eu te disse...
— Por que você está relembrando isso agora? Não passe seu tempo final aqui remoendo o passado — ela o interrompe.
— Eu preciso dizer, preciso saber que você me perdoa. Eu quero assumir cada erro, mostrar ao meu filho o monstro que sou e preciso que você me perdoe, que conte a ele e me perdoe. Eu fui cruel com você quando ele foi baleado. Você estava sofrendo e eu piorei tudo. Fui mais cruel ainda quando ele foi preso. E ainda mais quando a Eva nasceu. Eu sabia, Laura, sempre soube que ela era sim minha neta. Mas eu esperei. Como um covarde esperei que você viesse até mim, que me pedisse ajuda, que reclamasse os direitos dela como uma Fagundes. Mas você não fez. Nunca fez. E então ela adoeceu e eu deveria ter oferecido tudo, ter dado a vocês o que era direito dela e não fiz. Achei que naquele momento você iria me pedir ajuda. Eu sabia que você era uma pessoa muito melhor do que eu, mas eu precisava que fosse você a pedir ajuda.
Laura solta sua mão e chora. As lembranças parecem machucá-la demais. Aproximo-me dela e a abraço, está tão atordoada, que permite. Ela se esconde em meu peito e permite que eu a ampare.
— E você passou por tudo sozinha. Eu sofri também, achei que íamos perdê-la, mas eu não era a mãe dela. Você passou pelo inferno e eu estava aqui, no meu palácio, vendo você passar por tudo com a minha neta, incapaz de oferecer ajuda. Me perdoa, Laura. Por favor. Há três anos não consigo dormir direito, a consciência não permite. Há três anos odeio o que vejo quando me olho no espelho. Eu preciso que você me perdoe.
Laura sai dos meus braços finalmente e deixa o quarto. Sai correndo e desce as escadas. Penso em ir atrás dela, mas esses podem ser os últimos minutos do meu pai. Ele tem lágrimas nos olhos. Olha para mim com toda culpa ao dizer:
— Me perdoa filho. Ela vai contar a você, vai dizer quem eu realmente fui e preciso que você me perdoe. Pelo seu bem, não meu. Espero que um dia você me perdoe.
— Ela também vai te perdoar, pai. Pode não ser agora, está enfrentando tudo de uma vez, é muito perdão que ela precisa conceder e é difícil assimilar tudo, mas ela vai — garanto a ele para que não sofra mais.
Ele fecha os olhos e fica quieto. Encaro Joaquim que, assim como eu, está tenso. Penso em chamá-lo, mas ele cantarola baixinho a melodia de uma música. Stairway to heaven, sua música preferida. Laura então volta ao quarto.
— Otavio — chama meu pai baixinho e ele abre os olhos. — Vá em paz, eu o perdoo. Por tudo, eu o perdoo.
Ele sorri, fecha os olhos novamente e tem o semblante calmo, alegre.
— Sabe, Laura, eu nunca, nunca tentei comprar sua filha. Não fui eu quem tentou. Jamais a tiraria de você.
Não entendo do que está falando, mas Laura parece entender, pois fica tensa novamente, como quando meu pai estava relembrando o passado.
— Você precisa acreditar em mim — pede ainda mais baixo.
— Eu acredito — Laura responde e encara Joaquim.
Encaro meu irmão que parece atônito. Não faço ideia do que está havendo, que segredo é esse entre eles?
— Obrigado — meu pai diz pouco depois e fica quieto.
Sua respiração é o indício de que não se foi. Esperamos alguns minutos, mas ele dorme tranquilamente. Então saímos do quarto para que ele descanse.
O dia está nascendo quando volto ao seu quarto, abro a porta devagar, apenas para ver o movimento de seu peito, para saber que ele resistiu mais um dia para ver o desfile que tanto queria ver. Mas ele não se move mais. Corro até sua cama e toco seu pulso, tento ouvir seu coração, seu corpo ainda está quente, mas não há mais nenhum sinal de vida.
Meu pai faleceu.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Desde que errei - DEGUSTAÇÃO
RomanceAPENAS ALGUNS CAPÍTULOS PARA DEGUSTAÇÃO. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. PROIBIDA CÓPIA OU DISTRIBUIÇÃO PARCIAL OU TOTAL DESTA OBRA SEM CONSENTIMENTO DO AUTOR. PROIBIDO ADAPTAÇÕES. PLÁGIO É CRIME! Cansado de viver sob as amarras do pai, João Pedro dec...