3 - Parte 2

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Passamos a noite assim, vendo fotos, ouvindo histórias, inclusive de quando ela esteve doente, aos dois anos. Ela diz por alto que quase virou estrelinha e encaro Laura em busca de maiores informações sobre isso, mas ela não diz nada. Por horas não diz nada. Por fim, Eva parece cansada. Comeu no meu colo e não o deixou nem quando passamos do chão frio para um sofá. Recosta a cabeça em meu peito e continua contando histórias da escolinha que frequenta. De repente há o silêncio, ela dormiu.

Levanto-me devagar, meio sem jeito quando sua cabeça cai para meu braço. Laura passa por mim e a sigo até o quarto de Eva. A deposito sobre a pequena cama e Laura a cobre. Faz uma oração rápida segurando as mãos dela, a ajeita no travesseiro, beija sua testa e se afasta. Observo mais um pouco meu pequeno anjo tão sereno enquanto dorme e sigo Laura para fora do quarto.

Ela vai direto até a porta de saída e a abre, o que me faz sorrir.

— O que ela teve aos dois anos?

— Meningite.

— Como? Eu não fiquei sabendo de nada. Como você fez? Quem estava com você? O que você...

— Tarde demais para isso agora, João Pedro. Você queria conhecê-la, a conheceu. Agora vá embora.

— Você sabe que vou voltar.

— Sei? Vindo de você eu não espero nada.

— Como foi seu primeiro dia no emprego novo?

— Como você sabe sobre isso?

— Fiquei sabendo por aí. Você gostou?

— Não é da sua conta.

— Só estou tentando conversar amigavelmente com você, Laura.

— Não somos amigos, então não perca seu tempo. Ligue antes de vir ver a Eva, se for sumir, avise também. Não a deixe esperando.

— Eu prometi a mim mesmo esta manhã que não voltaria para a casa do meu pai sem ela — tento.

— Então compre outra casa.

— Não tenho dinheiro. Eu sou pobre agora.

— Durma na rua, então. Não é da minha conta.

Sorrio.

— Vou dormir na sua porta — aviso passando por ela. — Amanhã quando acordar, Eva vai me ver aqui todo dolorido e cansado, e saberá que a culpa foi sua. — Ela revira os olhos impaciente e nem um pouco disposta a ceder. — Só vou para a casa do meu pai com ela ao meu lado para conhecê-lo, não quero encará-lo e ver a decepção em seu rosto por eu estar desacompanhado.

— Não se preocupe, — diz com uma voz doce que me faz ter esperanças. — Seu pai sabe que você não é alguém que honra suas promessas. Não vai ficar assim tão desapontado.

Sorrio.

— Acho que terei que repetir isso incontáveis vezes até que você entenda. Eu mudei, Laura. Agora sou um homem que honra cada promessa. E prometi a meu pai que só voltaria para casa com a Eva. — Ela abre a boca para negar novamente, quando digo: — E eu prometo que nunca vou amar ninguém como amei você.

Ela fecha a boca surpresa com minha declaração. Parece atordoada por um momento.

— Boa noite, João Pedro — diz e fecha a porta.

Olho a rua onde mora, a noite está fria, o céu estrelado e me sento no chão recostado em sua porta. Para quem passou tantas e tantas noites na prisão, essa calçada vai ser moleza. Mas só volto para a casa do meu pai levando-as comigo.


O frio parece congelar meus ossos rapidamente. Alguns vizinhos curiosos me observaram aqui, até vieram perguntar se eu precisava de ajuda. Mas expliquei que sou um homem que errou muito pagando por seus erros. No mínimo acham que sou louco, mas quem se importa? As luzes da casa delas se apagaram há algumas horas. Não faço ideia de que horas são, mas com certeza passam das duas.

— Você vai mesmo me deixar aqui a noite toda? — pergunto baixinho e de repente a porta é aberta atrás de mim e caio para trás.

A visão que tenho é de suas pernas macias pouco cobertas. A camisola que usa não seria tão sexy em qualquer outra mulher, mas sendo nela, é uma tentação. Faz meu corpo aquecer quase instantaneamente. Levanto-me avaliando seu corpo minuciosamente. Ela percebe, mas mantém seu olhar e pose mostrando que minha inspeção não causa absolutamente nada nela.

— Você ainda está aqui?

— Eu disse que não vou sair daqui até que você me deixe levá-la.

— Está muito frio aí fora.

— Então me deixe entrar.

Ela me olha com um sorriso e me estende um cobertor, ao invés de me estender a mão.

— Pra você não dizer que sou cruel.

— Você vai mesmo me deixar dormir aqui com esse frio?

— Não fui eu quem ordenou que ficasse aí. Você mesmo se colocou de castigo, e se o fez deve ter muitos bons motivos. Muitos erros para compensar, muitos pecados para pagar, essas coisas. Quem sou eu para absolvê-lo não é mesmo?

— É bom ver que você continua a mesma, minha pequena atrevida — digo pegando o cobertor de sua mão.

— Só que eu não continuo. Eu mudei, e muito. Você não faz ideia de quem sou agora.

— Estou ansioso em conhecê-la outra vez.

— Há erros que só cometemos uma vez.

— Touché — respondo admitindo que ela venceu essa pequena batalha. — Está mesmo muito frio aqui fora, qual a temperatura agora? Uns quinze graus?

— Doze — responde sem nenhum remorso.

— Tomara que eu fique vivo até de manhã.

— Boa sorte — responde e fecha a porta.

Consigo cochilar pouco depois, o cobertor que ela me deu tem seu cheiro. Me pergunto se ela o tirou de sua cama e não de um armário. Quase posso sentir seu calor nesses fios que me cercam. Sonho com ela, com Eva, com a vida que deveríamos ter agora. Juntos, felizes.

Acordo de repente ao cair para trás de novo. O dia está nascendo e mal sou capaz de me mover ao olhar seus olhos cansados. Ainda assim o faço, me levanto e a encaro.

— Vinte minutos — diz baixinho.

— O quê?

— Vocês terão vinte minutos com ela pela manhã. Não mais do que isso. Ela não vai se atrasar por causa do seu pai.

O sorriso que abro é refletido no castanho de seus olhos.

— Obrigado, Laura. Você também deveria ir, meu pai disse...

— É claro que eu vou! Você não achou mesmo que eu fosse deixar minha filha sozinha com seu pai?

— Ele não é o Darth Vader — provoco.

— É pior do que ele, se quer saber. Iremos assim que a Eva acordar.

Concordo e me enrolo melhor no cobertor, mas me surpreendendo completamente ela abre a porta.

— Vou fazer um café quente e...

— Obrigado — aceito antes que ela mude de ideia e entro em sua casa.

Me acomodo em um banco e a observo se mover pela pequena cozinha e fazer o café. Fascinado por cada movimento, encantado de poder vê-la em algo tão rotineiro, sentindo-me, mesmo nessas circunstâncias, parte de seus dias.

Isso só serve para que eu confirme mais uma vez que não importa o que eu tenha que fazer, vou ter minha mulher de volta.

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Inté, meninas! 

Desde que errei - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora