O Varal de Panfletos

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Passava joãozinho
Pelas ruas de areia
Entre as casa de tijolos
E os pés de laranjeira
Procurava sua bola
Esfarrapada na viela
Indo de chinelos velhos
Na estrada da favela

Ante a cerca do gramado
Viu um sujeito engraçado
De camisa desbotada
Um velinho se sentava
Na pequena cadeira
Se encontrava á sua frente
Uma placa de madeira
João leu atentamente:
"Poesias do sertão"
Mas ficou com comichão

— Que diacho é poesia?
Nunca ouvi um troço desses
João confuso ele dizia
Que aquilo ele não entendia
Não estudava havia meses
Na escola os professores
Ensinavam a escrever
Através de brincadeiras
E programas da TV
Um dia deram aula
Sobre poetas e poetisas
Recitaram suas palavras
E fizeram as próprias poesias

Mas quem era aquele ancião?
O que fazia um poeta
No meio dessa solidão?
Debaixo do sol da caatinga
Era assim que ele vivia
Alguém passava na estrada
E um panfleto ele lia

— Isso não é panfleto não!
Falou o velho ancião
Riu da fala da criança
E da cara do João
— São cordéis, meu amiguinho
Pendurados no varal
Faço com muito carinho
Como ceia de natal
São um presente pra quem lê
E um professor pra quem entende
Grudam na alma pra sempre
Não há quem se arrepende

Como carcará no céu
Vai viajando nossa mente
Refletindo sobre as letras
Escritas no cordel
Tudo o que precisa
É de um lápis e um papel
Uma idéia na cachola
E pouco menos de uma hora
E então todos irão ler
O que tem para dizer
Sobre o mundo ao seu redor
Ou o que tem dentro de você

João ficou encabulado
Com as palavras que dizia
Até esqueçeu por um instante
O que na estrada ele fazia
Pegou um cordel com um desenho
Feito em papel vermelho
Era um casal de cangaçeiros
Se olhando no espelho
Ao virar uma folinha
Leu em voz alta o que havia:
"Ela é o meu amor
Ela é minha menina"

Ficou por lá por várias horas
Conversando com o velinho
Sobre os poemas que escreveu
E sobre a vida que viviam
Então Joãozinho percebeu
Que estava escurecendo
Sua mãe ia comer o couro
Se não chegasse em casa cedo
Pegou a bola que procurava
Cumprimentou o ancião
Que antes de se despedir
Lhe deu um lápis na sua mão

Ele disse pra João:
"Escute com atenção
Com isso você fala
O que há no coração
Pode escrever suas histórias
É só usar a imaginação
Pode ser quando 'cê quiser
Na alegria ou na solidão
O que importa é que você
Nunca esconda de si mesmo
As emoções que você guarda
Sempre vão encontrar um jeito
De se expressar de alguma forma
Então leve esse lápis
E leve sua bola"
O velinho se despediu
E Joãozinho foi embora

Quando ele chegou em casa
Disse o que aconteceu
Sua mãe não brigou
E nem repreendeu
Ele pegou o seu caderno
Que estava na gaveta
Logo pensou em um poema
Que saía da cabeça

Com muita calma escreveu
Usando versos e estrofes
Rimando com suas palavras
E recitando num corre
E quando ele terminou
Logo leu tudo de novo
E então sorriu alegremente
Para a folha á sua frente

Nunca irei me esquecer
Daquele velho na estrada
Hoje em dia eu sou poeta
E o orgulho da amada

𝙉𝙚𝙤𝙥𝙤𝙚𝙩𝙞𝙠𝙖Onde histórias criam vida. Descubra agora