Capítulo I

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Eu sempre achei o carteiro um gato. E foi uma grande surpresa, até para mim mesma, induzir um cachorro à morder seu traseiro em uma perseguição que me fez parecer uma policial em série. Foi uma cena digna de filme; todos na rua pararam para olhar o momento em que uma garota saiu de seu prédio às presas, mancando, com um olho roxo e a aparência de uma pessoa embriagada, gritando com um carteiro irritantemente bonito.
"Espere! Você!" Grito e vou mancando até ele o mais rápido que consigo, ou seja, um pouco mais rápida que uma velhinha bêbada, não que eu já tenha me deparado com tal coisa. O carteiro parou, me olhou de cima a baixo e começou a correr. O possível motivo desse pânico está na semana passado. Bom, eu não deveria ter corrido atrás dele naquele dia, afinal. Bufo de raiva e acelero o passo, ou tento acelerar, mas a distância só cresce a cada segundo.
"Charlie, vai!" Solto a coleira do meu cachorro e ele avança sem hesitar no carteiro. Sorrio quando ele pula nas costas do homem e o derruba de cara no chão, fazendo com que o mesmo começasse a se debater loucamente. Ele morde sua calça, o prendendo no lugar e espera, pacientemente, eu chegar ao seu encontro, coisa que demorou mais do que eu gostaria, sob tantos olhares curiosos e perplexos dos transeuntes.
"Você de novo não!" O carteiro exclama e percebo que está prestes a chorar. Acho que minha aparência de maníaca e brilho nos olhos de uma possível psicopata não diminuiu nada seu pavor.
"Olá de novo." Digo meio sorrindo, meio fazendo uma careta em sua direção. "Você sabe o que eu quero, meu amigo." Completo e ponho as mãos no quadril. Ele me encara inexpressivo do chão.
"Ser presa por perseguição!?"
"Quase isso. Você me deve respostas." Digo e estendo a mão para ele. O carteiro pensa por alguns segundos antes de apertar minha mão de volta.

2 meses atrás

Sempre é um pouco chato chegar em casa depois de trabalhar como uma escrava e pegar seu namorado aos beijos com sua melhor amiga no seu apartamento e no seu sofá. Sim, não é uma situação muito agradável. Eu quis fazer muitas coisas naquela noite, e todas as opções ou acabavam comigo em uma cela, alguém saindo do apartamento em uma ambulância, ou o jornal com uma manchete escandalosa gritando: Homicídio duplo em apartamento perto do centro de New York.
Mas eu, felizmente ou infelizmente, como você preferir; não fiz nenhuma dessas coisas. Talvez eu estivesse muito cansada, ou apenas não quisesse me desgastar daquela maneira tarde da noite. Então fiz algo típico de uma covarde exausta, abri a porta e pedi baixinho que eles saíssem. Eu não me importava se eles queriam se explicar. Não me importava se não era o que parecia, e muito menos queria ouvir a história desde o começo. Eu só queria ficar sozinha, o mais rápido possível.
Fiquei encarando o apartamento vazio e silencioso. Mesmo querendo ficar sozinha, nunca desejei tanto um abraço. Olhei para o sofá e lembrei da cena que vi momentos atrás. Minha visão ficou enevoada, de repente, por um sofá em chamas. Vou para a cozinha em meio ao meu torpor, meus olhos estão ardendo. Não me permito chorar. Pego uma garrafa de vinho e bebo um imenso gole, fecho os olhos. Não me permito chorar. Vomito. Jogo a garrafa na pia. Vou para meu quarto e tiro o sobretudo enquanto me encaminho para a cama de casal que agora parece maior do que um tempo atrás.
Caí no sono antes de deitar completamente na cama. Não foi a minha melhor noite de sono, isso eu posso garantir sem pestanejar. Acordar cedo nunca foi doloroso para mim, mas eu sinceramente não consigo pensar em outra palavra para descrever a sensação de acordar naquele momento. Abri os olhos, e, surpreendentemente, eu estava no chão, como eu fui parar ali, era um mistério para mim, que eu não estava com paciência para resolver, aliás.
Levantei ainda entorpecida de sono e fiz uma careta, precisava de um banho. Urgentemente. Tirei a camiseta e em seguida minha calça jeans, depois os sapatos. Andei pelo corredor com os olhos pesados e entrei na sala. Parei na entrada do corredor quando percebi que tinha alguém no apartamento. Bom, eu fiz a única coisa que uma pessoa seminua pode fazer ao perceber uma invasão em seu apartamento. Gritei. A pessoa se assustou e gritou também, após um pulo que quase a levou para o chão. Parei de gritar assim que reconheci o rosto do desgraçado.
"Que droga, Matt. Quer me infartar!?" Exclamei com a mão no peito e respirando fundo. Matt estava pálido e desviou o olhar de mim, me jogando uma toalha logo em seguida. Cobri o corpo rapidamente.
"Não fui eu que apareci no corredor feito uma assombração sem roupas." Ele disse e apontou para meu corpo, agora coberto.
"E não fui eu que entrei no apartamento que não era meu sem bater!"
"E não fui eu que deixei a porta destracanda, como um sem noção e vomitei até cair na noite passada." Retesei o corpo com aquela afirmação.
"Como sabe que eu vomitei?" Perguntei, mas assim que respirei mais uma vez senti o cheiro pútrido que rondava meu apartamento. Eu sequer lembrava onde havia vomitado.
"Pelo cheiro que nos cerca no momento, constatei que, ou você tinha vomitado, ou tinha explodido." Ele apontou para mim e me avaliou, como se para ter certeza de que eu não havia explodido mesmo. "A sua palidez grita que a resposta que procuro é a primeira opção." Olhei para o chão e senti as memórias querendo voltar, mas não permiti que me alcançassem, eu tinha medo de desabar, de sentir alguma dor. Então apenas deixei-as enterradas no fundo do meu ser.
"Olyn?" Finalmente olhei para Mathew e forcei um sorriso sem dentes. Ele apenas me encarou de volta e comprimiu os lábios, seus olhos brilharam e ele aparentemente tomou uma decisão interna. "Por que não vai tomar um banho?" Dessa vez meu sorriso foi sincero.
"Estou fedendo?"
"Está." Ele disse rindo. "Vamos ao café." Não foi uma pergunta, mas mesmo assim eu devolvi:
"Precisa perguntar?" Vinte minutos depois saí do banheiro e dei um sorriso cansado e aliviado. Mathew já tinha limpado meu apartamento, o ar que antes cheirava demasiadamente a vômito, agora estava banhado de cheiro de rosas por toda a parte. Cheguei no quarto e um bilhete jazia no meio da minha cama arrumada por Mathew, dizendo que meu amigo ia me esperar no café, e que eu devia arrastar meu traseiro para lá o mais rápido possível, e, se caso não o obedecesse ele iria me puxar pelos cabelos até lá. Sorri diante de tanta delicadeza e vesti rapidamente minhas roupas. Meu cabelo estava naqueles dias, por isso eu, dez minutos depois, o amarrei em um rabo de cavalo no elevador.
Ignorei a todo o custo meu reflexo desleixado brilhando para mim nas paredes do elevador. Saí rapidamente e botei um sorriso no rosto tão falso quanto a silicone da mulher que estava se esfregando no carteiro. Reprimo uma careta merecida. Todos os dias o pobre carteiro tinha que passar por aquilo. Pelo seu semblante, ele aparentemente preferiria estar sendo atacado por um cachorro como um carteiro normal, ao invés daqueles troços duros como pedra que a minha vizinha colocou no começo do ano.
"Bom dia, Olyn." Meu sorriso se tornou menos artificial quando Barry, o recepcionista do prédio e meu amigo, me cumprimentou com a cabeça como faz todos os dias.
"Bom dia, Barry." Digo e uma figura mais alta sai detrás de Barry com um sorriso radiante.
"Bom dia, Srta. James." Jacob, o ajudante e neto de Barry, falou, com a cara tão cheia de felicidade que achei que iria pular na bancada e me abraçar.
"Bom dia, Jacob." Eles me encaram e seu sorrisos somem lentamente. Sem dúvidas estão com os olhares ocupados e preocupados em minhas olheiras e olhar cansado. Não lhes dou a chance de me perguntar nada quando afirmo: "Quem irá salvar o carteiro hoje?" Digo olhando para Jacob e tirando uma moeda do bolso.
"Cara." Ele diz e jogo a moeda no ar.
"Coroa." Aparo a moeda e faço uma careta, enquanto Jacob, o maldito, comemora na minha frente. Olho para Barry e jogo a moeda no ar novamente.
"Coroa." Ele diz.
"Cara."
Após perder para os dois, vou emburrada até o assédio rotineiro da semana.
"Olá, pessoal." Digo com um sorriso, e recebo, em resposta, um olhar de socorro mesclado com alívio, e outro assassino, do carteiro e da mulher, respectivamente.
"Caloryn." A mulher diz ainda perto demais do carteiro.
"Cindy." Pensei rapidamente no que dizer hoje e minha mente, mesmo cansada, não me decepcionou: "Passei pelo seu apartamento a alguns minutos, achei que você estava lá." Cindy rapidamente olhou para mim e lutei para ficar com a minha melhor cara de inocência.
"Por que achou isso?" Olhei despreocupada para minhas unhas.
"É que escutei uma barulheira lá dentro, seu namorado não deve conseguir fazer todo aquele... alvoroço sozinho." Como se fosse possível, o olhar dela ficou ainda mais assassino. Ela arrumou os peitos e se encaminhou a passos pesados para o elevador, como uma guerreira entrando no campo de batalha. Só rezei para não ter influenciado um homicídio naquela manhã.
"Obrigado. Não sei se aguentaria ser apalpado de novo." O carteiro diz e pisco para ele. Estava prestes a sair e ir embora quando meu olhos se detiveram em suas mãos, ele estava colocando uma carta na caixa de correio do meu apartamento.
"Uma carta para mim? Deve ser engano." O carteiro franze o cenho e analisa o endereço do envelope.
"Estou na apartamento certo. Número 47..." Arranquei a carta de suas mãos, curiosa. Mordi o lábio, tinha meu endereço exato, mas eu não imaginava ninguém que mandaria uma carta para mim. A última vez que eu havia recebido um envelope fora a cinco anos atrás, e era a reclamação de uma loja por eu ter quebrado uma 'peça importante de sua coleção.' Passei rapidamente uma lista das possíveis pessoas que me mandariam uma carta, a lista acabou mais rápido do que eu achava, com o total de zero pessoas.
"Abra." Saí de meus devaneios ao ouvir a voz de Barry. Eu estava cercada pelos três, que alternavam o olhar entre mim e a carta.
"Abra e leia." Jacob disse e o fulminei com o olhar. "Por favor?"
"Deixem de ser enxeridos. Preciso ir agora." Digo e coloco a carta cuidadosamente na minha bolsa, eu leria ela mais tarde com mais privacidade. Talvez não fosse nada importante, afinal, mas era bom deixar eles com raiva logo cedo. Suspirei e analisei minhas memórias rapidamente, para ter certeza de que eu não devia dinheiro à alguém.
"Você não pode ir!" Barry falou perplexo. "Essa é a primeira vez que você recebe uma carta, vai esconder de nós!?"
"Sim." Digo e corro até a porta de vidro do apartamento antes que algum deles pule em meu pescoço e arranque a carta a força. "Até mais tarde!" Saio do apartamento, pensando que, com toda a certeza, as caras de indignação e curiosidade dos dois foi o que deixou meu dia mais bonito e pleno.

Cartas Para Alex : O Litoral Do Sol PoenteOnde histórias criam vida. Descubra agora