Capítulo XVI

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“Cristo crucificado, isso está uma delícia.”
Sorrio. Quando Barry faz qualquer elogio à alguma coisa, ela provavelmente está tudo o que ele diz e talvez um pouco mais. Essas eram umas das características que eu mais amava em Barry, sua sinceridade e a capacidade de nunca reclamar da minha comida.
“Parece até que derrete na boca.” Matt disse de boca cheia e deu um gemido cheio de êxtase. "E que foi feita pelos deuses do Olimpo.
“A melhor comida que já provei.” Jacob disse, é claro que ele diz isso em todos os jantares que eu preparo. Não reclamo de forma alguma.
“Nunca comi nada assim antes.” Sam diz, sem tirar os olhos da comida.
     Meu coração se aquece naquele momento de uma forma arrasadora.
“Aos meus melhores degustantes!” Digo e levanto a minha taça de vinho para o centro da mesa, as taças tilintam quando se encontram; quatro com vinho tinto e uma com refrigerante.
O frango à parmegiana que estávamos nos deliciando agora, foi, obviamente, o único motivo da nossa ida ao mercado, mais cedo. Eu queria fazer a viagem o mais rápido possível, e, como não tínhamos previsão para voltar, nada melhor do que fechar a nossa noite da melhor forma: Com um jantar. Eu sempre faço as comidas para os meninos com muito amor e carinho, mas dessa vez eu estava me parabenizando internamente, o frango estava fantástico até para os meus padrões rígidos de culinária.
Mochilas já foram abarrotadas de roupas, assim como comidas - muitas - para a viagem. E nada melhor do que fechar a noite com chave de ouro. Eu queria esquecer todos os acontecimentos desastrosos de hoje, e, para mim, aproveitar aquele momento com meus melhores amigos, era o melhor bálsamo.
Matt estava ao meu lado, e não pude deixar de perceber que, não raro, ele me olhava com uma expressão genuína de preocupação e curiosidade. Quando ele me deu seu quinto olhar, decidi encará-lo. Seus olhos eram inquisitores, ele arqueou uma sobrancelha e eu soube na hora o que ele queria dizer: “Você está bem?
Inclino a minha cabeça para o lado e dou um sorrisinho: “Não estou morta.” Ele me dá um breve sorriso e volta a atenção para o frango. Depois da bomba que Peter me jogou hoje cedo, fui direto para o meu apartamento, mandando para o diabo o favor à Barry. Matt não me seguiu, na verdade, quando eu saí de seus braços, ele ficou me encarando, com uma imobilidade que eu não soube decifrar. Mas, alguns minutos depois, ele irrompeu pela porta do meu apartamento com um ímpeto tão avassalador que me perguntei se ele havia virado outra pessoa, não estava nada parecido com um Matt que me deu um abraço suave na frente do Linds James, era como se ele houvesse acordado de um transe. Mas não dei muita atenção à isso, pois Matt explodiu em perguntas logo que entrou na sala, tirando qualquer linha de pensamentos que eu tivesse formado até aquele momento.
Como de se esperar, respondi todas as suas dúvidas calmamente, com controle e paciência recuperados. Expliquei para ele que, assim como o beijo, eu me deixei levar pela emoção… e, bem, Peter estava no lugar errado, na hora errada. Disse para Matt que eu não queria mais falar sobre aquilo e me concentrei no jantar que eu planejara e não pretendia cancelar. Mesmo depois de tudo, eu não me arrependia de nada, sinceramente, acho que Peter mereceu cada patada de minha parte. A melhor coisa que percebi no meu interior, foi que eu não estava magoada; com raiva, mas não magoada. Eu me perguntava se isso era normal ou se eu era um robô alienígena avançado que não tem sentimentos. Lembrei do meu ataque de fúria mais cedo, talvez tenha sido um erro no meu sitema robótico, afinal. Apenas inclinei minha cabeça e decidi deixar como estava. E eu não me sentia nem um pouco abalada com a decisão precoce.
E agora, feliz por não ter cancelado o jantar por assuntos que sequer mereciam minha frustração ou atenção, eu conversava animadamente com todos de forma distraída. É claro que aquele não era o nosso primeiro jantar; fazíamos isso desde que o grupo se formou e Barry descobriu que havia uma mesa redonda e enorme na salinha além do balcão. Haviam dez cadeiras, muito espaço para pouca gente. Mas demos um jeito, afinal. Não dava para levar tudo para o  apartamento de Matt ou o meu, então, fechamos todo o prédio, apagamos as luzes, acendemos algumas velas  e, assim, fizemos o nosso próprio restaurante particular e pessoal. Era a melhor coisa do mundo.
Escuto um suspiro e olho para a minha direita, Sam está se deleitando com cada garfada, seu semblante de contentamento não poderia me deixar mais feliz. A mesa passou de quatro para cinco ocupantes, diminuindo o espaço entre nós. E estava sendo tão agradável, tão leve e pleno para mim, e, eu descobri que poderia ficar ali para sempre, rodeada de meus amigos, rodeada de minha família. Encarei Barry, com seus cabelos e barba branca, ele se tornou minha família tão logo o conheci; e Jacob, com seus cabelos pretos cacheados e sorriso fácil, não foi diferente. Olhei para Matt, que estava rindo de alguma coisa que Jacob contou, ao seu lado, e não pude deixar de pensar em como eu era sortuda por tê-lo, ele sorriu para mim, sorri de volta genuinamente. Até Sam, que entrou no grupo a pouco tempo, já ocupava um belo espaço em meu coração. Eles eram minha família. A certeza disso fez com que eu me sentisse demasiadamente sortuda e feliz por um momento.
Eu estava bebendo vagarosamente do meu vinho quando, subitamente, Matt fez a seguinte inquisição:
“Algum de vocês sabe quem é Alex?”
Me engasguei. E acredite, quando eu digo, que não vou um engasgo qualquer. Primeiro o vinho parou na minha garganta, depois pareceu não se decidir se iria sair ou iria seguir seu caminho garganta abaixo. Coloquei a mão na boca para não cuspir e senti lágrimas nos meus olhos. Comecei a tossir fortemente e abanei as mãos no rosto vermelho. Senti uma mão na minha nuca e alguém colocou um copo cheio de água na minha boca, quase me engasgo novamente. Resfoleio e recupero o ar com dificuldade.
“Meu Deus, eu achei que você ia morrer.” Matt diz, tira a mão da minha nuca e pousa o copo d'água na mesa.
Olho para ele, ainda com os olhos lacrimejando, e indago:
“Quem é Alex?” Minha voz sai um tanto rouca devido ao processo de engarrafamento na minha goela.
Matt, por sua vez, me olha como se eu tivesse feito cocô no seu sofá e estivesse jogando as fezes pútridas nele.
“O quê?” Pergunto, diante de sua expressão.
“Eu não sei quem é Alex, seu ser inteligente, por isso eu perguntei à vocês.” Ele retrucou, dando pouca atenção ao assunto, é claro; por que ele se interessaria, afinal?
“Mas por que está fazendo essa pergunta?” Indago. Não posso deixar o assunto morrer agora.
“Um sujeito me perguntou dela hoje.” Diz com um simples dar de ombros e sinto, por um momento descontrolado, a vontade de pular nele, sacudir seus ombros, e forçá-lo a me dizer tudo o que sabe. A que ponto eu cheguei...
Quem!?”
“Eu não sei, como saberia?”
Quando?”
“Hoje mais cedo. Quando eu entrei no apartamento para fazer você sabe o quê. Ele estava saindo do elevador e nos esbarramos aqui na recepção.” Explica e franzo o cenho. Droga, como eu não o vi saindo…? Xingo mentalmente, eu estava ocupada demais com o Peter bobão. Burra, idiota, burra… Aquilo seria a resposta para todos os meus problemas, e eu deixei passar na minha frente sem perceber, literalmente.
“Quem ele era?”
“Você é surda, mulher? Já disse que não sei.”
“Mas como ele era? Qual era a sua aparência?”
“Por que está tão interessada?” Matt perguntou e ofeguei. Não tinha reposta. Olhei para todos, que me encaravam como se eu tivesse enlouquecido. Percebi que eu estava ansiosa demais, ninguém demonstraria aquela curiosidade por um simples estranho. Eu tinha que agir normalmente. Pensei no que eu faria em um momento totalmente normal. Me reencostei na cadeira e mechi na comida com o garfo, aparentando estar despreocupada quando digo, com a voz arrastada:
“Por nada... só curiosidade.”
Fico em silêncio por alguns segundos e levanto o olhar. Eles estão me olhando com uma cara mais horrorizada e descofiada do que antes.
“Por que está aginda desse modo estranho?” Sam perguntou e me emperdiguei. Não aguentava não falar nada sobre o que Matt dissera. Me virei de supetão para ele, Matt quase caiu da cadeira pelo susto.
“Como ele era? Talvez se eu esbarrar com essa Alex eu diga quem a está procurando.” Digo docemente com ar de despreocupação. Não era totalmente mentira, eu realmente pretendia dizer à Alex, quando a encontrasse, que havia um sujeito escritor romântico atrás dela. Ela obviamente saberia de quem se tratava.
O rosto de Matt se suavizara mais quando ele disse:
“Cabelos castanhos, na verdade, era uma mescla de loiro e castanho escuro; olhos castanhos claros, alto, magro, sorriso largo, sobrancelhas arqueadas, ah, e veias saltadas nas mãos.” Ele descreve o homem quase que perfeitamente e fico boquiaberta. “O quê?”
É Jacob quem responde:
“O que diabos você fazia olhando para as mãos dele!?”
Matt franziu o cenho como se não achasse nada demais em seus comentário anterior. Ele deu de ombros.
“Eu olho para as mãos das pessoas quando dou um aperto de mão. Aliás, eram mãos bem fortes. Ele tinha um bom aperto.” Disse e voltou a atenção para a comida escassa em seu prato. Sem perceber, e tampouco sem entender, prendo a respiração. Sinto um frio na barriga, como se meu corpo soubesse que aquela seria uma cena crucial para todo o mistério que eu estava tentando, com dificuldades, resvolver.
“Qual o nome dele?” Pergunto baixinho e encaro as minhas mãos espalmadas na mesa. Matt faz um barulho de quem está tentando se lembrar de alguma coisa, até que o nome escapa de seus lábios com um “ah” de lembrança:
“Damyen.” Disse, apenas, e, por sucinto segundos, me senti ser apagada do mundo.
Damyen.” Falei suavemente, como se eu pudesse provar o nome em meus lábios. É perfeito, uma voz diz em minha cabeça e dou um sorriso bobo, por algum motivo, concordo com aquela voz, mesmo não sabendo o por quê de esse ter sido o primeiro adjetivo a vir à minha mente. Senti uma sonoridade incrível apenas em dizer seu nome, como se nada mais que saísse da minha boca parecesse tão certo como aquilo. Damyen.
Talvez seja ele, percebo, talvez ele seja o escritor romântico anônimo de Alex. Talvez ele seja o causador disso tudo. Me culpo novamente, eu deveria ter prestado mais atenção. Talvez se eu não estivesse fazendo coisas estúpidas eu poderia tê-lo visto e finalmente dado um fim nessa bagunça. Arregalei os olhos, com um novo pensamento. Me virei novamente para Mathew.
“Qual era o sobrenome dele?” Pergunto, com novas esperanças. Não deveria ser difícil achá-lo se eu tivesse seu nome e sobrenome. Deveriam existir muitos Damyens em New York, mas o número dos mesmos com um sobrenome específico devia ser muito menor. Damyen não era um nome tão comum na cidade, vi isso como um bom sinal. Mas sinto minha emoção murchar quando Matt dá de ombros e murmura um:
“Não tenho ideia.”
Fico encarando ele, fecho a boca antes que ele ache ainda mais estranha a minha reação.
“Ele estava doente.” Matt explica. “A voz estava rouca e não pude ouvir a outra parte. Sinto muito.”
“Ah!” Claro! Lembrei da última carta dele, que dizia a sua preocupação com uma possível doença. Meu estômago deu uma cambalhota. Era ele mesmo! Só podia ser, tudo se encaixava de uma maneira quase perfeita. Comecei a rir. Alto. Ri tanto que minha barriga doeu. Eu me sentia bem, eufórica, até. Me levanto, com a taça em mãos, e exclamo:
“Um brinde à minha família e às segundas chances!”
Fazemos o brinde. Ignoro os olhares confusos que todos me deram e nos sentamos novamente. Barry dá uma risadinha e o encaro, no meio de minha alegria.
“Eu só sei que vou sentir sua falta e de sua esquisitice, garota demônio. Muita.”

No dia seguinte

Não morram.”
É claro que eu poderia imaginar milhões de despedidas diferentes e agradáveis. Ou frases animadoras e carinhosas. Mas eu percebi que nada disso fazia muito o estilo de Barry, e, quando ele usou uma frase com a palavra morte, eu não pude pensar em outra coisa que ele poderia dizer.
“Vamos fazer o possível para que isso não ocorra.” Digo com um sorriso descontraído. Barry não sorri.
“Estou falando sério, garota insolente, se vocês morrerem, eu mesmo vou me encaminhar para o inferno e ser o torturador de vocês.”
Matt parou ao meu lado, com uma mochila no ombro e franziu o cenho.
“Posso saber o por quê de nós estarmos no inferno, se morrêssemos, ao invés de estarmos no céu?” Ele perguntou e não contive um sorriso. Que conversa mais agradável para uma manhã.
“A pergunta é: Por que vocês não estariam…?”
“Vocês são doidos.” Digo, de braços cruzados, e os dois me encaram.
“Falou a personificação da sanidade.” Matt retruca e lhe dou um amável sorriso.
“Ouvi dizer que a loucura é contagiosa, e, infelizmente, meu melhor amigo é um tanto pertubado.”
Um tanto ainda é um elogio.” Jacob diz ao lado do avô e sorrimos. Matt tenta não sorrir, mas falha miseravelmente. Ele coloca um braço nos meus ombros e me puxa para perto, enlaço meu braço em sua cintura. Encaramos Sam, que estava sentado no chão, e, segundo ele, se despedindo de Charlie.
“Vocês acham que irão demorar muito?” Jacob pergunta e me viro para ele.
“Não sei, Jack. Mas acho que não será mais de uma semana.” Explico e ele anui.
“Tomem cuidado.” Barry fala e desvia o olhar, aparentemente envergonhado.
“Não se preocupe conosco, vovô.” Matt provoca e Barry o fuzila com o olhar. Eu não sabia que uma pessoa podia fazer gestos obscenos e xingar apenas com um mísero encarar, Barry decididamente tinha esse talento. Estendo a minha mão para ele, pego sua mão enrugada e a aperto.
“Vamos ficar bem. E iremos voltar logo, logo. Eu prometo.” Digo com sinceridade e Barry aperta a minha mão de volta. Ele pigarreia, com as bochechas coradas e olhos molhados.
“Peguem. Quero que levem isso com vocês.” Diz, e estende sua pulseira de ouro para mim, e seu anel para Matt. Arregalo os olhos com aquela oferta e encaro Barry. Ele me dá um leve sorriso. “Assim terão uma parte nossa. Estaremos cuidando de vocês daqui.”
Não me contenho e lhe dou um abraço apertado. Agradecendo quando ele prende a pulseira em meu pulso. Matt coloca o anel e também abraça Barry, e depois abraçamos Jacob.
“Fiquem bem.” Jacob sussurra e assentimos.
Saímos do Linds James e, antes de nos dirigirmos ao carro, nos viramos e encaramos Jacob, Barry e Charlie, este último descansava o peso do corpo nas ancas e nos encarava, como se estivesse se despedindo também. Sorrio para eles e dou um breve aceno, assim como Matt e Sam. Damos as costas, entramos no carro e, como Sam gostava de dizer, caímos na estrada.



Cartas Para Alex : O Litoral Do Sol PoenteOnde histórias criam vida. Descubra agora