Capítulo XVII

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Três hora.
Eu estava me perguntando quanto tempo aqueles dois demônios conseguiriam ficar de boca fechada. Uma voz na minha mente zombou abertamente de mim: Ora, não seja uma tola idiota, se eles conseguirem não reclamar por um minuto já será o bastante. Se essa voz tivesse cara, eu iria rir abertamente em escárnio, pois, eles mostraram que não só conseguem ficar sem reclamar por um minuto inteiro, como conseguem ficar três horas. Até eu fiquei surpresa, mas admito que até uma parte de mim ficou aliviada quando Matt fez a primeira reclamação; eu achei que eles estavam ficando doentes.
"Se der para morrer de tédio, a minha alma já foi a muito tempo para outro plano." Ele diz com os braços cruzados no peito.
"Incorreto." Digo, prontamente. "Tenho quase certeza de que estou falando com você e sua alma nesse exato momento."
Ele vira a cabeça bruscamente para mim.
"Eu morri no primeiro minuto, e ninguém percebeu, minha alma ficou tão enraivecida que decidiu voltar para o corpo só para reclamar com vocês, seres insensíveis." Ele falou. Pequenos sulcos de formavam no meio de suas sobrancelhas enquanto ele nos encarava com uma carranca.
"Caretas dão rugas." Cantorolei para Matt.
"Insolências dão bofetadas." Ele desenvolveu.
"Você não ousaria."
"Mentalmente, sim."
"Se serve de consolo" Sam falou atrás de nós, deitado no banco, com um cinto de segurança o prendendo de alguma forma criativa. ", eu morri nos primeiros dez segundos."
"E sua alma decidiu voltar, também, por estar irracionalmente irada?" Pergunto com tom de astúcia e jogo um sorriso para Matt. Sam dá de ombros, mesmo deitado.
"Deu fome." Disse, apenas, enquanto se empaturrava de salgadinhos. Dei um leve sorriso e ficamos em um silêncio agradável, até Matt interromper meus pensamentos com a seguinte pergunta:
"Por que Portland?"
O encarei de soslaio, eu não tinha uma boa explicação para aquilo, não naquele momento. Ao invés de falar todo o emaranhado de informações que voavam pela minha cabeça eu disse:
"Soube que é muito agradável no verão."
Sinto o olhar de Matt sobre mim mesmo sem olhar para ele.
"Muitos lugares são agradáveis no verão." Ele comentou e senti o leve tom de dúvida em sua voz, aquilo me magoou, mas eu sequer estava em posição de me sentir ofendida.
"Escolhi um lugar aleatório. Queria que vocês dois se divertissem longe de Nova Iorque." Digo, e me consolo com o fato de que parte daquilo era verdade. Matt deve ter sentido a sinceridade em minha voz, pois logo desviou o olhar para a paisagem que passava rapidamente pelo carro.
"Quando vamos fazer a primeira parada?" Matt pergunta, e ouço um tom de preocupação em sua voz. Encaro Sam pelo retrovisor, ele liga o meu celular e dá uma olhada no GPS, claro, pois nem isso o carro tinha.
"Apenas em Massachussets, em um posto de gasolina." Ele fala e Matt se remeche no carro.
"Quanto tempo?" Pegunta. Sam olha de novo para a tela.
"Mais ou menos cinquenta minutos."
Matt faz uma careta e encosta a testa na janela do carro.
"Matt?" O chamei, preocupada e ele me olhou. Fiz uma pergunta com o olhar e ele mordeu os lábios. Entendi na hora e fiz uma careta. "Já!?"
"Eu já falei que não posso controlar uma coisa dessas."
"Do que estão falando?" Sam pergunta.
"Matt quer fazer xixi."
Em resposta, meu melhor amigo me olha, aparentemente horrorizado.
"Por que não coloca no rádio de uma vez? Ou melhor, por que não coloca a sua cabeça para fora do carro e grita para os sete ventos ouvirem minhas necessidades?"
"Até que me parece uma boa ideia."
"Você não ousaria."
"Não me desafie." Digo com um sorriso e pouso meu braço na janela aberta. Matt me dá um sorriso amarelo, com receio.
"Nem você é tapada a esse extremo."
"Tem razão." Digo, e encaro Sam pelo retrovisor, rapidamente. "Mas ele é."
"Mathew está com a bexiga solta!"

Mais ou menos cinquenta minutos depois

Paramos em um posto de gasolina para Matt e Sam fazerem suas necessidades e encher o tanque do carro de Melissa. Fiquei esperando por eles do lado de fora, apoiando as costas no carro e encarando o céu azul brilhante quase sem nuvens acima de mim. Dei um leve suspiro e permiti que meus pensamentos viajassem para a minha mãe. A vontade de querer saber se ela estava bem fez com que eu pegasse meu celular e ligasse para um número que a muito tempo eu decorara. Ele atendeu no segundo toque.
"Boa tarde, Srta. James."
"Doutor, como vai?" Essas palavras deixaram de ser uma pergunta a muito tempo, eu só as usava por etiqueta, e ele sabia disso.
"Nenhuma novidade." Ele fala e quase consigo ouvir requisitos de cansaço em sua voz. Mordo os lábios enquanto ainda encaro céu em seu azul infinito.
"Como ela está?" Minha voz sai baixa e hesitante, como sempre.
"Ela me parece bem, no momento. Fiz uma visita agora a pouco e conversei com ela, acredito que ela estava me ouvindo.."
Ficamos em silêncio por um tempo.
"Você acha que ela escuta?"
"Acho." Ele fala com veemência. "Assim como acho que ela adora as flores que você trás."
Dou um sorriso e sinto lágrimas se formarem em meus olhos.
"Eram... são as preferidas dela." Me corrijo com rigor. Ela ainda está aqui. Está aqui.
"Eu sei, você já falou, as flores que compunham o buquê de casamento dela com o seu pai."
"Que ótima memória." Falei, um tanto surpresa, eu havia dito aquilo a quase uma década, eu lembrava perfeitamente, mas não achava que ele lembraria.
Ele dá uma risadinha e o escuto suspirar, um pouco antes de dizer:
"Tenho orgulho de você, Olyn. Qualquer pessoa já teria desistido; pelo amor de Deus, nem acredito que já se passaram quase dez anos. Você é uma imagem a ser seguida, por não desistir dela."
Só percebi que havia prendido a respiração quando ele parou de falar e exalei profundamente.
"Como eu poderia?" Repliquei baixinho. "Como alguém poderia?"
"Já vi muitos casos." Ele respondeu e me emperdiguei. Já tivemos muitas conversas sobre a minha mãe, mas nunca fiz perguntas sobre pacientes com a mesma situação dela, ou dos acontecimentos na estrutura familiar. Por algum motivo, aquela pergunta se tornou importante para minha mente.
"Por que as pessoas desistem? Por que não ficam insistindo?"
"Poucas pessoas têm a sua esperança, Olyn. Ou até mesmo situação financeira para esse tratamento. A esperança existe apenas no primeiro quadro, o Estado Vegetativo Persistente, que dura no máximo cinco semanas, mas, quando se trata de Estado Vegetativo Permanente... as coisas começam a ficar complicadas. Muitos já desistiram no primeiro ano de doença, mas pessoas como você, não desistem nunca."
Fiquei apenas absorvendo suas palavras, com medo de que se eu abrisse a boca, lágrimas saíssem de meus olhos ao invés de palavras pelos meus lábios.
"A cura é improvável, mas não é impossível. Mas as pessoas simplesmente não têm fé. Acham que assim que a pessoa entra na doença, ocorre uma morte cerebral instantânea."
"Pessoas como o senhor?" Minha voz sai embargada, mas não me permito derramar uma lágrima. Ele não responde. "Ela vai voltar, eu sei que vai."
"Talvez" Ele começa, segundos depois. "um dia, nós iremos presenciar um milagre, Olyn."
Quando nos despedimos e eu desliguei o telefone, entrei no carro e segurei o volante com força. Simplesmente não comseguia calar aquela voz na cabeça, não conseguia a anos, e duvidava que conseguiria calar agora. A culpa é sua. A culpa é sua. A culpa é toda sua...
Fecho os olhos e sinto minhas mãos doerem de tanto apertar o volante. A culpa é sua... é sua... totalmente sua... Coloco ambas as mãos na minha cabeça, tentando abafar minha própria voz acusadora. Finco as unhas na palma da minha mão com força. A culpa é sua... Era incrivelmente terrível como um sentimento pode nos seguir por décadas. Respiro fundo e me acalmei lentamente. Olhei pela janela do meu assento e percebi que Matt e Sam estavam se aproximando, com sorrisos no rosto e conversando. Sorrio sem querer também, só por olhar para eles. Coloco uma das mãos no volante, mas recuo quando sinto uma pontada de dor.
Faço uma careta. Minhas unhas haviam feito meia luas na palma de minha mão, e duas delas penetraram a pele, tirando sangue. Xinguei e limpei rapidamente a mancha de sangue do volante com minha camisa que, por coincidência, era cor vinho. Sai do carro e finji que estava tão bem humorada quanto eles.
"Finalmente!" Digo e eles me encararam. "Vamos logo antes que alguém perceba que vocês inundaram o banheiro. Você dirige." Completo, com um sorriso, e jogo a chave na cara de Matt, que a apara com um sorriso.
"Não há nada que eu não faça por você, ser divino." Ele diz e entramos no carro. Olho para Sam enquanto coloco o sinto de segurança.
"Não comente o quanto ele é ruim dirigindo, ele fica com raivinha."
"Eu não fico com raivinha." Matt retruca.
"Você já está usando tom de quem está com raivinha." Digo e apontei brevemente para sua careta, com a mão que não estava ferida. Sorrio para Matt e Sam, pensando em como era fácil sair de um clima frio e tristonho com eles.
"Decididamente com raivinha." Sam falou e Matt segurou forte o volante.
"Silêncio."
"Ele tem muito azar com carros, também." Comento com Sam em um sussurro que poderia ser considerado um berro.
"Não diga!" Sam disse no mesmo tom.
"Ele bateu meu carro na primeira vez que pegou no volante, não deixei ele dirigir desde então." Olhei sucintamente para Matt e depois para Sam. "Espero que ele não nos mate hoje..."
"Pelo amor de Deus, não sejam dramáticos!" Matt exclama e gira a chave com rapidez. O motor só ligou na terceira tentantiva. Matt já estava ruborizado.
"Como eu disse." Afirmo, com um sorriso. "Azar com carros."
"Isso não foi nada." Ele retruca e se concentra na estrada quanto tira o carro do estacionamento com cautela. Matt afirma, segundos depois, com um sorriso no rosto: "Vai dar tudo certo."

Cartas Para Alex : O Litoral Do Sol PoenteOnde histórias criam vida. Descubra agora