“E que tal uma perna?” Suspiro pesadamente ao escutar a mesma ladainha que Mathew vem tentando me convencer a uma maldita hora. “Ou o pé, não é tão desumano assim.”
“Mathew, eu já falei, não vamos quebrar nenhum osso do corpo de Dave.”
“Mas ele tem que ficar indisposto de alguma forma.” Ele choraminga como se eu tivesse recusado dar um doce para ele. “Se quebrarmos a perna dele sem querer, ele não poderá sair de casa e eu terei um tempo imenso para reconquistar Jane.” Eu quase disse que ele nunca havia conquistado Jane para começo de conversa, mas achei muita crueldade. Ao invés disso, eu retruquei:
“Como se quebra a perna de alguém sem querer, para começo de conversa?” Mathew pensa um pouco e quase vejo um plano diabólico passar pelos seus olhos. Ele, em seguida, começa a fazer uma explicação cheia de aspas com os dedos.
“Digamos que o endiabrado receba uma ligação urgente de que alguém ‘vandalizou’ seu carro, e ele tivesse de sair do apartamento de Jane, pois ele estaria fazendo uma visita no dia do ‘vandalismo’, e iria sair rápido como o diabo para o elevador. Mas o elevador estaria ‘com problemas’, ele perderia a paciência e iria decidir descer as escadas. Mas um de nós dois, possivelmente você, que é mais desastrada do que tudo nesse mundo, vai estar lá ‘por acaso’ e ‘sem querer’ vai empurrá-lo com todas as suas forças. E se mesmo assim o danado não quebrar um osso, você ‘escorrega’ e faz seu cotovelo cair bem em cima da perna dele.”
Fiquei encarando Mathew por longos segundos. “Não sei se bato palmas para você ou corro na direção oposta.” Ele apenas sorri para mim, enquanto saímos do Café e atravessamos a rua, cada um com um copo de café com leite na mão.
“Não se preocupe, meus planos só são para meus arqui-inimigos listados.”
“Me lembre de evitar a todo custo essa lista.” Ele deu de ombros.
“Não há risco. A menos que você seja lésbica e roube a Jane de mim.” Me engasguei com a água da garrafinha térmica que havia comprado no Café e Matt começou a rir de mim. Joguei o resto de água na cara dele, Matt ficou paralisado por um segundo, daí pegou a garrafinha da minha mão e começou a bater na minha cabeça. Com força. Antes que pudéssemos entrar no Linds James, Matt, o maldito Matt, teve a ideia de me virar para si e jogar café na minha blusa. Dei um grito abafado, esperando que esquentasse, mas, em algum momento ele havia colocado café na garrafinha e esfriado ele próprio antes de jogar em mim.
Estendi a mão para estapea-lo, mas Matt já tinha passado pelas portas de vidro do apartamento. Segui atrás dele bufando de raiva, meu humor não melhorou nada quando Jacob começou a rir de mim. Com a blusa branca que eu estava usando, agora não era muito difícil apontar a cor do meu sutiã. Tive meu momento de vitória ao ver a cara arrasada de Jack ao saber que fora o seu café usado a sacrifício na minha camisa para aplacar a vontade de vingança de Mathew.
“Você não tem trabalho hoje, Olyn?” Barry perguntou enquanto bebericava seu café. Depois da história que ele nos contou duas noites atrás, não pude parar de desviar o olhar das joias em sua mão, e nem do brilho constante no olhar de Barry sempre que olhava para elas, como se o simples fato de elas estarem ali já acalentassem sua alma. Agora eu olhava para ele com mais respeito, se é que isto é possível.
“Tenho. Mas ainda não está na hora.” Digo analisando meu relógio de pulso. Acho que chegar mais cedo que o normal duas vezes seguidas seria demais para o coração do Sr. Donahue, afinal. “Deixei biscoitos no forno e ainda tenho que trocar de roupa.” Lancei um olhar fulminante para Matt que apenas me deu um sorriso inocente. Jack franziu o cenho.
“Você fez biscoitos?” Inclinei a cabeça para o lado.
“Por que não? É um ótimo aperitivo para o café da manhã.” O que tinha lá suas verdades. Mas, na realidade, meu grande motivo para o surto culinário é que um, eu sempre me sentia assim depois de uma visita à minha avó e o mundo das guloseimas; e dois, ontem, o Sr. Donahue, disse de maneira muito explícita para ser casual, que sentia uma saudade imensa de comer biscoitos, sejam eles o tipo que forem. Porque não fazer esse gesto para começar o dia? Essa era a minha barganha com o destino: doces por um dia de paz. Não poderia ser muito difícil, não é?
Como se ouvisse meu apelo, o universo, o bondoso universo, pareceu ter me mandado um sinal. As portas de vidro se abriram estrondosamente e nos viramos apenas para ver um Josh, com seus cabelos loiros esvoaçantes, sorriso e olhos brilhantes, e as mãos com veias saltadas segurando uma um buquê de rosas, e a outra uma caixa de chocolates. Engoli em seco. Quem olhasse de fora constataria que ele era um príncipe de contos de fadas. Mas eu não. E, enquanto eu olhava para o rosto jovial dele, percebi que eu não sentia nada. Absolutamente nada a não ser uma mísera gota de ressentimento. Apenas isso.
“Que milagre!” Matt exclamou com um sorriso e levantou ambas as mãos para Josh.
“Um milagre de Deus, de fato. Quanto tempo, garoto.” Barry disse e só agora percebi que ele estava com uma bengala, apontando para Josh. Ele devia estar naqueles dias de dor nos joelhos.
“Esses doces são para Olyn, imagino. Sabia que somos os melhores amigos dela?” Jack brincou e fiquei alternando o olhar entre os sorrisos de Barry, Matt e Jack e o sorriso tenso de Josh. Ele olhou para mim como se perguntasse: O que diabos estava acontecendo, misericórdia?
Não entendi sua expressão confusa por um momento, até que e a ficha caiu como um tapa em minha cara tão forte que nem me ouvi direito ao dizer: “Ah. Eles não sabem.” Reprimi minha vontade de arregalar os olhos, mas Josh nem juntou esforços para não fazê-lo. Senti Matt se mecher ao meu lado, desconfortavelmente.
“Não sabem o quê, Olyn?” Ele perguntou e o encarei. Oh, não. “Não sabem o quê, Carolyn?” Os olhos de Matt estavam fulminantes. Ele só me chama de Carolyn quando as coisas estão feias ou estão para ficar desastrosas. Eu só pensei que não queria aquele olhar destinado à mim quando falei, sem perceber, a última frase que podia ser o último prego no caixão de Josh:
“Ele me traiu.” Não sei direito o que aconteceu depois disso. Talvez um raio tenha caído nas cabeças de Matt, Barry e Jacob, e tivessem dado poderes à eles além de minha imaginação mundana. Pois, quando pisquei, Josh já estava no chão, Matt o estava sufocando, Jacob estava segurando suas pernas para não escapar, e Barry… céus, Barry estava batendo sua bengala no estômago de Josh! Saí de meu torpor quando Josh deu um grito estrangulado cheio de dor quando Barry acertou um pouco mais baixo que o seu estômago. Duas vezes. Com força.
“Matt! Gente, parem! Vocês vão matá-lo!” Tentei puxar Matt de cima de Josh, mas ele estava empenhado em se agarrar a ele no chão. Josh estava ficando roxo.
“Essa é a ideia. Seu desgraçado, traidor!” Matt exclamou e puxou Josh pelo pescoço para cima e para baixo. Lágrimas saíram dos olhos de Josh quando Barry o acertou pela terceira vez naquele lugar. Por algum milagre, o carteiro chegou naquele momento, ele ficou paralisado por alguns segundos até eu gritar com ele. Ele segurou Matt e eu segurei Jacob, os afastamos de Josh rapidamente.
“Não me segurem! Não me segurem!” Barry gritava exaltado e dava pulinhos minúsculos, agitando a bengala como se fosse uma espada para qualquer um que se aproximasse. Ninguém o fez. Josh ficou de quatro no chão, e vi o exato momento em que, uma ideia perigosa e talvez dolorosa para Josh, passou pela cabecinha de Barry ao alternar o olhar entre a bengala e Josh que estava a sua frente.
“Barry.” Alertei e ele abaixou a bengala. Por hora. Soltei Jack aos poucos, o carteiro fez o mesmo com Matt. Que ainda estava com aquele olhar raivoso na direção de Josh. Suspirei e quase joguei as mãos para o alto. O universo tinha mesmo uma ideia engraçada de paz.
“Josh. É melhor você ir embora.” Digo com a voz rouca, pelos gritos. Não há mais nada a dizer. Ele se levanta com o máximo de dignidade possível e me encara, ignorando todos os outros.
“Vim ver você.” Ele disse e olhou para o buquê de flores quase destruído, e os chocolates no chão. “E te dar isso…”
“Dê-me isso aqui.” Barry exclamou e tomou a caixa de chocolates da mão dele. Josh se aproximou aos poucos de mim, olhando para Matt e Jacob como se eles fossem leões protegendo seu filhote. Por fim, ele estendeu o buquê para mim. Fiquei tentada. Realmente tentada a pegar o buquê. Mas eu iria pegar apenas por pena. E não era justo para nenhum de nós dois eu fingir coisas que não existiam.
“Dê-as para Clarissa.” Matt e Jacob engasgaram e o último que eu achei que faria alguma coisa, deu um passo à frente.
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Cartas Para Alex : O Litoral Do Sol Poente
RomanceO que você faria se recebesse uma carta anônima de amor que sequer deveria ter chegado à você? Foi uma pergunta que Carolyn Darcy fez para si mesma quando se deparou com uma carta de um escritor romântico apaixonado, afastado de sua amada pelo tempo...