Capítulo X

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"Olyn, acho que o Sr. Donahue morreu de novo." Quase caí do último degrau da escada apoiada na prateleira de onde eu estava organizando os livros que ficavam no topo e tirando a poeira. Olhei para Sam, que me encarava do chão e desci rapidamente. Saímos do fundo da biblioteca e me deparei com o Sr. Donahue largado no chão de barriga para cima e boca aberta. Fiquei de joelhou e o cutuquei.
"Sr. Donahue?" Ele acordou na terceira vez que chamei seu nome, não em um tom muito baixo. Ele arregalou os olhos e me encarou enviesado. "O que faz no chão?" Ele olhou para Sam e bocejou.
"Não lembro."
"Oh, senhor. Venha." O ajudei a se sentar no balcão. Trinta segundos depois ele já estava roncando alto. "De novo, Sam!? Vou ter que te amarrar para ficar longe do velho?"
"Os outros dois desmaios não foram culpa minha!" Fechei os olhos. Chegamos na livraria cedo, e esse foi o quase primeiro infarto do Sr. Donahue. Por algum motivo, ele achou que seria legal correr atrás de Sam pela livraria, funcionou por doze segundos, até ele ficar tenso, dar um tossidinha e cair duro no chão. A segunda vez foi pior; Sam estava contando alguma piada para ele e, o Sr. Donahue riu tanto que a barriga começou a doer, aí ele começou a ficar roxo e caiu do banco da bancada, onde estava sentado. Então basicamente, Sam quase-matou ele três vezes em um único dia. Se Barry já me chama de garota desastre, quando ele conhecer melhor Sam, é capaz de se mudar de país e ainda acusá-lo de um pacto com o diabo.
Por algum motivo comecei a sorrir, não pelo pacto com o diabo, e sim da palavra. Por algum motivo soou agradável na minha cabeça. Pacto. Como a carta do escritor anônimo para... "Por que está sorrindo?" Me virei para Sam, que fez a pergunta, e pisquei.
"Nada. Por que não vai ler um livro, humn?"
"Para onde você vai?" Eu estava me encaminhando para os fundos da sala naquele momento com uma caixa vazia nas mãos.
"Tem um depósito lá atrás. Volto já." Ele assente e saio pela porta de carvalho escura no final do corredor do meio. Respiro o ar fresco e encaro o pequeno pátio de concreto que há atrás da loja. É totalmente vazio, mas tem um bom espaço para correr, talvez eu chame Sam para cá depois, poderíamos evitar outras mortes futuras do meu chefe. O pátio era cercado por todos os lados, mas à minha esquerda havia uma porta de ferro, me encaminhei para ela.
Só podia ser aberta com muito esforço e, quando consegui, coloquei um tijolo, que sempre deixo na frente do depósito, na abertura dela; pois, uma vez fechada novamente, só poderia ser aberta por fora. Muito útil com ladrões, ou melhor, se algum ladrão quissesse o conteúdo de dentro do depósito. Respiro fundo e sinto o cheiro forte de mofo. Pouco provável. Me aproximo de uma pilha que sei estar em um estado inaceitável de ficar em uma livraria e me ajoelho. Quando algum livro não vende, Sr. Donahue os coloca aqui dentro, e se, depois das vendas, livros novos não tenham chegado, ele recoloca os livros mais antigos nas prateleiras vazias. Mas quando uma pilha de livros fica mais de duas semanas aqui dentro, significa que eu sou a nova dona deles. Sorrio. O trabalho perfeito, como eu havia dito.
Olhei para uma pilha que estava ao meu lado, cheia de exemplares que eu adoraria ter. Sei que eu não devia, mas estava rezando para que não vendessem e eu pudesse levá-los para casa. Passei os dedos pela capa e suspirei. "Semana que vem." Prometo baixinho e quase grito de susto quando vejo uma sombra atrás de mim. "O que faz aqui!?"
"Vendo você paquerar esses livros a horas." Sam avalia o local com olhos curiosos antes de se voltar para mim.
"Não seja absurdo. Acabei de entrar aqui." Me levanto e olho para a porta. "Como conseguiu entrar?" O espaço que o tijolo deixava era muito estreito, e a porta era muito pesada para Sam puxar sozinho. Mas ele apenas dá de ombros e fala:
"Sou flexível." Olhei de novo para o caminho fino na porta.
"E muito, estou vendo."
"Quer ajuda?" Olho para a pilha de livros. Eram dez, então eu não teria problemas em carregar sozinha, mas mesmo assim falei:
"Sim, obrigada. Eu levo cinco e você cinco." Ele assentiu e coloquei cinco livros nos braços dele. Sam se virou para sair e me abaixei para pegar minha remessa quando vi... "Mas que...!" Me segurei, quase xingando, e dei um grito quando um rato avançou na minha direção como se estivesse possuído. Dei um chute leve nele, que caiu em uma pilha e correu. Fui atrás dele, mas ele já havia sumido. "Droga..." Arfei quando escutei um barulho pesado e que eu conhecia muito bem. A porta de ferro se fechou.
"Oh, oh." Escutei a voz abafada de Sam do lado de fora e quase caí de joelhos. Corri até a porta e gritei para ele:
"Sam! O que aconteceu!?"
"A porta se fechou."
"Mas o que aconteceu para ela se fechar?" Vociferei de dentes trincados mas me acalmei logo.
"Eu me assustei com o seu grito e tropecei, meu pé escorregou no tijolo..." Agradeci aos céus pela porta não se fechar rapidamente, caso contrário, poderia ter machucado Sam. É basicamente em câmera lenta, se eu tivesse olhado para trás, teria ganhado tempo e saído até que ela tivesse a chance de se fechar totalmente.
"Está machucado?"
"Não." Bom, pelo menos uma coisa boa. "O que eu faço?" Inclinei a cabeça para o lado.
"Chame o Sr. Donahue." Ele podia ser velho, mas ainda tinha mais força que Sam para abrir a porta.
"Certo. Não saia daí." Sam disse e, para minha infelicidade, começou a rir da própria piada. "Entendeu? Por que você realmente não pode sair." Ele riu ainda mais e suspirei.
"Hilário." Sam riu por mais alguns segundos até eu gritar seu nome e ele aparentemente correr de volta para a livraria. Exalei com força e culpei o maldito rato. Ele deve ter roido várias obras até agora, eu precisava de um jeito de me livrar dele, e logo. Me virei e paralisei no lugar. O rato cinza estava no meio da sala, e que me chamem de louca, mas eu tinha certeza que ele estava olhando diretamente para mim. Ele se aproximou mais, como se estivesse me cercando por eu ter invadido seu território.
"Pare!" Ele não parou. "Não se aproxime!" ele se aproximou mais. Peguei um livro como se fosse um escudo e me perguntei o que iria fazer.
Meu olhar varreu o lugar e parou em um tubo de ventilação. Claro. Era conectado com a livraria, eu poderia chegar até lá pelo tubo e escapar do roedor. Dois coelhos em uma cajada só. Animada, corri. O que eu não esperava era que o maldito ia correr também. Ambos disparamos em direção ao tubo de ventilação, subi em uma pilha velha de livros e tirei a proteção. Pulei e impulsionei meu corpo para dentro do tubo frio. Comecei a me arrastar nos cotovelos para frente, era o único caminho, então eu supunha que daria na livraria. Mas franzi o cenho quando o caminho mais à frente se abriu em uma bifurcação, não precisava ser um gênio para saber que, diante das localidades óbvias, a livraria ficava para o lado esquerdo. Mas eu estava curiosa em saber para onde ia o lado direito, e percebi que eu nunca havia prestado atenção nos arredores da livraria para constatar que prédio seria aquele interligado com a tubulação.
Mordi os lábios com força, um dia eu descobriria isso. Talvez muito em breve e... parei a minha linha de raciocínio quando escutei o barulho do sino da loja tocando. Me animei um pouco, mas apenas um pouco; pois, eu percebi que o sino havia tocado bem embaixo de mim. Um barulho estranho fez-se abaixo de mim. Como se algo estivesse se quebrando. Arregalei os olhos e senti um frio na barriga terrível. Não. Abri a boca para rezar quando caí do teto. Ou melhor, com o teto. Desabei com tudo no chão, ficando sem ar por uns momentos e olhei para cima. Sam e o Sr. Donahue me olhavam com olhos demasiados arregalados e rostos lívidos.
Dei um sorrisinho do chão, coberta de poeira e o que parecia ser fuligem. "Oi..."

Cartas Para Alex : O Litoral Do Sol PoenteOnde histórias criam vida. Descubra agora