Capítulo XXIII - Carolyn

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E ele dormiu.

Eu quase, quase, não consegui acreditar naquele absurdo. Lá estava eu, com a minha melhor atuação de durona assassina, quando o maldito simplesmente suspirou, relaxou o corpo tenso de uma vez e se jogou para o lado, como se tivesse desmaiado entre os lençóis da cama. É claro que eu achei que ele estava fingindo, mas, ao ver sua boca aberta começar a anunciar uma noite cheia de roncos estrondosos, e olhos de peixe morto, eu constatei, com convicção, que ou Matt estava de fato dormindo, ou estava fazendo a encenação de um cadáver.

Olhei para o rosto de Matt, o coitado realmente estava com a palidez de um moribundo. Mas, de qualquer forma, não foi isso que prendeu a minha atenção, e sim suas feições que, mesmo com ele adormecido, estavam sugerindo cansaço em demasia; olheiras assustadoramente negras jaziam logo abaixo de suas pálpebras fechadas que eu supunha estarem pesadas como uma âncora. Eu nunca vira Matt daquela forma, e não era nada agradável para os olhos. Senti um aperto no peito pela súbita preocupação, e me perguntei o que teria causado aquele mais do que aparente estado nele. Fiz uma rápida lista mental para interrogá-lo no dia seguinte, mas por agora, ele precisava descansar. Matt estava estranho, até mesmo para uma pessoa que estava querendo matar um homem motoqueiro (com um bastão) por achar que ele era um palhaço sequestrador machista, a um tempo atrás. E eu quase podia sentir aquilo irradiando dele como uma energia pesada e negativa. Dei um suspiro. Era melhor parar de conversar com Sam sobre auras negativas e positivas.

Olhei para o espaço imenso que Matt havia deixado na cama. Dei de ombros. Levantei e fui para o banheiro. O banho foi revigorante, toda a tensão que eu sentia que estava acumulada em meu corpo pareceu se esvair, como uma camada de sujeira mais do que indesejada. Me senti mais leve quase que de imediato.

Minutos depois, adentrei no quarto e soltei um exasperado suspiro. Como eu temia, Matt já havia dado um jeito colossal de ocupar todo o espaço da cama, o bastardo. Suas pernas estavam arreganhadas além da decência masculina e os braços jogados cada qual para um lado da cama, com as mãos quase escapando das bordas. Inclinei minha cabeca para o lado, com uma careta. Eu não poderia explicar qual era a necessidade de dormir como se fosse um espantalho nem se eu assim quisesse. E era óbvio que eu não iria competir com aquilo perigo noturno. Bom, as possibilidades eram infinitas no quesito morrer durante o sono ao lado de Matt, pois 1) ele poderia me esmagar durante o sono, Matt era esbelto, mas era pesado feito um hipopótamo; 2) ele poderia me estapear enquanto sonhava com aquele motoqueiro deveras infeliz; e, principalmente, 3) eu seria sufocada até a morte se ele, por acaso, jogasse aquelas toras que ele chamava de pernas e braços para cima de mim.

Matt interrompeu minha linha de raciocínio com um ronco tão profundo que achei que fosse engasgar.

Tirei os sapatos que ele estava usando e o cobri com um cobertor até o pescoço. Deixei as cortinas abertas, pois sabia que a luz do sol da manhã iria bater bem na cara de meu melhor amigo no dia seguinte. Me sentindo devidamente vingada com aquele pensamento, fui para a sala de comunicação e, chegando lá, me deparei com Sam sentado no sofá-cama, enquanto o mesmo se esticava, de alguma forma surreal, para baixo, sem nenhuma graciosidade ou flexibilidade de uma criança daquela idade, para limpar as unhas dos pés.

"Você está bem?" Perguntei, cautelosamente, enquanto debatia comigo mesma internamente se era seguro me aproximar com aquela cara de poucos amigos de Sam, enquanto ele segurava um alicate que parecia brilhar mortalmente àquela distância. Sam se empertigou e me encarou no meio de uma espreguiçada.

"Minha coluna nunca mais vai ser a mesma." Ele resmungou enquanto fazia uma careta, decerto sentindo dor. "Mas a pergunta aqui é: Você está bem?"

"Nunca estive melhor." Falei e decidi me sentar ao seu lado. Sam comprimiu os lábios e pareceu pensar, profundamente, na minha afirmação .

"Eu fiz a escolha errada de palavras novamente, perdão. Deixe-me tentar outra vez." Ele falou seriamente e pigarreou. "A pergunta aqui é: Matt está bem?"

Cartas Para Alex : O Litoral Do Sol PoenteOnde histórias criam vida. Descubra agora